Povos da floresta reforçam legado de Chico Mendes na COP30

POVOS DA FLORESTA REFORÇAM LEGADO DE CHICO MENDES NA COP30

Povos da floresta reforçam legado de Chico Mendes na COP30

Lideranças presentes no evento deste sábado também questionam a eficiência do fundo lançado pelo governo do Brasil. “Deveria ser mais ousado”, diz Angela Mendes.

Por Nicoly Ambrosio/Amazônia B

Belém (PA) – A luta do líder seringueiro, sindicalista e ambientalista acreano Chico Mendes (1944-1988) desaguou na COP30 por meio da inauguração de um local de celebração permanente na COP. O Espaço Chico Mendes, fruto de uma parceria com a Fundação Banco do Brasil, foi inaugurado na noite de sexta-feira (7) no campus de Pesquisa do Museu Paraense Emílio Goeldi, no bairro da Terra Firme, periferia de Belém (PA). O legado de um maiores líderes do movimento socioambiental e a cultura amazônica foi lembrado com uma festa conduzida pelos povos da floresta. Houve apresentações do Cortejo com Romualdo Freitas, artista que transformou-se na figura do Mapinguari, e show do Carimbó do Cuiapitinga, coletivo da Ilha do Marajó.

Para fortalecer os debates e as ações das populações extrativistas de todos os biomas brasileiros, a filha de Chico Mendes, Angela Mendes, contou que a ideia de levar a memória de seu pai para a COP30 surgiu assim que foi noticiado que o evento seria realizado na Amazônia.

“Não pode ter uma COP30 sem falar de Chico Mendes, do seu legado, como o patrono do meio ambiente brasileiro, como herói brasileiro. Sem chances de ter uma COP aqui e a gente não trazer toda a grandiosidade do legado que ele deixa para a humanidade. Porque as reservas extrativistas são um legado para sempre. Isso foi o que nos motivou a estar presente”, disse em entrevista à Amazônia Real.

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Cortejo de abertura do Espaço Chico Mendes e Fundação BB na COP30 em Belém (Foto: @oliverninja / @midianinja).

A agenda do Comitê Chico Mendes, paralela à COP30, contempla um amplo diálogo sobre a agenda socioambiental das populações ribeirinhas e comunidades extrativistas na Cúpula do Clima e o lançamento do Plano Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT). Até o dia 21 de novembro, haverá uma programação cultural, política, socioambiental e de mobilização dos movimentos sociais, além de apresentações culturais.

A iniciativa é uma realização do Comitê Chico Mendes, do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) e da Fundação Banco do Brasil, com apoio do Memorial Chico Mendes, do Museu Paraense Emílio Goeldi e do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).

“Para nós, fazia todo sentido convidar o CNS para ser parceiro, porque é quem cuida da política desses territórios. Quem acompanha a criação desses territórios. E, claro, que estando na Amazônia e falando do legado de Chico, o nosso tema principal, puxador desse nosso espaço, teria que ser reservas extrativistas como direito ao território, como direito à regularização fundiária, como justiça socioambiental para os povos”, completou Mendes.

Angélica Mendes, neta do seringueiro, explicou que a mobilização para participar da COP30 reafirma o legado do avô e garante que sua memória esteja presente no debate climático.

“Chico Mendes é o patrono do meio ambiente do Brasil também. A gente tinha que se posicionar. Mesmo com toda a importância que ele tem, a gente ainda tem que estar reforçando quem que foi Chico Mendes, a importância dele para a conservação da Amazônia”, ressaltou.

Angélica reforça que o espaço serve como um ponto de escuta e visibilidade para os povos tradicionais da floresta amazônica. “A gente traz esse espaço para que as pessoas que vão ficar de fora dessa COP possam ter um lugar de fala. Porque essas pessoas têm voz, mas muitas vezes não são escutadas. E aqui é esse espaço onde elas vão poder falar, onde vão poder ter protagonismo, protagonismo dos povos da floresta, que são quem trazem a verdadeira solução para esse território”.

O local pode ser visitado de forma gratuita e tem exposições temáticas, incluindo as exposições “Chico Mendes Herói do Brasil” e “Memoráveis Margaridas”, com as imagens e biografias de mulheres defensoras ambientais.

Fundo tem críticas

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Ângela Mendes presidente do Comitê Chico Mendes, durante a solenidade de abertura do Espaço Chico Mendes na COP30, em Belém (PA) (Foto: Juliana Pesqueira/Amazônia Real/2025)

Questionada sobre o lançamento do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), anunciado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante a abertura da Cúpula dos Líderes, Angela Mendes avaliou com ceticismo a proposta. “É um fundo que precisa ser mais ousado”, disse.

A iniciativa, apresentada como uma ferramenta de financiamento para auxiliar cerca de 70 países na conservação de florestas tropicais, prevê que apenas um quinto (cerca de 20%) dos recursos seja destinado diretamente aos povos indígenas e comunidades locais.

