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Txai Macêdo: O começo de minha história no coração da Amazônia

O começo de minha história: do berço de ouro ao paraíso perdido. Conheça um pouco da  emocionante memória de um grande seringueiro, indigenista e txai da Amazônia.

Por: Txai

Primeiras memórias: meu pai… Procuro reconstituir a memória e a história de um grande infante, porém determinado, e  por sua vez traído pelo destino inóspito de um “paraíso perdido”.

Meu pai, senhor Raimundo Batista de Macêdo, por ironia do destino aos seus nove anos de idade saiu de Belém,  onde vivia em glória junto com meu avô Miguel Arcanjo de Macêdo, minha avó Luíza Guedes de Macêdo, meu tio José Batista de Macêdo (J. Macêdo), suas irmãs Noêmia Cunha de Macêdo, Edite Batista de Macêdo, Josefa Batista de Macêdo dentre outros possíveis irmãos.

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Nascido em 27 de setembro de 1909, por volta de 1918, com aproximadamente nove anos de idade,  foi autorizado por meus avós a acompanhar sua madrinha numa viagem aventureira ao Aquiri, atualmente Acre. Localidade que mais tarde passou a ser chamada território do Acre.

Imaginem leitores como se dava cada descoberta alcançada por meu pai naquela idade e em meio a um mundo selvagem e terminantemente desconhecido. Às vezes ponho-me a pensar e a refletir quais fotos foram sendo gravadas e armazenadas no chip de memória da cabeça de meu velho pai no decorrer daquela viagem.

Sua madrinha, dona Marcolina, era uma senhora rica (capitalista) que saiu do para o Pará e veio ao Acre comprar terra, montar olarias e serrarias e meu avô, que também era rico, deixou que meu pai, que era afilhado dela, viesse acompanhá-la naquela aventura praticamente sem retorno ao seio de sua família.

Dona Marcolina por sua vez, viúva e herdeira de grande riqueza,  jamais imaginava que aqui no Acre e naquela época encontraria um mancebo, o qual se chamava Chico Lopes de tal, por quem se apaixonaria cegamente.

Porém, depois de muitos dias de viagem subindo e adentrando rios e rios, chega à então Vila Foz do Muru, que tempos depois passou a ser chamada de Vila Seabra, e atualmente é o município de Tarauacá. Ao se encontrar com Chico Lopes, o coração da rica viúva foi invadido por uma doentia, ilusória e traiçoeira paixão.

Embeiçada e enfeitiçada pelo mancebo tentador que tomou conta de seu coração, dona Marcolina jogou fora o compromisso que tinha com meu pai, com meu avô e minha avó, com o empreendimento que veio encampar no Acre e se entregou totalmente ao amante que havia encontrado.

Chico Lopes de tal, por quem dona Marcolina apaixonou-se, pegou toda a documentação das propriedades pertencentes à sua presa inexperiente, voltou ao nordeste, vendeu tudo o que ela possuía, e deixou–a esperando em Vila Seabra (Tarauacá). O mancebo nunca mais voltou e ela, sem qualquer saída, sem qualquer condição financeira, sem transporte para retornar ao Pará e ao Ceará,  foi morar nos seringais do Rio Iboiaçú, afluente da margem direita do Rio Muru.

Dona Marcolina levou com ela para os confins dos seringais o meu pai, que terminou crescendo trabalhando com os coronéis de barranco, virou seringueiro e passou a trabalhar na condição de extrator de látex e produtor de borracha.

Como nem tudo acontecia de forma satisfatória entre os seringueiros e os coronéis, usando a força de capangas e o poder de coronéis, os senhores da borracha, ao se verem contrariados colocavam os trabalhadores subalternos acorrentados no mourão. Outra forma de punir os trabalhadores era colocando chocalho no pescoço do indivíduo que passava a conduzir o chocalho no pescoço por vários dias batendo campo no barracão.

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Seringueiros rebeldes
Diante da situação, meu pai, Raimundo Batista de Macêdo, emanou-se com três outros seringueiros destemidos: Sobralino Alves, Sobralino, e Albeci, e passaram a cortar corrente nos barracões, soltar seringueiros e tirar chocalho do pescoço daqueles outros seringueiros. Meu pai e seus intrépidos companheiros  usavam o punhal, a famosa ‘faca de bico’.

Quando ocorria de soltarem um seringueiro aprisionado num mourão eram depois chamados pelo patrão (coronel) para acertarem as contas com o senhor do barracão. O acerto de contas era feito como o coronel dando trinta  ‘bolos’ com palmatória de miratoá em cada mão dos seringueiros rebeldes que desacataram as ordens.

