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Olhos D`Água: Mari e Maninho, almas boas dos sertões

Olhos D`Água: Mari e Maninho, almas boas dos sertões – Há gente que se confunde com o ambiente em que vive, mais do que os demais viventes. Essa simbiose, entretanto, tem sua qualidade regulada pelo valor das partes envolvidas, ou seja, em terra ruim não nascem só pragas, mas em solo bom elas proliferam também. O caso de que vamos tratar é de gente boa em belo recanto, embora sofrido e maltratado.

Por Jaime Sautchuk 

A história de Mariana Machado de Bulhões, a Mari, e Carlos Eduardo Chaves de Góes, o Maninho, é um pouco da saga dos sertões de Goiás, onde reinou a perversidade, mas permeada de bondades. Há duas décadas, eles optaram por morar em Olhos d’Água, pequena localidade do interior goiano que simboliza esse passado, mas soube dar a volta por cima e hoje tem título de patrimônio cultural.

No caso de Mari, seu vínculo começa pelo sobrenome. Ela é de família tradicional, mas da banda liberal, contrária aos coronéis reacionários da antiga Vila Boa (Goiás Velho), capital do estado até os anos 1930. É bisneta de Leopoldo de Bulhões, financista de renome nacional, que promoveu a construção da primeira ferrovia no Centro-Oeste e hoje é nome de cidade. Na família, tinha também poetas e professores, antiescravistas e democratas desde o Império.

Ela é poetisa, agitadora cultural, atriz, dançarina, professora, uma cidadã de muitas lidas, uma cidadã do mundo que escolheu um cantinho desse mesmo mundo para viver em paz, mas sempre em atividade. No caso do marido, também carioca de nascimento, seu vínculo veio da estrada, e virou sertanejo por adoção. Ele, de igual modo, figura de muitas atividades, a começar por teatro, dança, vídeo, cinema e uma requintada mão na culinária, mas que se dedica profissionalmente à produção de bonsais.

Aliás, o bonsai é também uma síntese de um estilo de vida. Essa técnica agrícola nasceu na China, por força do movimento de grupos nômades. Em cada mudança, era preciso levar as árvores que já haviam crescido, o que era um problema. Eles passaram, então, a fazer podas sistemáticas, de modo a manter as plantas em pequeno porte, mas gerando frutos do tamanho normal.

Na filosofia, o bonsai resume o grande na miniatura, o que serve à vida humana, pois representa o ato de ser ou viver no pequeno pra exprimir o universal. É o inverso do latifúndio, hoje chamado de agronegócio, um reflexo da grandeza da ganância que expulsa o pequeno e que abocanha grande parte do Cerrado do Planalto Central, pra exportar grãos.

Ambos se casaram muito jovens e logo se desgrudaram de seus pares, o que Mari considera um mimo das estrelas, pois possibilitou sua junção com Maninho. Uma amiga comum propiciou um encontro. No dia marcado, ele apareceu com uma sacola de verduras orgânicas de presente pra ela, e foi a conta. Amor à primeira vista.

As trajetórias de ambos já tinham muitos pontos em comum, é bem verdade. Ela começou a dançar ainda em casa, quase nas fraldas. O pai, médico, gostava de ouvir música, de clássicos ao samba-de-roda, e batia palmas ao ver a filha saracotear. Aos sete anos, como bolsista, foi aprender balé na academia Dallal Achar, de onde saltou pra Cia de Atores e Bailarinos do Rio de Janeiro e cursou Dança Contemporânea na faculdade Angel Viana.

Aos 21 anos, passou em concurso na Rede Sarah Kubitschek e se mudou pra Brasília, desenvolvendo programa de danças e terapias corporais com pacientes do hospital. Mas, desde os 13 anos, ela já escrevia poemas, inspirada no português Fernando Pessoa, que seu pai adorava, e nas letras de sambas. Depois, passou a integrar as oficinas do poeta Chacal, no Posto 9 da orla carioca. E nunca parou.

Maninho trilhou caminhos parecidos, também incentivado pelo pai, professor de História em vários colégios da Capital Federal. Ainda no prezinho, integrou atividades artísticas até fazer parte de um Auto de Natal, que a educadora Laís Aderne desenvolvia em escolas. E seguiu os passos da mestra quando ela deixou o cargo de professora da Universidade de Brasília (UnB), por razões políticas, e foi prestar serviços comunitários em Olhos d’Água.

Ali, Laís e seu marido, o também professor da UnB Armando Faria Neves, criaram a Feira de Trocas, em 1974, atividade que se tornou o grande atrativo turístico do local. A feira nasceu como forma de se criar um mercado aos utensílios artesanais da comunidade, por meio de permuta por roupas e outros bens da cidade, mas fazia parte de um projeto que tinha também agricultura sem agrotóxicos e atividades artísticas.

Desde quase menino, Maninho integrou a escola de teatro do ator e diretor Hugo Rodas e a dança da também renomada Norma Lília, mas se mudou pra São Paulo, em busca de novos ares. Lá, após namoro com o Stagium, um problema no joelho o tirou do balé pra sempre. De volta ao DF, conheceu Mariana, juntaram os trapos e resolveram mudar de vida por completo.

Ela largou emprego e, juntos, compraram uma perua Kombi, onde praticamente moravam, mas já com Olhos d’Água como ponto de parada. Passaram a produzir mosaicos em forma de mandalas e a desenvolver o cultivo de bonsais, que eram vendidos na entrada do Parque da Cidade, em Brasília. Logo tiveram seus filhos, Isadora e Caetano, dois goianos da cepa, que levam todos de volta às origens da mãe e ao apego do pai.

Os filhos os induziram a uma vida mais comedida, e assim os dois passaram a desenvolver suas atividades centrados em Olhos d’Água e participando mais intensamente da vida comunitária. A casa onde moram é modesta, mas ampla e confortável, um misto de lar sertanejo e salão de artes.

Tantos anos depois, filhos já na adolescência, tudo o que ocorre por ali, naquela vila, tem a contribuição do casal, que é igualmente abraçado por todos, como duas almas boas daquele lugar e de sua gente.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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