Para Angela Mendes, o Governo brasileiro quer “maquiar” um problema. Ela diz que, para funcionar, o fundo deve direcionar pelo menos 80% de recursos para as populações que protegem os territórios de florestas tropicais.

“Eu acho que o fundo deveria ser mais ambicioso. Se a gente está falando de um fundo para florestas tropicais, para que a gente pudesse resolver os graves problemas que a gente enfrenta, não faz sentido nenhum as florestas e as populações terem apenas 20% desse fundo. Para onde vai o resto? O sentido correto era justamente o contrário, tinha que ser 80% para as populações que estão nos territórios, fazendo esse trabalho, morrendo para proteger esses territórios, para proteger o futuro da humanidade”, declarou.

De acordo com o governo federal, o TFFF captará R$ 125 bilhões no mercado a juros reduzidos como um ativo de “baixo risco”, diferente dos fundos tradicionais. O conceito do fundo é investir conforme o valor monetário da floresta, proposta que até o momento tem causado muitas dúvidas.

Angela também criticou a contradição entre o discurso de sustentabilidade e o avanço da exploração petrolífera. Apesar de Lula ter declarado a intenção de superar a “dependência dos combustíveis fósseis”, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) concedeu licença para que a Petrobras perfure um poço de pesquisa exploratória na Bacia da Foz do Amazonas, dentro da região conhecida como Margem Equatorial. Os combustíveis fósseis são considerados responsáveis por 70% das emissões globais que agravam o aquecimento do planeta.

“Não faz sentido a gente continuar fortalecendo o discurso de exploração do petróleo, de combustíveis fósseis, ao mesmo tempo que vivemos tantos problemas para resolver, como os rios contaminados, mineração, peixes contaminados, povos indígenas e uma geração inteira afetada pelos mercúrios despejados nesses rios. Ninguém garante que todo cuidado que dizem ter será suficiente. A gente não pode prever o futuro, não pode prever essas mudanças, essa crise ambiental que vem com tanta força e que, em algum momento, pode também atingir esses equipamentos ou atrapalhar o planejamento que dizem ter para evitar impactos”, alertou a liderança.

Juventude extrativista

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A abertura do primeiro dia de atividades do Espaço Chico Mendes na COP30, em Belém (PA), ocorreu com a mesa “Encontro das Juventudes das Florestas na COP30” (Foto: Juliana Pesqueira/Amazônia Real/2025).

Os jovens representantes de populações extrativistas [ribeirinhos, seringueiros, quilombolas, pescadores artesanais, pequenos agricultores] de todas as regiões da Amazônia Legal marcaram presença nas atividades do espaço com o painel “Juventudes das Águas e das Florestas e a COP 30: Caminhos para a Justiça Climática”, realizado neste sábado (08).

Entre as vozes que se destacaram está Letícia Santiago de Moraes, vice-presidente do CNS e extrativista do Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Ilha São João I, na comunidade Nossa Senhora da Boa Esperança, no município de Curralinho, região do Marajó (PA).

Filha de Dulcimar Baratinha de Moraes e Miracelia Santiago de Moraes, duas importantes lideranças das populações extrativistas locais, Letícia dá continuidade ao legado de luta dos seus pais na defesa da floresta e dos direitos das mulheres amazônidas. À Amazônia Real, a jovem liderança lembrou que o CNS completa 40 anos de existência em 2025, mas que a violência contra os defensores ambientais e comunidades do campo continua sendo uma realidade diária.

“O mundo precisa dessas florestas, o mundo precisa dos povos da floresta e nós precisamos que o mundo nos proteja. Proteja as nossas vidas que estão nessa trincheira de frente, sem colete a prova de bala, com os peitos escancarados a um sistema que nos mata e que busca apagar as nossas histórias”, manifestou

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Letícia de Moraes vice presidente do CNS durante a solenidade de abertura do Espaço Chico Mendes COP30 em Belém (Foto: Juliana Pesqueira/Amazônia Real/2025).

Moraes destacou a força do movimento das juventudes e das mulheres da floresta como sementes de resistência e continuidade da luta pela natureza. Para ela, o objetivo central dessas ações é simples: viver com dignidade, assim como qualquer ser humano deseja. Letícia enfatizou que o Espaço Chico Mendes serve como um palco para reverberar pautas históricas, como as que moveram Chico Mendes, irmã Dorothy e Dom Phillips, voltadas para a existência e a dignidade dos povos amazônidas. 

“Nascemos como uma voz viva da juventude e das mulheres pelo existir, pelo resistir e pela garantia dos nossos direitos. Por uma educação que não nos mate, uma educação que não mate as nossas histórias, a saúde que considere os nossos saberes tradicionais, o esporte, o lazer. Porque, na verdade, o que nós queremos acima de tudo é viver. Viver com dignidade, assim como todos os brasileiros, assim como todo o ser humano quer viver, quer garantir os seus direitos”.

Nicoly Ambrosio – É jornalista formada pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e fotógrafa independente na cidade de Manaus

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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