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Roda de conversa Yawanawá: O objetivo na vida e a busca pelo equilíbrio de viver

Roda de conversa Yawanawá: O objetivo na vida e a busca pelo equilíbrio de viver

Roda de conversa Yawanawá: O objetivo na vida e a busca pelo equilíbrio de viver

Por Jairo Lima 

Nesta semana que passou recebi a visita de lideranças Yawanawá, mais precisamente, do Conselho Yawanawá, composto por homens e , representantes de boa parte das aldeias da Terra Indígena Rio Gregório. A pauta da visita seria discutirmos o Plano de Vida Yawanawa, projeto comunitário que estipula uma série de ações para o alcance pleno da autonomia e reforço cultural deste povo. E este assunto foi realmente abordado.

Claro que muitos dos membros deste Conselho são velhos conhecidos meus. Assim, não me surpreendi quando, entrelaçada à questão do projeto de vida Yawanawá, a conversa girou em torno de minha pessoa, da maneira mais tradicional, a conhecida “roda de conversa” no terreiro da aldeia, onde assuntos diversos são tratados e que, quando  se referem a alguém particular, assumem uma conotação mais íntima.

Nesse caso, aborda-se o assunto sempre de maneira séria, mas amorosa, onde a mensagem é passada  sem gerar conflitos ou má interpretações. Outra característica interessante é que, nessas falas, o uso da terceira pessoa ao se referir ao aconselhado é uma ferramenta usualmente utilizada.

Roda de conversa Yawanawá: O objetivo na vida e a busca pelo equilíbrio de viver

Pois bem, já na primeira fala do grupo, realizada pelo professor Nani Yawanawá, que tantas vezes me recebeu com sua família, e com  quem tenho uma ligação carinhosa já há muitos anos, ficou claro que algo estava preocupando-os, em relação a mim. Em sua fala, lembrou os anos em que tenho contato com seu povo e a preocupação deles comigo, com meu bem-estar, pois tinham “ouvido conversas sobre o Jairo” que os deixaram preocupados – sobre eu aparentar estar chateado e irritado com algo.

Nani enfatizou que quer me levar com ele, em breve, para subir o rio Gregório, dizendo: “inté as cabeceiras, pra aplicar um sapo nele, pois, como aprendemos, é preciso cuidar da pessoa, afastar o que está atrapalhando e aconselhar nosso irmão, ajudando ele a ficar bem”.  Bem, mesmo entendendo o carinho nas palavras e a consideração por minha pessoa, não deixei de ficar preocupado com a coisa, afinal, das medicinas indígenas, a do kambô não é uma das minhas mais apreciadas.

A roda de conversa continuou e a fala passou para a curadora Mariazinha Yawanawá, que lembrou quando fui aceito no seio de sua família, e como isso me prendeu em sentimento e pertencimento a seu povo, e como estes querem que eu fique bem, e que esteja sempre em de respeito e apoio a eles, não interpretando errado a necessidades deles, mas procurando sempre estar junto e ajudar.

Também falou sobre procurar voltar ao Gregório para uma estadia lá e também disse que em cada ritual do Uni ela busca concentrar em cada um de nós, pedindo forças, clareza e proteção para que possamos desempenhar nosso papel profissional, social e humano da melhor maneira possível.

Claro que esta roda de conversa não estava só eu e os Yawanawá. Era  uma reunião com outras instituições juntas, e pude notar que os convidados não estavam entendendo muito bem a dinâmica deste “papo de índio”. Eu, por minha vez, fiquei sentado, alternando reações serenas com balanços de cabeça ou resignação ante risos de todos quando algo relacionado a mim era lembrado por alguém, como o fato de eu ter sido professor de alguns, ou minhas peripécias pessoais que estes tomaram conhecimento. Também quanto aos conselhos de como eu estava precisando estar harmonizado para “não ter azar ou panema*”.

