Partiu da Terra Annete Rabelo, um canário da liberdade!

Partiu da Terra Annete Rabelo, um canário da !

Por Laurenice Noleto Alves

No dia (26/08) partiu da terra um canário da liberdade!

Depois de longa doença, nossa amiga e companheira fez seu último voo.

Quando presa pela Ditadura Militar nos aos 70, Annete ficou conhecida também por suas cantorias. Ela cantava sempre e principalmente quando alguém era levado das celas e era dado início às sessões de tortura.

Annete, com sua meiga e linda voz,  amenizava a dor e encorajava seus companheiros presos e presas políticas a continuarem resistindo, pelo resgate da democracia,  pelo direito à organização , pela liberdade de sonhar com um mais justo, onde a felicidade fosse um direito de todos e de todas!

Vai com Deus, amiga!

Que do outro lado, os anjos da luz a recebam para um merecido descanso, guerreira, fazendo-lhe uma “caminha macia, perfumada de alecrim”!

Annete Scoti Rabelo you tube

Cantos da resistência

Em 2016, o jornalista Mário Lúcio de Paula publicou a matéria que se segue na revista “A Nova Democracia”.  Sensível, o jornalista registrou a seu modo uma linda visão da de Annete. Confira:

 

Um apoiador do jornal passava por um parque em Belo Horizonte quando, em uma banca, o título de um CD chamou sua atenção: Cantos da Resistência – Pela preservação da memória, contra o esquecimento. Comprou o CD e me apresentou as músicas entusiasmado. Os títulos já soam como convite: ‘Xote do arroz’, ‘Canção de libertação’, ‘Crítica e autocrítica’, ‘Latifúndio caduco’…

Quem divulgava o CD era Annete Scotti Rabelo, militante fundadora da Ação Popular (AP) e da Ação Popular Marxista-Leninista (APML) em Goiás, no Maranhão e na Bahia, e uma das organizadoras do que reuniu as canções de luta e resistência compostas pelos militantes da AP nos anos de 1960-70 que atuavam no Movimento de de Base (MEB), dedicado a promoção de ensino e politização para os camponeses.

Durante uma manhã inteira tivemos a satisfação de entrevistá-la, conhecer o realizado e outros antigos militantes da AP e do MEB para reunir essas canções, o processo de composição das músicas que compõem o CD e ouvir um pouco da sua história.

Annete é alfabetizadora, historiadora e fundadora do curso de Fonoaudiologia na PUC-GO, onde atua como docente e pesquisadora na área de pessoas com necessidades auditivas. Sua vida está intimamente ligada ao ensino e à música, e, durante décadas, à luta dos camponeses pelo direito à terra e contra o latifúndio.

Mas, para entender melhor o disco, comecemos por sua trajetória como militante revolucionária.

Junto aos camponeses

Ela e seu companheiro, Antônio Rabelo, dirigente regional da AP, dedicaram uma parte importante de sua militância aos camponeses do ‘Goiás Velho’. Ele trabalhava em laboratórios e estudava Medicina. Ela, alfabetizadora e professora de História. Antônio foi um dos fundadores do Sindicato dos da Construção Civil de Goiânia e atuou na direção de importantes greves dos operários na capital. Era respeitado e reconhecido pelos operários e pelos militantes de outras organizações. Ambos trabalhavam junto aos camponeses com iniciativas para a promoção da sua saúde, alfabetização e politização.

A Ação Popular transferia seus militantes para diferentes regiões de campo para estudar as contradições e a realidade dos camponeses a fim de definir locais em que estabeleceria seu trabalho político. A integração dos militantes da AP no campo — conta Annete — foi algo planejado.

 — Se falava de semifeudalidade, mas se estudava pouco sobre o problema. Fomos estudar a realidade do campo, as lutas anteriores desenvolvidas em cada região, o nível de politização das massas. Fomos para o norte de Goiás, Maranhão e Bahia — lembra.

— Nos preparávamos, fazíamos cursos e sabíamos que todo o trabalho de politização que fazíamos iria se desencadear em uma guerra armada. Tinha que dar nisso, tem que dar nisso.

A AP já estudava o maoísmo e a questão do campo.

