PL DA DEVASTAÇÃO DESMONTA POLÍTICA AMBIENTAL DO BRASIL

PL DA DEVASTAÇÃO DESMONTA POLÍTICA AMBIENTAL DO BRASIL

PL DA DEVASTAÇÃO DESMONTA POLÍTICA AMBIENTAL DO BRASIL

Já pensou entrar em um avião sem ter certeza se o piloto está apto a conduzir a aeronave em segurança ao seu destino? Ou entrar em um consultório médico sem saber se o profissional que vai atender você está habilitado para tal?

Por Adriana Ramos e Marcos Woortmann

PL DA DEVASTAÇÃO DESMONTA POLÍTICA AMBIENTAL DO BRASIL
Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

É isso, e as organizações ambientalistas brasileiras vêm questionando o Senado sobre os absurdos do projeto de lei aprovado recentemente, que altera as regras de licenciamento ambiental.PL da Devastação

O licenciamento ambiental, principal instrumento da política nacional de meio ambiente, instituída por lei em 1981, tem o objetivo de avaliar os potenciais impactos ambientais de obras e projetos, de modo a minimizar ou compensar seus impactos na saúde pública, na contaminação de rios, praias e solo, por exemplo. Trata-se de reduzir riscos e tornar tais intervenções menos danosas ao meio ambiente. PL da Devastação

É comum que quem planeja obras não incorpore aspectos ambientais relevantes e que implicam custos de adequação, o que faz com que os riscos sejam subdimensionados, acarretando a necessidade de os analistas ambientais solicitarem complementação de informações para a definição das medidas de mitigação e compensação necessárias, levando a atrasos na concessão das licenças.

Mas respeitar o meio ambiente e adaptar projetos e obras a modelos mais sustentáveis, que têm um custo, é algo que muitos empreendedores querem manter só no discurso. Não à toa, temos visto tantos retrocessos socioambientais, seja em decisões legislativas, seja no âmbito do setor privado, que tem abandonado compromissos corporativos voluntários. 

Por isso, não surpreenderam as manifestações de apoio de setores empresariais às mudanças no licenciamento, apesar de elas significarem impactos ambientais sobre toda a coletividade, em razão de empreendimentos de grande porte privados.

O PROJETO

O ponto focal da crítica dos ambientalistas é a criação da Licença por Adesão e Compromisso, a LAC. O novo dispositivo permite que empreendimentos de até médio porte sejam licenciados de maneira automática, bastando ao empreendedor preencher um formulário autodeclaratório, o que elimina a fase de estudos prévios de impacto ambiental e as definições de medidas compensatórias. Entidades apontam a inconstitucionalidade da medida.

Dessa forma, empreendimentos em unidades de conservação passam a poder ser licenciados sem a manifestação obrigatória prévia do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), o que abre margem para atividades econômicas em áreas de proteção ambiental.

Além disso, o mecanismo esvazia significativamente a atuação dos órgãos como o Sisnama (Sistema Nacional do Meio Ambiente) e o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), além dos conselhos estaduais.

Na votação no Senado, um ponto de alerta foi a inclusão da emenda 198, de autoria do presidente Davi Alcolumbre (União Brasil), para a criação da Licença Ambiental Especial, a LAE.

Com a licença, fica possível o licenciamento simplificado também de grandes empreendimentos considerados estratégicos para o governo, como é o caso da exploração de petróleo e mineração. Atualmente, para um projeto deste porte são necessárias três etapas: prévia, instalação e operação.

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Foto: Lela Beltrão/Divulgação

A proposta estabelece uma licença ambiental especial (LAE) de rito simplificado para “atividades ou empreendimentos estratégicos” a serem definidos pelo Conselho de Governo, ainda que a iniciativa “seja utilizadora de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente”. 

Esse rol de atividades estratégicas será definido por decreto posterior à legislação, permitindo que qualquer autoridade possa conceder a LAE por seus próprios critérios. Sabemos como funciona a cultura política quando as decisões são tomadas a portas fechadas, sem critérios públicos e transparência. 

Estamos falando em bom português de um convite, com tapete vermelho e banda, para que a corrupção em dimensões inauditas permeie o processo de licenciamento nas mais altas instâncias de governo, ao invés de estruturar um processo aberto, auditável, e eficiente para todos os cidadãos brasileiros, não apenas para a classe política e os empreendedores que possam pagar para ter o direito de empreender.

