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SALVADORES DA CLARIDADE

SALVADORES DA CLARIDADE

Da arqueologia à antropologia, passando por botânica, biotecnologia e várias outras áreas, tudo num mesmo lugar, desbravando o Cerrado. São pesquisas e experimentos navegando da culinária que serve ao nosso dia a dia a vestígios de nossos antepassados de 12 mil anos atrás.

Por Altair Sales Barbosa

Chega a ser difícil descrever o tamanho do trabalho do Instituto do Trópico Subúmido (ITS), entidade vinculada à Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO). É no ITS que se condensam os resultados de décadas de trabalho de dezenas de cientistas e técnicos, envolvidos em pesquisa e ensino, sob a coordenação do criador e coordenador dessa estrutura, o arqueólogo e antropólogo Altair Sales Barbosa, baiano de Correntina, goiano por adoção e universal por vocação.

O conhecimento acumulado é difundido através do Memorial do Cerrado, com sede em Goiânia (GO), aberto ao público desde 1992. O Museu de História Natural, que é a fachada pública do complexo científico do Memorial, é visitado diariamente por cerca de mil pessoas. É gente do Brasil inteiro, a maior parte encaminhada por escolas.

Ali são encontrados cacos arqueológicos de escavações, fósseis de milhões de anos, animais empalhados, plantas vivas, ambientes geológicos e, por fim, uma cidade cenográfica a céu aberto, aos moldes da vida humana do século 18. É uma réplica em tamanho natural de fazendas, habitações e oficinas dos primeiros colonizadores do Planalto Central do Brasil.

Um novo centro de convenções, em fase de acabamento, dará novo impulso às atividades do ITS. Ações de maior duração como cursos, seminários e oficinas serão desenvolvidas em parceria com outras instituições científicas brasileiras e do exterior. A troca do saber acumulado e a abertura de novas fronteiras ganham, assim, um novo impulso a esse trabalho que, na verdade, nasceu da busca por um jeito diferente de fazer universidade. O enfoque multidisciplinar, holístico, assegura o permanente intercâmbio entre diversos campos da ciência no trato de temas correlatos.

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Parte dos projetos do ITS são permanentes, mas outra boa parte depende da demanda acadêmica. Ou seja, se um estudante tem um projeto de tese de doutorado que é acolhido, por exemplo, ele permanecerá na equipe até concluir sua tese.

Alguns dos trabalhos mais importantes desenvolvidos sobre a presença humana no que é hoje o território brasileiro são feitos pelo ITS. Um dos focos de estudos são os povos indígenas remanescentes na região do Cerrado, que somam perto de 110 mil pessoas, sem contar os que habitam o Parque do Xingu.

Nesse campo fica bem clara a interação de diferentes áreas científicas. Os diversos grupos indígenas são identificados, em primeiro lugar, por um dos três troncos linguísticos presentes na região, que são Macro-jê, Tupi e Aruak. Por exemplo: os únicos descendentes dos goiases, que deram nome a Goiás, são os Karajá, de vários estados.

Às pesquisas de linguística e antropologia se somam as arqueológicas e paleontológicas, que definem a origem e o estilo de vida de nossos antepassados a partir de objetos e inscrições.

O bioma Cerrado hoje predomina na região Centro-Oeste e parte do Nordeste, mas já foi hegemônico em todo o território nacional, inclusive onde agora é a Amazônia. O seu espaço atual já foi mais de 50% devastado, o que inclui áreas mais degradadas como o chamado deserto do Jalapão, no Tocantins.

Nessa região, pelos levantamentos do ITS, há cerca de 13 mil plantas, mas delas apenas 200 podem ser reproduzidas em viveiros, de modo que a recuperação das partes devastadas fica mais difícil. Nisso entra a biotecnologia, com projeto em que o ITS desenvolve mudas de plantas, por meio da manipulação genética. Sem depender, pois, da germinação de sementes, o que requer condições próprias, que vão do tipo de solo existente a ocorrências ambientais como o fogo, por exemplo.

De qualquer forma, na mesma área de alguns hectares no campus-II da PUC, em Goiânia, o Memorial mantém também um banco de germoplasma, outro de sementes e um viveiro nativo. Essa atividade, aparentemente complexa, tem reflexos muito práticos. São desenvolvidos, por exemplo, alimentos com produtos cerratenses, cujos protótipos são entregues a empresas privadas, que os colocam no mercado.

Além da interação disciplinar, a atividade do Instituto busca a aproximação com os ambientes e as comunidades humanas que são estudadas. Assim, foi criado o Centro de Folclore e História Cultural, que tem entre suas finalidades a preservação dos valores e manifestações culturais da sociedade goiana. Esse núcleo promove pesquisas e atividades permanentes e, uma vez por ano, realiza a Semana do Folclore. O evento reúne as mais diversas manifestações, com grupos de catira, folias e procissões como a do fogaréu, que ocorre na Cidade de Goiás.

Também estão sendo criados centros regionais da instituição, com o nome de Estação Ciência, que funcionam como o Memorial do Cerrado, mas em menor escala. Uma dessas estações está em Serranópolis, município onde há muitos anos vêm sendo feitas pesquisas arqueológicas para datar o tempo da presença humana no Continente. Outra, em Jataí, no Sul do Estado, a terceira em Uruaçu, às margens do lago da hidrelétrica de Serra da Mesa, e mais uma em Correntina (BA), região de transição do Cerrado para a Caatinga.

Cada um desses centros mantém pesquisas próprias e áreas de preservação ambiental, com experimentos e intercâmbio com as comunidades ao seu redor. O de Correntina, por exemplo, obteve da prefeitura local a doação de uma área enorme, de milhares de hectares, que permite estudos de longo alcance.

Estão previstas outras estações em Palmas (TO), São Gotardo (MG), Barra do Garças (MT) e Morrinhos (GO), esta última junto às nascentes do rio Araguaia, seriamente ameaçadas.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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