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Precisamos falar sobre Barbie, o filme?

Precisamos falar sobre Barbie, o filme?

A esta altura, Barbie já é o maior fenômeno de entretenimento do ano – e as bilheterias, na casa dos milhões de espectadores: 4,1 milhões de pessoas entre a estreia, na quinta-feira, 20, e domingo, 23 de julho. Das 3.401 salas de cinema no Brasil, de acordo com levantamento da Ancine em 2022, o filme de Greta Gerwig está em 2.056 salas.

Por Bia Abramo 

Os números são acachapantes, de fato, além de preocupantes – se somarmos às 710 salas destinadas ao outro blockbuster da temporada, “Oppenheimer”, de Christopher Nolan, temos 80% dos cinemas brasileiros ocupados com apenas dois filmes. 

Isso configura, de fato, uma verdadeira invasão do produto da indústria de entretenimento que espreme as produções nacionais para poucas datas e salas e com a obrigação de fazer bilheteria muito rapidamente para ficar em cartaz por tempo o suficiente para gerar boca-a-boca e público.

Também impõe uma desigualdade aguda de formatos e conteúdos: cinematografias não-alinhadas com a indústria têm chance muito menor de serem simplesmente conhecidas, quanto mais de formar um gosto que destoe dos padrões da indústria hollywoodiana.

No entanto, antes mesmo de se tornar o filme arrasa-quarteirão que prometia ser por conta da campanha intensa de marketing real e digital que circunda o filme, a estreia de “Barbie” veio cercada de toda a sorte de expectativas e vaticínios.

Para simplificar, enquanto milhares de meninas e mulheres que tiveram (ou não) uma boneca Barbie no mundo inteiro entraram no tsunami rosa, desfilando com roupas e acessórios rosa, consumindo comidas rosa e instagramando tudo isso, um certo choque percorria o campo fundamentalista e do conservadorismo nos costumes ao que se antecipava sobre o filme a partir do trailer.

A prévia já avisava que “Barbie, o Filme” traria uma Barbie um tanto fora da embalagem, a começar de que a atriz que a encarna, Margot Robbie, ser uma mulher cujos traços físicos são praticamente idênticos aos do design da boneca original, continuando com as pistas de que a boneca seria transformada numa espécie de agente do caos do empoderamento feminino.

O fato de a diretora Greta Gerwig e Noah Baumbach, coprodutor e roteirista, virem do chamado cinema independente norte-americano e de Margot Robbie ter estrelado filmes do espectro cult, como “Arlequina” e o de Quentin Tarantino sobre Charles Mason, também criou um certo suspense no jornalismo especializado e nas redes sociais: conseguiria o filme manter sua pegada pop, inteligente, irônica e camp, mesmo se tratando de filme sobre um brinquedo? E, para piorar, um produto tantas vezes associado a padrões de beleza, de feminilidade, de consumo inatingíveis para muitas meninas e mulheres no mundo?

O primeiro problema do excesso de marketing é que as expectativas funcionam como uma profecia autorrealizável. No dia da estreia, por exemplo, o campo conservador já se armou de argumentações as mais abstrusas para condenar o filme como um perigoso instrumento de doutrinação feminista e anti-homem, apesar da névoa rosa que exala quase que a cada segundo dos 94 minutos que dura a projeção.

Mães cristãs gravaram vídeos indignados por que a história de Gerwig não era adequada para crianças pequenas — que, de fato, não é até mesmo pela classificação indicativa para maiores de 12 anos. Ou que mesmo as meninas mais adolescentes teriam seus “sonhos destruídos” por ver uma personagem-boneca em crise existencial, com dúvidas sobre o próprio corpo.

O alarme de machistas red pill, que leram as entrelinhas com a costumeira paranoia, rendeu intervenções que seriam até engraçadas se não denunciassem uma misoginia pegajosa e ultrapassada. Quem estava pronto para ir ver o demônio vestindo rosa e com look perfeito, conseguiu.

O segundo problema é que, para quem apenas queria entender o porquê de tanto frisson, o filme começa muito antes de se apagarem as luzes da sala, ou seja, assiste-se o filme já meio mastigado. Ainda assim, vale pontuar: “Barbie” é uma fantasia meio desbragada sobre dois mundos paralelos, onde crescer mulher, boneca ou pessoa, é ainda um desafio e um enigma.

Partindo de uma premissa meio amalucada de que foi a mera existência de uma boneca-mulher que equilibrou as relações desiguais de poder entre homens e mulheres no mundo real, Gerwig constrói uma história sobre o que é o “tornar-se mulher” que fica ali num meio do caminho de uma paródia e de uma fábula feminista (da perspectiva ocidental, branca e norte-americana, mas ainda assim feminista).

Nesse sentido, “Barbie” logra um equilíbrio interessante – e, talvez, raro – entre os artifícios do entretenimento em seu estado quase bruto, selvagem, da escolha dos atores “perfeitos” à das estrelas na trilha sonora (Dua Lipa, Bilie Eilish) e do entretenimento que se pretende, no mínimo, instigante ou que consegue, por vezes, rir de si mesmo.

Ao contrário da maioria dos filmes “de boneco”, como as redes costumam chamar de forma irônica as franquias de super heróis de quadrinhos, em “Barbie” problematiza-se pelo humor até mesmo a noção de que ali está acontecendo alguma coisa de extraordinário. Até mesmo o embate, a batalha entre Kens e Barbies é tomado como o que deve ser: uma brincadeira, um role playing game, onde se pode, por algumas horas, inventar um jeito mais diferente ou mais engraçado.

E, por fim, vale lembrar que “Barbie”, de alguma forma, coloca algumas questões interessantes sobre a travessia enigmática de uma menina que não é mais uma criança e ainda não é plenamente uma adolescente.

É como se o filme, no fundo, estivesse parafraseando e adaptando para contemporaneidade a célebre frase de Sigmund Freud: afinal, o que quer uma menina? E se o filme talvez tente dizer é que nunca saberemos, se não as escutarmos com cuidado, mesmo que elas só falem entre resmungos. 

Imagem do WhatsApp de 2023 08 17 as 15.07.18Bia Abramo Jornalista. Matéria e imagem publicada originalmente na Revista Focus Brasil, da Fundação Perseu Abramo. Foto: divulgação.

 
 
 
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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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