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OS SENTIDOS (OLFATO): A CLAVE PERFUMADA E O SANTO GRAAL DA FELICIDADE

OS SENTIDOS (OLFATO) – A CLAVE PERFUMADA E O SANTO GRAAL DA FELICIDADE

Maria Félix Fontele, com seu conto indígena, OS SENTIDOS (OLFATO) – A CLAVE PERFUMADA E O SANTO GRAAL DA FELICIDADE, fala da cultura e costumes do povo Xerente e da constante busca pela transcendência capaz de despertar as mais refinadas vivências do corpo e da alma

Entre todos os tacapes do mundo, aquele era único. A peça amadeirada causava estranheza e assombro ao exalar aroma sutil e impregnar o ambiente com frescor, suavidade e bem-estar. De onde vinha a fragrância entranhada naquela arma cilíndrica, clave de ataque empunhada nas guerras dos ancestrais indígenas? Era magia de antepassados que habitaram aquelas terras? Ou seria a resposta para o objeto que procuravam, espécie de santo graal da felicidade?

Encontrado no coração das matas de Tocantínia, em território tribal, no verão de 1960, após fortes chuvas, o artefato nunca fora compreendido em sua totalidade. Caminhante entre dois mundos, o caboclo Ubiratan, filho de agricultor com índia, contava intrigante e lendária história sobre a busca incessante de seus antecessores primitivos por um bastão que caíra do céu em eras remotas, amuleto alegórico que dava força, poder e prosperidade aos povos devastados das florestas. A chave daquele mistério poderia ter sido achada.

Os Xerente do arco e da flecha acariciavam a raridade como se fosse mesmo presente das estrelas. Das pontas de seus dedos emanava inebriante perfume de flor fresca orvalhada. A cada manhã, antes da caça, após saírem do santuário, para onde a peça fora levada, sentiam-se como se tivessem banhado no fluxo inesgotável de renovação das águas do rio. O odor telúrico estimulava a
libido, as índias emprenhavam facilmente e a população da tribo crescia. Espiritualistas estiveram por lá, na tentativa de elucidar o enigma. Ubiratan impressionava as pessoas ao falar sobre o mito de Vênus, a Rudá indígena, que trouxe o perfume (“fumus” em latim) aos homens, nada mais do que fumaça emitida para se misturar ao nosso suor e nos conectar com o sagrado, o amor e prazerosas experiências físicas e espirituais. Em meio às polêmicas, o tacape desapareceu.

Muitos vasculharam os arredores em busca de alguma árvore cuja madeira produzisse o aroma. Os pajés tentaram reproduzir, com ervas, o cheiro mágico capaz de despertar as mais refinadas vivências do corpo e da alma, mas foi em vão!

Enquanto procuravam pelo santo graal da felicidade, perderam parte de seu território para que a paz entre brancos e índios fosse selada. Lá pela brava região de Tocantínia ficou a lenda de que a clave aparece nas aldeias, de tempos em tempos, levando perfume e grande deleite aos índios, em grau e júbilo jamais experimentados pelos homens.

Contam, ainda, que Ubiratan, o mensageiro, desapareceu certo dia na escuridão da noite. E até hoje, em momentos de crise, eles se perguntam:
– Onde estará o graal da felicidade, o santo-cheiro da transcendência?

EU DE BRANCOMaria Félix Fontele é jornalista e escritora. É autora dos livros Versos que me habitam (poesia/2018) e O barulho, o silêncio e a solidão de Deus (prosa/2021), ambos pela Confraria do Vento Editora (RJ).

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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