O projeto também amplia os casos de aplicação da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), pela qual qualquer pessoa consegue automaticamente a licença ambiental preenchendo um formulário na internet. A LAC torna-se a regra, e o licenciamento convencional, com análise prévia do órgão ambiental, a exceção. PL da Devastação

O problema é que essa autorização não vai valer apenas para empreendimentos de pequeno porte e potencial poluidor, mas para os de médio porte, potencial poluidor e risco ambiental. E quem define a diferença entre o que é grande e o que é médio?PL da Devastação

A proposta concede de antemão isenção de licenciamento para 13 atividades e empreendimentos econômicos, como agricultura, pecuária, “manutenção e ao melhoramento da infraestrutura em instalações preexistentes”, sistemas e estações de tratamento de água e de esgoto sanitário, e concede poder quase ilimitado para estados e municípios criarem sua própria lista de isenções de licenciamento. 

Isso pode gerar confusão regulatória, insegurança jurídica e uma “guerra ambiental” entre quem libera mais e flexibiliza mais para atrair investimentos. 

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São Paulo (SP), 07/06/2025. Ato do Greenpeace no MASP contra o PL 2159. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

MOBILIZAÇÃO SOCIAL 

No domingo, 1 de junho, manifestantes contrários ao Projeto de Lei 2.159/2021, conhecido como PL da Devastação, estiveram nas ruas de oito capitais. Em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Manaus, Porto Alegre, Florianópolis e Curitiba, milhares de pessoas participaram de atos puxados por ambientalistas com cartazes que pediam o veto do presidente à proposta.

Além disso, os atos demonstraram apoio e solidariedade à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, alvo de ataques de senadores em uma sessão recente da Comissão de Infraestrutura do Senado, que tratava sobre a criação de unidades de conservação na margem equatorial. 

A votação do PL da Devastação no Senado, que ocorreu em 21 de maio, teve 54 votos favoráveis e 13 contrários. O projeto da Lei Geral de Licenciamento Ambiental, discutido no Congresso desde 2004, foi aprovado em 2021 na Câmara dos Deputados.

Na casa alta, a relatora Tereza Cristina (PP/MS) aponta que o objetivo é uniformizar os procedimentos para emissão de licença ambiental no país e simplificar a concessão de licenças para os empreendimentos de menor impacto.

Já os movimentos ambientalistas afirmam que o PL, na verdade, se trata da “mãe de todas as boiadas” – em referência a uma fala do ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, que queria aproveitar brechas para “passar a boiada” em áreas de floresta na Amazônia.

Na etapa seguinte, agora, o projeto retorna à Câmara dos Deputados devido às mudanças que foram feitas pelo Senado e, se aprovado, será encaminhado para sanção ou veto do presidente Lula.PL da Devastação

Quem se lembra do que era o noticiário, ou pior, do que era viver em Cubatão nos anos 1970 e 1980, uma das cidades mais poluídas do mundo, com doenças e mortes que afetavam crianças, jovens e idosos, é isso o que está sendo proposto como modelo para todos os municípios, pois a regra que impede que isso ocorra hoje é precisamente o que está sendo destruído.PL da Devastação

Terras Indígenas e territórios quilombolas em regularização não serão consideradas no licenciamento de empreendimentos e atividades econômicas que os impactem, e Unidades de Conservação só serão consideradas se o impacto for direto. PL da Devastação

No caso dos quilombos, mais de 96% das comunidades não seriam levadas em consideração para impactos de licenciamento, pois seus territórios ainda não foram titulados. Cerca de 40% dos territórios indígenas podem ser afetados, e, cabe lembrar, a preservação de seus territórios é responsável pela chuva que abastece 80% da agricultura no Brasil e gera 58% de sua renda. 

A conta é simples: menos chuva, menos produção. O que os ruralistas estão fazendo é dar um tiro no pé da própria agricultura, e caberá a você pagar pelo aumento na inflação de alimentos, e, ao país, pagar o aumento da pobreza.

O PL pretende isentar empreendimentos privados de cumprir as chamadas “condicionantes ambientais”, jogando a conta dos seus impactos para a população e os cofres públicos. Se não forem cumpridas as condicionantes do licenciamento, obrigações de prevenção, redução e reparação de impactos socioambientais, o empreendedor não precisa dar satisfação a ninguém. PL da Devastação

Em nota técnica, o Observatório do Clima alerta que isso tende a aumentar a responsabilidade — e os gastos — do poder público para conter impactos de grandes empreendimentos mantidos pela iniciativa privada.PL da Devastação

O QUE PENSA O MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE

Mesmo sob holofotes, em um contexto de ataques, a ministra do Meio Ambiente e Mudanças do Clima, Marina Silva, segue em alerta para articulações sobre a tramitação do PL. PL da Devastação

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Foto: Rogério Cassimiro/MMA

Isso porque a ministra se declarou contrária a pontos do projeto e disse que vai trabalhar, especialmente, para a derrubada da emenda proposta por Alcolumbre, relacionada aos empreendimentos estratégicos.PL da Devastação

Segundo divulgado pela imprensa no dia 2 de junho, Marina Silva irá apostar no diálogo com o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos), e com líderes partidários para tentar adiar a votação na casa.

