Seu guri: Herói sem medalha

Seu guri: Herói sem medalha

Por Geremias Ferreira Gontijo

Conheça a de seu Guri, o velho pai de muitos filhos e o novo, o Guri de muitas ideias, projetos e dedicação à família, aos negócios, aos amigos. Conheça-o pelo olhar amoroso de seu filho Geremias: Seu Guri foi um herói sem medalha. Um pioneiro empreendedor que arriscou tudo em uma época de incertezas 

Se vivo fosse, Pedro de Alcântara Gontijo, o “Seu Guri”, como era conhecido, estaria completando 97 anos. Esse mineiro de coração goiano tornou-se personagem icônica na de todos aqueles que conviveram com ele.

De personalidade forte, sempre se posicionava com firmeza em qualquer situação. Defendia suas ideias sem titubear.  Não gostava de extremismos e apoiava todos os movimentos em prol da democracia e da liberdade de expressão.

Faz pouco mais de um ano que ele se foi. Pelo seu histórico e pela sua resiliência, acreditava-se que chegaria aos 100 anos. Era como uma Fênix, quando tudo parecia ter acabado, ele ressurgia das cinzas e seguia adiante. Passou por muitas dificuldades. Venceu um câncer que parecia invencível e sobreviveu por mais de trinta anos.

Não conseguiu atingir seu centenário como gostaríamos. Como todo vivente, foi ao encontro do único mal irremediável e cumpriu a ordem natural do universo. Partiu desta dimensão por causas naturais. Não dá para dizer que foi cedo demais. Viver mais de 95 anos e com lucidez foi uma dádiva.

Seu Guri foi um herói sem medalha. Um pioneiro empreendedor que arriscou tudo em uma época de incertezas. O ano era 1955, e mesmo sem nunca ouvir falar no célebre PND de Juscelino Kubitschek: “cinquenta anos em cinco”, que mudaria os rumos da nação, ele, como um verdadeiro bandeirante, lançou-se numa epopeia migratória insana. Deixou seu torrão natal, Bom Despacho MG, e arribou por estas bandas, como quem ia ao encontro da prometida, sem medo de ser feliz.

Partiu para buscar os seus sonhos. Ser dono da própria terra. E, assim como JK, também se encantou pela magia do Planalto Central. Vislumbrou que ali ainda viria a ser um dos celeiros do . Adentrou em uma nova fronteira, encarou uma terra inóspita, sem recursos, onde a selvagem era tudo que existia.

Como todo do lugar, aprendeu a se defender como podia.  Lavrar a terra e conviver com silvestres de grande periculosidade fazia parte do seu dia a dia. Ajudou a desbravar a região, construindo estradas e abrindo clareiras nas matas para plantar. Não havia máquinas, tudo era feito à mão. Na foice, no machado e na enxada. Era um peão e precisava sobreviver.

Sempre dizia: “ só se vence com produção”. E ele produziu. Não abdicou de seus objetivos, e seu lema era: “se você não pode ser o maior, procure ser o melhor”. E assim o fez. Numa época de grande demanda por produção de alimentos em torno da nova capital, ele se tornou referência como criador de suínos e produtor de leite, e também foi pioneiro em confinamento de bois para abastecimento de carne na entre safra. Gostava de dizer: “não fiz tudo que queria, mas fiz o que pude e está tudo certo, sou grato”.

Ao seu lado, por mais de 72 anos de casamento, sempre esteve Dagmar Ferreira Gontijo, a Dona Dag, sua esposa e companheira de jornada. Dificilmente teria conseguido sem ela. Criaram doze filhos e ainda tiveram a generosidade de adotar mais uma. Desses, vieram mais 31 netos (2 in memoriam) e 31 bisnetos. Constituíram a prole numerosa, que tem no seu legado o verdadeiro baluarte da vida familiar.

Sua presença ainda continua muito forte nos lugares por onde passou. Suas ideias ainda repercutem entre aqueles que o conheceram. Ele se foi, mas sua memória continuará por muitas gerações. É como ele sempre dizia: “quem muito viaja uma hora chega, já viajei muito e minha jornada está no fim, mas os meus rastros ainda vão permanecer aqui por muito tempo”.

gotijo

 

Geremias Ferreira Gontijo – Pecuarista, é filho do seu Guri e segue a jornada do pai. Além disso, é na Secretaria de Estado de do DF.

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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