Naqueles  momentos especiais, que exigiam cada vez mais postura dos desacatadores, meu pai e seus companheiros colocavam as mãos em cima dos balcões do barracão para receberem o castigo dos bolos e, com o punhal debaixo,  pediam para que o coronel baixasse o braço, já que o mesmo empunhava a palmatória. Mas o coronel era esperto, apesar de ficar doido para baixar o braço.

Aos poucos meu pai foi-se transformando em mateiro florestal, regatão e guarda- (contador prático) de seringais.

Tornou-se adulto vivendo nos seringais,  vindo a se casar mais tarde com minha mãe, a senhora Carmina Caetano Barbosa, filha de um casal de cearenses, meus avós Manoel Nascimento e dona Maria Antonia (ou ‘dona Maroca’, como era conhecida). Dada a distância, a falta de , recursos financeiros e falta de transporte, meu pai nunca mais foi encontrado pelo meu avô, que continuou vivendo em Belém do Pará em meio à sua riqueza.

Meu pai com minha mãe, Carmina Caetano Barbosa, tiveram treze filhos: Josefa Batista de Macedo; Raimundo Batista de Macedo Filho; Eva Batista de Macêdo; Helena Batista de Macêdo; Francisquinha Batista de Macêdo; Antônio Luiz Batista de Macêdo; Batista de Macêdo; Luiza Batista de Macêdo; Edith Batista de Macêdo e; Luiza Batista de Macêdo. Infelizmente, meu pai foi deixado por minha mãe, vindo ele a casar-se depois com Delzuite Ferreira da Silva, com quem teve mais três filhos: Manoel Macedo; José Macêdo;  e Edson Macêdo.

A contar que J.Macêdo seja o legítimo irmão de meu pai, observa-se que meu avô Miguel Arcanjo de Macêdo quando faleceu deixou uma boa leva de interessantes empresas, podendo ser encontradas atualmente.

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Dando seqüência ao destino que me foi traçado, nasci numa unidade de produção de borracha intitulada “Colocação Bagaceira”, situada às margens do Igarapé Pau Caído, cuja unidade de produção pertencia ao Seringal Transval – no Rio Muru, jurisdicionado à pequena cidade de Tarauacá – do Acre.

Dos três aos oito anos de minha infância vivi na aldeia Kaxinawá da Foz do Igarapé do Caucho, no Rio Muru, onde fui criado segundo os próprios costumes indígenas. Dos oito aos doze anos de idade, fui seringueiro da Colocação Currimboque, situada às margens do Igarapé São José, unidade de produção do Seringal Colombo, localizado à margem direita do alto Rio Muru.

Nossa mudança da Terra Indígena Kaxinawa do Igarapé do Caucho para o Seringal Colombo – Colocação Currimbok, apesar de sofrida, foi animada. Nossa caravana contava com umas oito canoas tangidas no remo varejão, faia e sisga. Eu tive que assumir conduzir a canoa das galinhas, Era muitas galinhas e pinto novo que tanto fedia como fazia muito barulho e mesmo assim varejei durante onze dias subindo o Rio Muru.

No primeiro ano, enquanto eu andava e ajudava meu pai na minha profissão inicial, era chamado de seringueiro toqueiro. Do segundo ano em diante, já passei a assumir para cortar e colher, sozinho, duas estradas de seringa: estrada São José de cima e São José de baixo. Assumi cortar e colher as duas estradas de seringa para substituir o meeiro Chico, que varava as estradas e colocava água no látex para que meu pai pudesse ver que ele tirou a mesma quantidade de látex que meu pai conseguia tirar de cada estrada de seringa.

As colocações que se avizinhavam da colocação Currimboque na qual morávamos tinha o Cius com seis horas de viagem a pé, Cocal com quatro horas, Campo da Cruz com duas horas e Paiol da Lama com três horas de viagem.

Em alguns finais de semana aparecia lá em casa seu Antônio Bento da colocação campo da cruz, para conversar com meu pai. Além das vantagens e desvantagens contidas nas conversas de finais de semana entre os seringueiros vizinhos uns dos outros, aqueles senhores não escolarizados contavam histórias de onças, de Mapinguari, da Mãe da Seringueira, das pautas que seringueiros acertavam com o capeta para tirar mais látex e produzir mais borracha.

