O VALOR DA FLORESTA

O valor da Floresta – Cadeia da Borracha gera renda e amenina impactos no  entrono da BR-319

As seringueiras da Amazônia voltaram a mobilizar a sociobioeconomia, garantindo renda e mudando a realidade de centenas de famílias que atuam na cadeia produtiva da borracha nativa no Amazonas, principalmente na área de influência da BR-319, a rodovia que interliga Manaus a Porto Velho.

Dos varadouros de Rio Branco
Com textos do Observatório da BR-319
Os municípios de Canutama, Manicoré e Lábrea, situados no traçado da rodovia, geraram mais de 131,5 toneladas de látex em 2023. A previsão é que a safra de 2024 ultrapasse as 150 toneladas nos três municípios.
O presidente da Associação dos Produtores Agroextrativistas de Canutama (Aspac), distante 640 quilômetros de Manaus, Leandro Nascimento, comenta como a produção proporciona grandes benefícios para mais de 100 famílias de seringueiros do município.
“Com a retomada da cadeia da borracha, começamos com sete famílias em 2021, que geraram 2.102 quilos. Em 2022, chegamos a 47 famílias com 19.624 quilos e, no ano passado, atingimos 69 famílias e mais de 29,2 toneladas de borracha. Neste ano, temos 101 famílias associadas atuando diretamente com a produção da borracha e a previsão é atingir mais de 40 toneladas”, diz Leandro.
“Esse projeto está mudando a nossa realidade e a vida de muitas pessoas. A família toda ajuda, com seringueiros e seringueiras, além de seus filhos retirando o látex. Tem família que vai apresentar uma tonelada de borracha na produção de 2024 e isso gera um bom dinheiro para eles realizarem seus sonhos”, comenta a liderança.
Já em Manicoré, a 347 km da capital amazonense, a borracha se tornou a principal fonte de renda de muitas famílias, que antes atuavam no garimpo e outras práticas ilegais. Em 2023, as quatro associações agroextrativistas de Manicoré prouziram, juntas, quase 50 mil quilos de borracha.
Duas organizações que fazem parte do Observatório BR-319, o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) e o WWF-Brasil atuam no projeto “Juntos pelo Extrativismo da Borracha da Amazônia”, que vem impulsionando a retomada da produção com uma grande mobilização entre empresas, organizações da sociedade civil e poder público.
A iniciativa também é um caminho positivo para aumentar a proteção das florestas e das pessoas que vivem nelas, além de ajudar a diminuir os impactos das mudanças climáticas.

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Após impulsionar ocupação da Amazônia um século atrás, extração do látex volta a ganhar valor e mercado, gerando renda para as comunidades da floresta (Foto: Cristian Braga)

Natasha Mendes, analista de conservação do WWF – Brasil, afirma que “a revitalização da cadeia produtiva da borracha nessa região é uma forma de resistência frente às mudanças climáticas, altos índices de desmatamento e expansão da fronteira agrária nesta região. É uma alternativa sustentável e viável de gerar renda através da floresta em pé, além de trazer dignidade às populações desta região”.
“O arranjo produtivo da borracha nativa da Amazônia significa um grande avanço. O CNS é uma organização que luta pelos direitos dos seringueiros há 40 anos e as associações fazem um trabalho fundamental para a garantia da floresta e da vida dos povos da floresta”, diz Silvia Elena Batista, secretária de Direitos Humanos do CNS.
“O trabalho na cadeia da borracha tem tirado, inclusive, pessoas do garimpo ilegal, que hoje ganham dinheiro sem causar danos ambientais e esse é um dos motivos pelos quais lutamos pela continuidade, e expansão do projeto, que dá dignidade aos extrativistas”, ressalta ela.

A corrida pela borracha
Responsável por conduzir o acelerado processo de ocupação da Amazônia entre o fim do século 19 e o início do 20, a extração do látex da seringueira passou por seus altos e baixos. O grande lucro gerado pela produção da borracha, por exemplo, foi o responsável por redesenhar o mapa político do Brasil, com a anexação do território que hoje forma o Acre – antes terras da Bolívia e do Peru.
O primeiro e o segundo ciclos da borracha foram marcados por um processo de extermínio e escravização das populações indígenas. Mas a principal força de trabalho era composta pelos nordestinos que aqui chegavam fugindo da seca e com a promessa de enriquecimento na Amazônia. Porém, o cenário era outro. Eles chegavam já com muitas dívidas acumuladas e eram submetidos a um regime de trabalho escravo para pagar suas dívidas com os barracões.
E, assim, ao longo do século, com a exploração da economia da borracha se deu o processo de formação política e cultural da Amazônia. Nos últimos anos, há uma retomada da corrida pela borracha produzida a partir de seringais nativos, após décadas da extração concentrada nos seringais plantados.
O Acre foi o pioneiro nessa retomada, com o incentivo à produção da borracha nativa para abastecer a fábrica de preservativos em Xapuri – hoje com as suas atividades paralisadas. Atualmente, a produção da borracha acreana é vendida para uma fábrica de calçados na Europa, responsável por assegurar a renda para as famílias extrativistas.
Agora, há o fomento para a retomada da extração do látex em seringais nativos também em Rondônia e no Amazonas. A valorização da cadeia econômica da borracha é apontada como uma maneira de reaquecer o extrativismo vegetal, gerando renda e qualidade de vida para as populações da floresta – além de amenizar os impactos do avanço da agropecuária.

Produção em Lábrea
Em Lábrea, um dos municípios líderes em desmatamento no Amazonas, a Associação dos Produtores Agroextrativistas da Comunidade José Gonçalves (APAC.J.G), que possui 20 anos de atuação, é outro exemplo de como a retomada da cadeia produtiva da borracha nativa da Amazônia vem proporcionando grandes benefícios para os seringueiros. Em 2023, cerca de 223 famílias produziram 52,8 toneladas.
Atualmente, a produção parte de Lábrea, segue pela BR-319 até Porto Velho e, depois, para o município de Sena Madureira, no Acre, onde a borracha é processada. A produção deste município faz parte de outro arranjo, que vende a borracha para o Acre.
“Ainda enfrentamos muitas dificuldades como a falta do kit sangria, que é a tigela, balde e faca, porque não tem no mercado e ainda tem um valor alto. Faltam políticas públicas para fortalecer ainda mais a cadeia produtiva da borracha. Essa produção, além de ajudar na geração de renda, também tem um papel social muito importante”, comenta o presidente da APAC.J.G, Antônio David Brito.
Segundo ele, a associação começou com 25 famílias em 2019 e apenas cinco toneladas, e foram crescendo, ano a ano. A meta deles é atingir 60 toneladas na safra de 2024. “Isso é muito bom, porque é uma forma de valorizar o nosso trabalho. Nós somos grandes protetores das florestas e todo esse trabalho precisa ser cada vez mais recompensado”, complementa.

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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