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Ticê – A deusa brasileira do sagrado feminino

TICê: A DEUSA BRASILEIRA DO SAGRADO FEMININO

Ticê: a deusa brasileira do

O tem sua contribuição na magia do Sagrado Feminino. Entre os muitos deuses de nossa esgarçada e sofrida Amada Brasil, deixamos lugar de destaque para Ticê – uma Deusa brasileira

Por Iêda Vilas-Bôas e  Reinaldo Filho Vilas Boas Bueno

Ticê é de nossa herança, também, dentro do Sagrado Indígena. Eles, os povos indígenas, são os verdadeiros donos deste lugar, e são nossos ancestrais originários.  Nossos povos originários, assim como outros povos, a exemplo da mitologia grega, das deidades estudadas em Goétia e outras egrégoras, buscavam no esoterismo o reconhecimento de figuras míticas sentido para todos esses eventos que não se podiam explicar, mas que aconteciam e acontecem.

Para exemplificar melhor, podemos dizer que existe o gênio das pessoas, o íntimo que conversa com a consciência, a natureza pessoalíssima de cada um, quase que como um ser dentro de si: alguns se dão à maldade, violência e crueldade, sem que, aparentemente, tenham motivos para tal.

“É o gênio”, dizem. Outras pessoas já nascem transcendendo a paz e a bondade, a voz do gênio vibra ressoando harmonia com o ser. Assim entendemos esses fenômenos relacionais entre gênio, personalidade e existência, que se confundem com a não explicação contundente para com os meteoros no céu, o girar da Terra em seu eixo, e mesmo a vida e sentido da Via-Láctea e todos os acontecimentos sobrenaturais que se dão em natural harmônico, por si.

A história de Ticê nos foi presenteada pela mitologia tupi-guarani. Tem seu valor guerreiro originário como parte do empoderamento de e da cultural. Muitos serão os céticos, porém existem aqueles que conhecem as deusas e seus poderes. A Deusa Ticê foi chamada de “a feiticeira sem medo”. Alguns a consideram como a Deusa da maldade e da inveja. Na mitologia é a deusa do submundo.

Ticê causava medo às pessoas pela grandiosidade de poder que possuía. Manuseava suas habilidades mágicas dentro da feitiçaria com sigilo e muitos segredos. Fluídica desde o telúrico ao etéreo: força pura.

Todos valorizavam seus conhecimentos mágicos e admiravam sua na busca incessante para a elevação de seus poderes. Adquiriu intenso conhecimento sobre as profundezas da magia e conseguiu alcançar o elevado nível de deusa. A força ancestral da mulher indígena soube harmonizar seu gênio e magia transformando-os em equilíbrio natural.

A Deusa Ticê era conhecida por dominar e plantar a maldade e a inveja no coração de todos; “gênio” talvez devesse ter um correspondente mais digno do feminino. Em sua sabedoria e feitiçaria toda, possuía dons em manipular poções e venenos mortais com ervas e outros elementos.

Ainda hoje há quem diga que Ticê sobe desde o pé esquerdo da mulher preparada e corajosa que se adentra em matas em busca de conhecimento e mostra segredos da magia natural das plantas. Para danos, domínios, ou até não. Sabedoria é árvore nova, pende para onde a sopramos.

Ticê, usando de seu encantamento e feitiço, tornou-se esposa do Deus do submundo: Anhangá. Também muito poderoso, carregava a missão de punir e castigar as pessoas ruins e cruéis. Protetor da mata e flora e arqui-inimigo de Tupã,

Deus permissivo e do livre arbítrio. Anhangá fazia sua própria justiça contra quem maltratava mulheres, fêmeas grávidas e seres indefesos. Nesses eventos, o cometedor da maldade era obrigado a encarar Anhangá nos olhos e, imediatamente, era acometido por uma loucura extrema, que levava esse infrator à morte.

Ticê foi levada a Anhangá com fama de espalhar maldade e inveja e pelo poder de seus feitiços. Ela encarou Anhangá e não foi atingida pela loucura e morte. Essa troca de olhares resultou em paixão, desejo e lascívia. Desde então, o casal passou a reinar no submundo juntos.

Ticê passou a comandar as trevas e a retornar à superfície para punir ou abençoar aqueles que a veneravam, ensinando e praticando seus poderosos feitiços, entre eles o encantamento amoroso e as amarrações.

Sua magnífica e irresistível beleza aliada aos seus tão assombrosos poderes levaram-na a se tornar a rainha de regiões infernais. Ticê é admirada e temida porque soube contar com o seu poder de mulher guerreira e forte.

Ela nunca dependeu de outros poderes, nem dos de Anhangá. Bastou-se através de sua dedicação ao estudo da arte da magia e de feitiços e continua sendo quem ela quer ser. Uniu-se a Anhangá por opção, e entre eles reinou a igualdade. Ao olhar profundamente nos olhos de Anhangá, saíram de sua bela boca as seguintes palavras: “Nós somos igualmente valorosos. Você me deve o mesmo respeito que eu devo a você”.

No Vale do Anhangabaú (mau espírito), em , passava um rio. Nas regiões abissais desse rio moravam Anhangá e Ticê. Porém, o homem branco renegou sempre os e para implantar o progresso e achar espaço para sua ganância e seu suposto poder. E assim foi construindo a cidade nos arredores do rio. Injustiças sociais e outras modernidades sobrepujaram os poderes de Ticê e Anhangá.

Muitos não querem acreditar, mas tantos contam do cervo branco espectral que passeia por ali. Coincidentemente, as maiores tragédias de São Paulo ocorreram naquela região. Essa crença é pessoal e intransferível, o que importa mesmo, crendo ou não, é que o homem abra os olhos em tempo e tome para si o dever e respeito de zelar, cuidar e amar a natureza, domar seus instintos de ser e querer para harmonizar-se com o universo, ou que vá se entender com a justiça de Anhangá e Ticê!

Nemarangatuete! Orému camiarú! (Seja digna! Feitiço nosso!)

Salve, Ticê!

Iêda Vilas-Bôas – Escritora. Membro do Conselho Editorial da Revista Xapuri.

Reinaldo Filho Vilas Boas Bueno – @mestrebueno – Escritor.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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