— As músicas do Odilon Pinto, que atuava no Vale do Pindaré Mirim, no Maranhão, junto com o Manoel da Conceição, tratam muito da questão do campo — recorda Annete. Ele fez composições lindas e algumas não entraram no disco por falta de espaço. Uma diz assim: “Sou comunista, companheiro, sou contra a fome e o cativeiro…”

O MEB no Goiás Velho

O Movimento de Educação de Base, dirigido pelos militantes da AP e que contava em Goiás e outras regiões com uma rede ampla de apoiadores, em pleno regime militar fascista, organizava cursos de alfabetização, peças de teatro popular com os camponeses e tinha um programa de rádio em que eram difundidas canções de luta e levantados assuntos de interesse da população local. Além de apoiar com a rádio do MEB, alguns bispos progressistas também davam suporte à luta dos camponeses pagando advogados em sua defesa nos processos da terra contra grileiros e tentativas de expulsão feitas pelos latifundiários.

Os maiores latifúndios da região — conta Annete — estavam no Goiás Velho, onde está localizado o município de Itauçú. Os latifundiários grilavam as terras e os camponeses resistiam. Lá, o dedicado trabalho dos militantes da AP despertou os camponeses para a luta, estimulou sua organização e contribuiu para o movimento que ficou conhecido à época como Guerrilha do Itauçú. Houve perseguições e, no ano de 1967,  Annete foi presa pela primeira vez devido a sua destacada atuação, particularmente entre as mulheres camponesas.

Antônio fazia trabalho de mobilização para organização do sindicato dos trabalhadores rurais e foi transferido para outra região devido às perseguições.

Lutando e cantando

— As canções da resistência são músicas que surgiram a partir de cursos do MEB, reuniões e outras atividades. Dávamos valor aos trabalhadores, as músicas falam como eles construíam casas, do seu trabalho na roça, mostrando que eles tinham direito a essa , que ela pertencia a eles — enfatiza.

Os camponeses (e até hoje é muito assim, diz Annete) consideram um deus no céu e o senhor dono da terra. O latifúndio queria difundir a criação de gado em Goiás e começam a grilar as terras porque a lavoura já não os interessava. Hoje a coisa é diferente, a lavoura interessa para plantar soja para o agronegócio.

As músicas eram cantadas na rádio, nas reuniões e nas prisões. Foram se popularizando e estavam gravadas nas memórias dos camponeses e militantes. Os anos foram se passando e foram se perdendo fragmentos.

— Quando debatemos o projeto da gravação do CD, percebíamos que essas músicas poderiam servir para contar parte dessa história da resistência, e isso nos estimulou a concretizar o projeto. Contatamos todos os compositores que pudemos para resgatar as letras — diz Annete, que continua, entre sorrisos — Em uma primeira tentativa, o companheiro Manoel da Conceição pegou uma fita que havíamos gravado, levou com ele e ela se perdeu. Tivemos que gravar tudo de novo”.

E prossegue:

— Fui até a Bahia atrás do Odilon, que dá aulas lá na universidade. Eu estou com 78 anos e os outros companheiros vão por aí no mesmo caminho. Quando cheguei na Bahia, encontrei o Odilon no hotel e ele dizia que não lembraria das músicas, que não poderia ajudar. Estimulei, comecei a cantar e lembrar. Foi só começar que ele se entusiasmou e lembrou das que eu já me recordava e de outras mais. Ele cantou, recordou as melodias e uma das músicas do disco está na voz dele. Gravei no e um maestro fez a base da melodia sobre a voz dele para gravarmos o disco.

Cantoria camponesa

Surgiu um novo projeto, o Romaria da terra, com músicas compostas pelos camponeses de Goiás.

— Buscando novas músicas, começamos a fazer cantorias na minha casa. Participavam vários camponeses. Alguns que conquistaram a terra, outros que se mudaram para a cidade, muita gente que está espalhada por aí. Fomos nos reunindo nessas cantorias e lembrando. Nos reunindo, reencontrando, contando histórias. Está excelente! Foram duas cantorias. Eles tocaram e cantaram. Gravei o disco com todas as músicas e eles estão discutindo quais entrarão num disco. Estamos também debatendo quem procurar para financiar e gravar — conta Annete entusiasmada.

Cantos da Resistência é composto por um CD com 20 músicas e um belo livreto com textos sobre o MEB, a Ação Popular, os autores e os contextos em que as músicas foram compostas; lista de mortos e desaparecidos da AP; bibliografia e vídeos. Os interessados em adquirir o CD podem entrar em contato através do Os interessados em adquirir o CD podem entrar em contato através do rona@aprimora.com.br.

Fonte da matéria Cantos da Resistência: anovademocracia

 

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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