Alguns contavam histórias do cangaço, falavam das histórias de Honorato Cobra Grande, do boto que saia das águas e ia para as festas para namorar as moças, falavam de almas e de mistérios da mata (floresta).

 

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Falavam do tempo dos coronéis de barranco e de alguns homens valentes. Falava-se, das panemas colocadas por outros seringueiros invejosos e das correrias praticadas contra os índios. Falava-se da tara das balanças dos barracões, da renda das estradas de seringa, dos altos custos das mercadorias, da falta de assistência médica e das visitas dos mateiros florestais.

Quando os assuntos dos adultos se esgotavam, meu pai tinha um enorme prazer de me colocar para falar para os adultos e crianças presentes sobre a história da descoberta do Brasil que eu sabia decorada.

Assim era o meu pai, o homem que me ensinou o que sou me preparando para saber ouvir, aprender e compreender tudo que for fazer. Primeiramente me ensinou os nomes dos estados, suas capitais e distritos federais. Acho que hoje nem sei mais tudo que aprendi com meu ele.

Depois que me fez ler e reler dois livros, um dos quais me interessou mais (Páginas Brasileira), e o outro era um livro intitulado Otimistas em Gotas. Me cobrava tudo de volta nos finais de semana e nas festas juninas. Eu tive que preparar  o Ralfredo para me ajudar naqueles momentos.

Primeiro eu tinha que narrar a história da descoberta Invasora do Brasil que a época era habitado somente pelos povos indígenas tradicionais.

Raimundo Batista de Macêdo, este saudoso homem, excelente mateiro florestal e pai de muitos filhos, me preparava também para o conhecimento com os modos de vida dos povos indígenas e das sociedades de seringueiros e ribeirinhos segmentos sociais similares aos povos indígenas da região.

Eu vivendo a aventura de um seringueiro mirim em muitas ocasiões na estrada de seringa ou nos varadouros me recordava temerosamente daquelas histórias contadas pelos adultos, especialmente quando me dava conta de que uma onça acabara de passar por cima de meus rastro, quando via uma cobra na floresta, ou quando ouvia o grito de algum que ainda não era de meu conhecimento.

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Naquele tempo que fui seringueiro ainda pude ver e viver o “cativeiro” e a coação aplicada pelos seringalistas contra os seringueiros. Pude ver que a ignorância superava o saber visto que a escola para quem vivia e trabalhava na floresta não existia.

Os patrões eram cruéis, arrogantes e prepotentes, mais havia homens que não aceitavam crueldades, simplesmente quietos, parados, de braços cruzados. Eu vi, por exemplo, meu irmão mais velho, Raimundo Batista de Macêdo, fazer um desses patrões, de nome Francisco Ribeiro ,“tirar” sua “conta corrente” em cima de uma barra de sabão Zebu.

Enquanto ‘adolescente’ –  palavra que viemos a ouvir muito tempo depois, porque você saía de menino para homem – uma vez fiquei muito apavorado com o que ouvi na floresta, mas, nem eu e nem ninguém devia voltar para casa falando de algo que lhe assustara e não explicar aos outros de que na verdade se tratava,  já que quem se assustou verificou o que era aquilo que lhe botou tanto medo.

Moral da história: tratava-se de um casal de jabutis fazendo amor em meio à sombra do verde pálido num universo quase inteiramente livre não fosse pela minha penetra presença morrendo de medo naquela localidade até descobrir que se tratava só de um casal de jabutis fazendo amor selvagem.

E isso é um pouco da minha história…

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ANOTE AÍ:

Jairo Lima (www.cronicasindienistas.blogspot.com.br):  Antônio Batista de Macêdo, o Txai Macêdo, é sertanista da FUNAI e uma figura importantíssima para o indigenismo e para os povos indígenas no Acre. Juntamente figuras como com Txai Terri, Dedê Maia foi (e continua sendo) uma memória viva do que foram os anos de , desafios, vitórias, alegrias e tristezas em prol das questões indígenas nesse rincão da amazônia. Vivas esse grande txai, cuja história merece ser contada e recontada por quem  admira e conhece o seu trabalho.

Crédito das imagens, selecionadas por Jairo Lima: Imagem 1: Raimundo Batista de Macêdo,  acervo do Txai Macêdo; Imagem 2: Barracão no seringal, blog Alma Acreana;  Imagem 3: Blog do Altino; Imagem 4: Regatão, blog multimídia Xapuri; Imagem 5: Balsa feita com pelas de borracha indo para a cidade, Blog do Kabym;  Imagem 6: Soldado da Borracha, Rondônia News.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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