Roda de conversa Yawanawá: O objetivo na vida e a busca pelo equilíbrio de viver

Não foi um “papo” curto, pois as falas do Conselho duraram cerca de três horas e meia. Claro que, em dado momento, após estas falas, o “palco” me foi dado para que eu me manifestasse ante a tudo o que eu ouvi. Claro que menos nos ditos “assuntos institucionais” do que nos “assuntos de ordem pessoal e espiritual”.

Agradeci as palavras de todos, claro, e também dei minha opinião, não deixando de incluí-los como parte do que estaríamos definindo como solução para todas as discussões realizadas, bem como aceitei o convite para subir o Gregório e tomar um kambô, um cipó ou o que mais fosse necessário, juntamente com eles.

Assunto abordado, assunto refletido, assunto respondido, assunto encerrado. Tudo dentro dessa dinâmica maravilhosa deste povo, que sempre apreciei e que me deixou profundamente emocionado pela deferência pois, para a realização desta reunião, viajaram de muito longe, debaixo de frio e chuva, pelas águas do Gregório e em seguida pela estrada esburacada que é a BR 364. Claro que o assunto maior eram as propostas de apoio para sua comunidade, mas em meio a tudo isso, eu também era parte do assunto, a preocupação com meu equilíbrio emocional, espiritual e físico.

Passada reunião, fiquei matutando sobre tudo o que ouvi, e claro, sobre toda esta situação de desequilíbrio que surgem quando estamos “enfiados” muito tempo nessas caixinhas de concreto e energias conflitantes, chamada de “cidade”. Nem nos apercebemos disso e, para a maioria dos “citadinos” nunca será percebido.

Vive-se sempre como se caminhasse à beira de um precipício, ou como se estivesse prestes a ter um colapso nervoso.

A coisa vai acontecendo de um jeito que te envolve e você nem percebe e isso se dá de muitas formas, algumas discretas, outras nem tanto: É o som automotivo alto dos automóveis com jovens (ou nem tão jovens) achando que todos devem ouvir suas músicas, geralmente de péssimo gosto ou dúbias, os chamados pancadões onde safadões, Anitas e outras personalidades da cultura  líquida urbana do momento pregam suas filosofias de vida.

É o calor sufocante, com aquela sensação desagradável que só a soma de asfalto, concreto e a alvenaria são capazes de produzir; É o consumo constante de alimentos processados, que nos envenenam ou nos tornam quimicamente dependentes de seus açúcares, glúten e outros venenos do tipo;  São os momentos de estresse no , onde papéis sobram nas mesas, e a telinha fria e sem emoção do computador nos captura a atenção por horas a fio, retirando de nós, a cada dia, um pouco de nossa coletividade humana; São as chamadas “redes sociais” que nos invadem a mente com todo tipo de parafernália visual, ideológica e falsa possível, onde muitos postam falsas alegrias e perfeições, ou destilam ódio contra seus semelhantes, sem se dar conta que tudo isso voltará de uma maneira ou de outra para si mesmo.

A dinâmica perturbadora das notícias e a velocidade cada vez maior do meio urbano e da rotina profissional, onde, tal qual os condenados do segundo círculo do Inferno de Dante, o Vento da Luxúria nos jogam-nos de um lado para o outro. Somos infestados, sim, infestados, de notícias falsas, odiosas, ideológicas ou alienantes a cada minuto em que damos um clique no ratinho que freneticamente movimentamos várias vezes ao dia.

Chegamos a um nível que a polarização tem se tornado regra em nossa sociedade, onde ideologias políticas, religiosas e sociais nos afastam e nos remetem uns contra os outros, num ódio fabricado, originado de algum lugar desconhecido. Somos impelidos a uma individualidade depressiva e excludente que nos aprisiona e nos asfixia, retirando-nos do convívio familiar e coletivo, tão necessário à social do ser humano que, por excelência é um animal social.