O desafio de Marina não é pequeno. Além dos empreendimentos, como as médias e grandes obras, o agronegócio, que possui uma bancada expressiva no Congresso, também deverá se beneficiar bastante com a aprovação, pois as atividades agropecuárias em grandes áreas também serão dispensadas das etapas do licenciamento. O que pode acarretar o avanço desenfreado do desmatamento, incluindo o uso de agrotóxicos em áreas protegidas.

Sobre o assunto, a pasta divulgou um posicionamento contrário ao PL. “(…) representa desestruturação significativa do regramento existente sobre o tema e representa risco à segurança ambiental e social no país”, diz um trecho da nota oficial. No dia 2, após participar de um encontro de mulheres do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a ministra falou sobre o assunto aos jornalistas.

“O licenciamento pode ser aperfeiçoado, claro, para que a gente ganhe mais agilidade, mas isso não significa flexibilizar regramentos, não significa perda de qualidade. Os empreendimentos precisam passar por todas as fases do licenciamento para que a gente evite vários problemas como já tivemos no passado, inclusive em Mariana e Brumadinho”, disse Marina Silva. E completou: “a sociedade está dizendo para os seus representantes que é preciso um tempo para debater”.

Como se não bastasse, o PL impede que bancos sejam punidos por crimes e danos ambientais cometidos por empreendimentos e empresas que eles financiam, contradizendo a norma que impede o crédito bancário para desmatadores.

Se essa legislação for aprovada, estaremos todos submetidos a impactos de obras e projetos que não terão a devida análise técnica e o aval de autoridades públicas no que diz respeito a riscos e ameaças ambientais, como seria entrar em um avião sem que a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) tivesse responsabilidade na emissão da habilitação e licença dos pilotos, ou entrar em um consultório médico sem a segurança da fiscalização da atividade pelo Conselho Regional de Medicina. 

ONU SE POSICIONA CONTRA O PL DA DEVASTAÇÃO

Além do posicionamento contrário de ambientalistas, empresários e da sociedade civil, a aprovação do PL do licenciamento ambiental foi questionada pela ONU. Numa carta enviada ao governo Lula, grupos de diferentes áreas de Direitos Humanos da ONU denunciaram o texto do PL, alertando para possíveis violações, caso seja provado como está. PL da Devastação

O documento é Grupo de Trabalho de Especialistas em Afrodescendentes; pelo GT sobre a questão dos Direitos Humanos e das corporações transnacionais e outras empresas; pela Relatoria Especial sobre a promoção e proteção dos Direitos Humanos no contexto das mudanças climáticas; pela Relatoria Especial sobre o direito humano a um ambiente limpo, saudável e sustentável; e pela Relatoria Especial sobre os Direitos Humanos à água potável e ao saneamento.

Na carta, a ONU destaca que as revisões do projeto modificam e removem elementos “essenciais relativos à proteção ambiental no processo de licenciamento ambiental, impactando os Direitos Humanos, especialmente os Direitos dos Povos Indígenas e das Comunidades Quilombolas”. A carta afirma que “essas modificações podem causar danos graves e irreversíveis ao meio ambiente, agravando a tripla crise planetária de mudanças climáticas, perda de biodiversidade e poluição tóxica”.

Fonte: Redação CicloVivo

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Brasília (DF), 25/08/2024 – Brasília amanhece encoberta por fumaça causada por incêndios florestais dos últimos dias. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A forma como os Senadores se manifestaram durante e depois da aprovação pelo Senado Federal da nova legislação que desmontou o mais importante instrumento da gestão ambiental do país diz muito sobre o que tem movido o debate sobre meio ambiente e clima no Congresso brasileiro, quando o extremismo ideológico tratorou a Constituição Federal, a ciência, e até mesmo tratados internacionais, entregando a conta para você, seus filhos, eu, e todo mundo. PL da Devastação

É isso que queremos em pleno ano de COP 30, quando o mundo inteiro virá ao Brasil para refazer seus compromissos ambientais e tentar conter os desastres climáticos e o aquecimento global? 

Precisamos chamar os adultos de volta pra sala, os cidadãos e cidadãs brasileiras, ou essa conta virá cara demais.

adriana ramos isa sociedade natureza uma coisa so conexao planetaAdriana Ramos – Secretária Executiva do Instituto Socioambiental 

 

 

 

img20240515181811726 10572896Marcos Woortmann – Diretor-Adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS)

 

 

 

Nota da Redação: Os textos das caixas são de Claudia Rocha. A caixa sobre a ONU é da Redação CicloVivo.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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