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PRIMEIRAS GREVES NEGRAS:  PICADAS ABERTAS PARA A RESISTÊNCIA

PRIMEIRAS GREVES NEGRAS:  PICADAS ABERTAS PARA A RESISTÊNCIA

Houve um tempo, no Brasil e nas Américas, em que o povo negro, para sobreviver, teve que partir para a resistência. 

Por Iêda Leal e Marcos Zibordi

Depois de ralar nas construções, nas fábricas, nas roças, nas cozinhas, na lavação de roupa, nos humilhantes “favores sexuais”, com pouca ou nenhuma condição de negociar com quem as oprimia, pessoas escravizadas organizaram revoltas em todos os países americanos com presença negra. 

Em matéria de Marcos Zibordi, publicada na Coleção Os Negros, fascículo 15, da Revista Caros Amigos, sem data, há um relato do que se passou nas primeiras greves negras de resistência:

“Os levantes de escravos são maiores no início e no final do período colonial; respectivamente, quando o colonizador ainda não dominava a nova terra e no período de independências e abolições, no início do século XIX.

Improvável diante da escravidão intransigente, cativos reivindicaram e obtiveram nos tribunais míseros direitos, como folga e alguma terra para as plantações de subsistência.

Cobravam o cumprimento das “leis” da escravidão, violadas, por exemplo, com a violência excessiva. Ou reivindicavam a troca de senhor, conforme previam leis coloniais, com a diferença que nos desonra: no Brasil, a compra da alforria dependia da autorização do “dono” do escravizado; nas colônias espanholas, não.

Segundo o historiador George Reid Andrews, autor de América Afro-Latina, 

embora essas negociações usualmente ocorressem entre senhores e escravos individuais, elas às vezes se transformavam em algo que se aproximava da negociação coletiva, produzindo algumas das primeiras greves da história latino-americana. As paralisações de trabalho dos cobreros, nos séculos XVII e XVIII, certamente caem nesta categoria. Similarmente, a greve dos carregadores de rua negros, tanto escravos como livres, em 1857, em Salvador, capital da Bahia, foi a primeira das mobilizações trabalhistas na história dessa cidade.

E as questões inegociáveis? Foram resolvidas com fugas para os conhecidos, odiados e combatidos quilombos, no Brasil, e palenques, na América Espanhola. São ajuntamentos pequenos, não chamam a atenção; duram pouco, em geral aniquilados em resposta aos ataques dos rebeldes às cidades ou fazendas vizinhas.

Autoridades conluiadas com as elites combateram, com tropas e armas, grupos organizados de negros fugitivos na Colômbia, Venezuela, Cuba e Brasil, onde uma autorização de 1799 orientava o ataque aos quilombos: “assaltando-os repentinamente, extinga tais Ajuntamentos, sem deixar deles a menor sombra”. 

Tentar, tentaram. Matar, mataram. Dizimar, dizimaram. Mas cada revolta, cada rebelião, cada greve, cada quilombo, abriu picada, plantou sementes de resistência em uma luta que, ainda hoje, avança, mas nunca cessa.   

1593444701915Marcos Zibordi – Jornalista, professor e pesquisador de jornalismo.

 

 

 

 

ieda leal 1Iêda Leal – Militante do Movimento Negro. Sindicalista. Conselheira da Revista Xapuri. Secretária de Gestão do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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