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Romaria de carros de bois: Bem cultural do Brasil

Romaria de carros de bois: Bem cultural do Brasil

Romaria de carros de bois: Bem cultural do

Em 15 de setembro deste ano, o Conselho Consultivo do , principal instância decisória do Iphan, aprovou, de forma unânime, o reconhecimento da Romaria de Carros de Bois da Festa do Divino Pai Eterno de Trindade (Goiás) como Patrimônio Cultural Brasileiro.

A devoção ao Divino Pai Eterno começou na cidade no século 19. Contam que por volta de 1840 um casal encontrou um medalhão entalhado com a imagem do Pai, do Filho e do Espírito Santo – a Santíssima Trindade. Logo, famílias de amigos e vizinhos começaram a se reunir para rezar o terço em louvor ao Divino Pai Eterno.

A devoção só aumentava, e não demorou a começar a peregrinação, a Romaria dos Carros de Bois, pois na época era esse o principal meio de transporte usado na zona rural, seja para a lida diária, seja para as viagens de longas distâncias.

Quase dois séculos passados, a Romaria de Carros de Bois da Festa do Divino Pai Eterno de Trindade, marco da celebração religiosa desde o seu início, permanece como uma tradição cultural de enorme relevância ccarro-boiomo referência cultural e representatividade da vida rural, agora reconhecida pelo Iphan.

Todos os anos, convergem para a cidade goiana devotos de diversas cidades de Goiás e de estados próximos, do Centro-Oeste e também do Sudeste. Homens e mulheres se envolvem nos preparativos, os carros de bois são arrumados cuidadosamente, os mantimentos que serão consumidos ou vendidos durante o trajeto são estocados.

Personagens como carreiros, candeeiros e demais participantes da Romaria trazem consigo hábitos já esquecidos por muitos. São eles os herdeiros, guardiões e transmissores de costumes da vida rural, cada dia mais modificados por influência da acelerada urbanização e das novas tecnologias a ela inerentes.

Ano após ano, ocorre em Trindade um reavivamento da tradição da vida rural e das manifestações de fé. O Carro de Boi é pedra basilar de tudo isso.

A seguir, o poeta goiano Antonio Victor nos traz uma bela lembrança que sem dúvida perpassa as mentes de muitos homens e mulheres que participam da Romaria dos Carros de Bois da Festa do Divino Pai Eterno de Trindade e que certamente trará a você conhecimento ou reconhecimento.

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Roda de Carro de Boi – Foto: Canal Morrinhos

LEMBRANÇA DE CARREIRO

Antonio Victor

Tarde da vida, quando se amontoam os anos,

debruçado em desenganos da minha desilusão,

fico espiando da janela do presente,

retalhos de antigamente que me dói como um ferrão.

 

Vai, boi Penacho, puxa o carro, boi carreiro,

companheiro de viagem nas quebradas do ,

leva essa carga, rasga o barro do caminho,

se couber, leva um pouquinho da mágoa deste peão.

 

Peão que chora quando vê o Sol baixando,

e um carro de boi cantando seu gemido de paixão.

Eu também choro meu gemido solitário

e desfio o meu rosário em contas de solidão.

 

Sou um carreiro vencido pelo cansaço,

mas me lembro do chumaço, da chaveia e dos cocão,

eixo e fueiro, cabeçalho, cheda e mesa,

belo tempo de riqueza que virou recordação.

 

Ainda recordo o recavém e o pigarro,

cunha nas roda do carro, cambota, arreia e meião,

chapa, ésse, cravo, canzil, brocha e tamboeiro,

a canga, a tiradeira, argola, ajoujo e cambão.

 

Vai, boi Penacho, puxa o carro e vai embora.

Já venceu a minha hora, terminou minha missão.

Leva essa carga de tristeza que me invade,

se couber, leva a saudade que me aperta o coração.

 

trindade-opopular-com-br
Foto: opopular.com.br

 

Antônio Victor – escritor, poeta, compositor.

 Seu poema Lembrança de Carreiro foi gravado em CD pela dupla caipira Zé Mulato & Cassiano, no disco Meu Céu, ganhador do Prêmio Sharp de música sertaneja do ano de 1998.

 

 

 

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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