Roda de conversa Yawanawá: O objetivo na vida e a busca pelo equilíbrio de viver

O excesso de informações e crueza, possibilitadas pela tecnologia visual e virtual da internet desumaniza-nos a tal ponto que imagens horrendas de crianças mortas na Síria, pessoas decapitadas no Oriente Médio, mortos em assassinatos ou em confronto policiais, etc, se tornam tão comuns que hoje em dia vivemos uma era de insensibilidade em que quase nada nos choca, ao ponto de ver duas pessoas se esbofeteando em octógonos, onde sangue jorra e rostos são desfigurados, como uma coisa divertida e digna de transmissões ao vivo ou de compartilhamentos no Facebook.

Parece que a anda esquecendo o que é “ser humano”. Parece que nossas cidades estão perdendo o “espírito”, onde marchamos para um ideal de utopias falsas e superficiais, pautadas pelo “agora” individual, onde a hipocrisia toma as mais variadas formas mas que no âmago continuam sendo hipocrisias.

E o que os indígenas e demais povos tradicionais representam nessa tragicômica vida que vivemos? Respondo. Estes povos representam aquilo que, em suma, buscamos a cada dia em que abrimos os olhos pela manhã: a alegria de viver e a superação de nossos desafios pessoais, mentais e/ou espirituais que nos deixem plenos de harmonia e paz, sentires que não são adquiridos sem que busquemos o equilíbrio necessário para isso. E como alcançamos este equilíbrio? Boa pergunta.

Creio que esta busca pelo equilíbrio se dá quando nos desprendemos dos lastros viciosos do meio em que vivemos e estabelecemos o momento para o “eu”. Quando nos voltamos para o seio criador da natureza em suas mais diversas manifestações. É desacelerar quando necessário; É parar quando preciso; É desprender-se da necessidade de consumo por si só, sem um objetivo; É ter claro que objetivo de vida queremos e enxergar ao longe onde este objetivo nos levará, afinal, não esqueçamos que nada mais somos que seres fadados à decrepitude e a morte, e o que nos sobrará, ao final, são as recordações e as obras que deixarmos.

Jairo Maio 25

Lembro de uma mensagem que recebi há muitos anos, quando o “cipó” (ayahuasca) falou comigo, quando me senti diante de uma encruzilhada na vida e achava que precisaria escolher um caminho para seguir: “não existe o caminho certo ou o caminho errado.

Eles podem parecer que vão seguir para lugares diferentes e alcançar diferentes objetivos,  quando se olha sem atenção, mas, na verdade, seguem para o mesmo lugar, com interseções ao longo destes que possibilitam que você trilhe um e outro, alternando quando necessário. A questão principal para sua decisão não é onde eles o levam, e sim, que intersecções e trilhas você tomará para chegar lá e, também, como você estará e que fez ao longo desta caminhada quando lá chegar”.

Assim, para me manter em equilíbrio e consciente de que nada mais somos que seres que vivem em harmonia ou desarmonia (ou equilíbrio e desequilíbrio) é que irei sim, tomar o kambô com o professor Nani e o Uni com a Mariazinha, afinal sei onde quero chegar mas o que me preocupa, afinal, é como chegarei e o que trarei comigo ao final da jornada.

 

Jairo Xapuri

Jairo Lima – indigenista e escritor acreano, publica suas crônicas semanalmente no blog: cronicasindigenistas. Por gentileza do autor, seus textos são reproduzidos, também semanalmente, aqui neste nosso site da .

As fotos utilizadas nesta matéria foram selecionadas por Jairo Lima e são da autoria de:

Foto 1 (capa) : Professor Nani Yawanawá – Foto: Acervo Tashka Yawanawá
Foto 2: Rio Gregório – Foto: Tashka Yawanawá
Foto 3: Saudoso Tuikuru – Foto: Pedro Devani
Foto 4: Hushahu Yawanawá – Foto: Tashka Yawanawá
Foto 5: Um jovem Jairo Lima, junto com o Yawa e o velho Tuikuru Foto: Acervo Jairo Lima

 


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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