Se eu quiser falar com Deus
Por Leticia Bartholo
Sentados à mesa de um bistrô, Carlos, Manuela e Aparecida conversavam detalhadamente sobre suas experiências espirituais do último trimestre. Com a maturidade que seus 6 anos de idade lhe conferiam, atento à conversa também estava João, o filho de Aparecida, cuja atenção só se desfazia para tentar arrumar o velcro da capa de sua fantasia de super-homem, que insistia em não grudar corretamente sobre os ombros.
Aparecida relatou seu retiro no Nepal, vivência extraordinária de auto encontro, pela qual ela desembolsou cerca de 5 mil dólares. Um valor módico ante a possibilidade de estar verdadeiramente consigo e com o divino, contou Aparecida, após repreender a deselegância do filho, que havia tentado interromper a conversa por conta do problema banal que o velcro desgastado lhe proporcionava.
Quando passou o vendedor de panos de prato, Manuela não conseguiu lhe fixar os olhos, porque descrevia ainda estupefata a sensação de estar na Terra Santa e debruçar-se sobre o muro. É como se, ali, Deus nos acolhesse sob seu manto de ternura e nos ensinasse o valor da humildade, disse a jovem emocionada.
João, que acabara de consertar o velcro da fantasia, concluiu que esse tal de Deus devia mesmo morar muito longe e então deixou a mesa para brincar no parquinho do bistrô. Mas não sem antes ouvir a recomendação enfática dos três adultos, de que não se aproximasse do mendigo negro que comia uma marmita sentado no balanço.