Povos e comunidades tradicionais elevam vozes em defesa do Cerrado

e comunidades tradicionais elevam vozes em defesa do Cerrado

Por Thays Puzzi

O IX Encontro e Feira dos Povos do Cerrado, promovido pela Rede Cerrado, foi prestigiado por aproximadamente sete mil pessoas. Seminários, oficinas, shows e comercialização de produtos da sociobiodiversidade movimentaram a capital federal de 11 a 14 de setembro. 

Cerrado: o que te faz lembrar dele? Mesmo que alguns ainda não percebam ou não saibam, este Bioma é rico em diversidades. Tem cultura, tem gente, tem planta, tem animais, tem ! E isso pôde ser vivenciado pelas quase sete mil pessoas que prestigiaram a nona edição do Encontro e Feira dos Povos do Cerrado, que ocorreu em Brasília, de 11 a 14 de setembro.

Seminários, oficinas, shows, comercialização de produtos da sociobiodiversidade, além da tradicional Corrida de Toras, deram vazão às riquezas e às principais demandas do Bioma, dos , quilombolas e comunidades tradicionais, que foram os protagonistas do evento, que teve início, não por acaso, no Dia Nacional do Cerrado.

Com o tema ‘Pelo Cerrado Vivo: Diversidades, Territórios e Democracias”, o Encontro e Feira dos Povos do Cerrado, promovido pela Rede Cerrado, foi um espaço de encontros, celebração, denúncias, lutas e resistências. “Foi muito gratificante porque nós unimos forças por uma luta comum que é a defesa do Cerrado.

“Eu participo desde a primeira edição e vivenciar essa união, apresentar nossas riquezas e produtos foi muito bom”, destacou Lucely Pio, quilombola e raizeira que, além de trazer cosméticos à base de medicinais do Cerrado, presenteou os participantes ministrando uma oficina sobre saúde da mulher.

Ao todo, foram realizadas durante o evento 18 oficinas com a participação de mais de 750 pessoas. Diferentes temas foram abordados, como gênero, juventudes, gestão territorial, neoextrativismo, conflitos socioambientais, produção e comercialização de produtos agroextrativistas, entre outros.

“Meu sentimento é de felicidade, de realização. Pela situação que estamos vivendo, a realização deste encontro foi muito importante. Uma vitória de cada um de nós que juntos nesta Rede fizemos nosso evento acontecer. É preciso chamar a atenção de toda a . Pedimos que nos ajudem a cuidar do Cerrado, a combater todo o mal que está acontecendo com ele”, desabafou Maria do Socorro Teixeira Lima, quebradeira de coco babaçu e coordenadora geral da Rede Cerrado.

Com uma mistura de sentimentos refletidos no olhar, ela se lembrou de todas as problemáticas enfrentadas pelo Cerrado, seus povos e comunidades tradicionais. Atualmente, ele é o Bioma mais ameaçado do Brasil. Mais da metade da vegetação original do Cerrado já foi desmatada. Ele, que é o segundo maior Bioma do país, ocupando 24% de todo território nacional, concentra 30% de toda a biodiversidade do país e 5% da biodiversidade do .

Além disso, é no Cerrado que estão localizadas oito das doze regiões hidrográficas brasileiras, abastecendo seis das oito grandes bacias hidrográficas do país. É no Cerrado, por exemplo, onde estão três dos principais aquíferos do Brasil: Bambuí, Urucuia e . O avanço indiscriminado das grandes monoculturas no Bioma tem afetado diretamente a sociobiodiversidade e as águas do Cerrado, responsáveis por abastecer grande parte do país.

Além disso, a região Centro-Oeste do Brasil, quase toda ocupada pelo Cerrado, está na segunda posição quando se trata da elevação do número de incêndios florestais (atrás da Amazônia), apresentando crescimento de 100% no número de focos de incêndio no comparativo com dados de 2018, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). No início do mês de setembro, por exemplo, o incêndio no Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, situado no Mato Grosso, destruiu quase 4 mil hectares de sua área.

“Quero deixar bem claro que não tinha branco destruindo floresta, rios e animais desse jeito que eles estão fazendo. Nossos ancestrais foram os primeiros habitantes desta terra. Eles vieram do outro lado do oceano, chegaram e começaram a destruir tudo”, alertou o Cacique Raoni, indicado ao Prêmio Nobel da Paz de 2020, durante o seminário Cerrado: qual defesa queremos?

Outro seminário realizado durante o Encontro e Feira dos Povos do Cerrado foi um que levou para dentro da Câmara dos Deputados a importância dos povos e comunidades tradicionais para a conservação do Bioma. Na oportunidade, houve a entrega de uma petição com mais de meio milhão de assinaturas pela aprovação da PEC 504/2010, que transforma o Cerrado e a Caatinga em Patrimônio Nacional. Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, recebeu a petição pelas mãos da Joenia Wapichana.

Mais cedo, durante seminário na Câmara, a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado já havia entregue o caderno de assinaturas à Joenia e a outros parlamentares presentes. Mais de mil pessoas participaram desses momentos de debates e reflexões conjuntas.

FEIRA DA SOCIOBIVERSIDADE E DA DIVERSIDADE CULTURAL

Este foi o espaço que mais atraiu o público em geral. Com 17 diferentes apresentações culturais e 35 barracas comercializando uma grande variedade de produtos da sociobiodiversidade: comidas, bebidas, embutidos, artesanatos, biojoias, cosméticos, entre outros, pelo espaço passaram cerca de 6.900 pessoas, somando os quatro dias de evento.

Para Luís Carrazza, da Central do Cerrado, um dos expositores do Encontro e Feira dos Povos do Cerrado, foram dias incríveis. “Foi muito importante para reunirmos as cooperativas produtivas associadas à Central do Cerrado e somarmos forças junto a Rede Cerrado nessa agenda em defesa do Bioma, dos povos e de seus direitos.

A integração da pauta política, agenda cultural super rica e a feira com a diversidade de produtos e experiências consistiram em um super instrumento de visibilidade das riquezas e ameaças que sofremos no Cerrado e de engajamento dos povos tradicionais e da população em geral nesta luta”, avaliou Carrazza, comemorando a venda de cerca de R$ 18 mil em produtos ao longo do evento.

Além das atrações e da feira, durante o IX Encontro e Feira dos Povos do Cerrado, a exposição Pelo Cerrado Vivo, com fotografias de Leopoldo Silva, Fernando Tatagiba e Bento Viana, proporcionou aos mais de 200 visitantes a oportunidade de percorrerem um caminho com diferentes experiências visuais e sensoriais do Cerrado.

Realizado desde 2001, o Encontro e Feira dos Povos do Cerrado é um grande espaço de intercâmbios e articulações em defesa da conservação do Bioma e do fortalecimento de seus povos e comunidades tradicionais. O Encontro proporciona reflexões sobre , além de ser um momento para a promoção e comercialização de produtos dos Povos do Cerrado, constituindo-se em uma importante festa da sociobiodiversidade.

A expectativa é que a décima edição do Encontro e Feira dos Povos do Cerrado ocorra em 2022, ano do aniversário de 30 anos da Rede Cerrado.

Thays Puzzi – Assessoria de Rede Cerrado

 

[smartslider3 slider=25]

Deixe seu comentário

UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

PARCERIAS

CONTATO

logo xapuri

REVISTA