Uma floresta que virou pedra
Durante o Período Geológico denominado Permiano, que teve seu início por volta de 286 milhões de anos Antes do Presente e seu final data de 245 milhões A.P., uma grande bacia de sedimentação geológica se formou numa parte interiorana das terras emersas daquela época
Por Altair Sales Barbosa
Durante o Período Geológico denominado Permiano, que teve seu início por volta de 286 milhões de anos Antes do Presente e seu final data de 245 milhões A.P., uma grande bacia de sedimentação geológica se formou numa parte interiorana das terras emersas daquela época.
Essa bacia de sedimentação recebe hoje em dia a denominação de Maranhão Parnaíba e engloba áreas que correspondem atualmente desde o norte do estado de Goiás, Tocantins, Maranhão e Piauí, até áreas da plataforma continental, situadas próximas ao Delta do Parnaíba e Ilha do Marajó e se restringe principalmente entre as sub-bacias hidrográficas dos rios Tocantins, Araguaia e Parnaíba.
A Geografia da época era caraterizada pela existência de grandes lagos de água rasa, alguns de água doce, outros de água salgada, margeados por terrenos variados, incluindo cascalheiras. Uma grande floresta de samambaias gigantes, pertencentes ao gênero Psaronius, era a cobertura vegetal mais comum e dominante.
Ainda não haviam surgido no Planeta Terra as plantas com flores denominadas angiospermas, tampouco os insetos. Fato que aconteceria no Período Cretáceo, da Era Mesozoica, cem milhões de anos depois.
Essa geografia decorre das modificações derivadas de grandes movimentações das placas tectônicas que empurram o continente da Gondwana em direção ao norte, onde vai colidir com o continente denominado Laurásia.
Quase na mesma época, há colisões entre os continentes Siberiano, Cazaquistânia e Báltico, cuja concretização acontece no Permiano. Nessa época, a colisão desses continentes vai dar origem à formação do continente Pangeia e a um único e enorme oceano chamado Panthalasa, que cobria a Terra de polo a polo.
Com o passar do tempo, a floresta de gigantescas samambaias é soterrada e fossilizada, juntamente com outras formas de vida existentes à época, dando origem a uma formação geológica denominada Pedra de Fogo.
Nos trabalhos realizados por nós na área desde 1996, além da imensa quantidade de árvores petrificadas, encontramos também exemplares de moluscos, pequenos répteis e raros exemplares de peixes. Entretanto, os trabalhos centrados no município de Tupiratins (TO) permitiram o conhecimento mais profundo dos processos de sedimentação ocorridos na região.
Trata-se de uma formação caracterizada por sedimentação cíclica. Cada ciclo é constituído da base para o topo, por arenitos amarelados, siltitos, calcários oolíticos e folhelhos esverdeados com lentes de calcário. A formação também se caracteriza pela grande frequência de camadas de sílex que constituem a “pedra-de-fogo” que indiretamente deu nome à Formação.
Hoje, na área outrora dominada pelas gigantescas samambaias, floresceram as plantas cientificamente conhecidas como angiospermas, embora a exata filogenia, ou seja, a história evolutiva completa, seja desconhecida, os pesquisadores suspeitam que as angiospermas surgiram a partir das gimnospermas e que, por processos evolutivos e adaptativos, deram origem as plantas do Cerrado, que até bem pouco tempo dominavam as paisagens vegetais existentes na região.
As angiospermas são uma das mais bem sucedidas experiências evolutivas. Desde o seu surgimento, vieram a existir mais de 250 mil espécies, das quais cerca de 200 mil sobrevivem. Além disso, seu êxito favoreceu o sucesso de animais, como os insetos, que se alimentam do seu néctar, ou os herbívoros, que as comem diariamente.
Foto: Acervo Altair Sales BarbosaPara entender todo esse processo, torna-se necessário ressaltar que o estudo da litosfera ou a esfera rochosa que envolve o Planeta Terra, desde o assoalho dos oceanos até o pico das altas montanhas, é objeto de estudo da Geologia, mas exige conceitos expostos sobre a atmosfera e a hidrosfera, para entender a Terra como um planeta dinâmico.
A leitura da litosfera nos conduz num primeiro momento a um caminho uniforme semelhante a um grande relógio, que mostra o tempo geológico, sua história e sua configuração, o tempo da história do tempo e como se configura este tempo ao longo dos tempos.
A geologia é uma das ciências que muito contribuíram para revolucionar o conhecimento humano, não só através da explicitação da teoria da tectônica de placas, que demonstra os fenômenos de maneira sistêmica, mas principalmente porque tem ajudado a mudar a concepção sobre o tempo, associado à ocorrência de determinados fenômenos.
A maior parte das pessoas tem dificuldades em entender o tempo geológico e a gênese e desenvolvimento de determinados processos, porque veem o tempo na perspectiva da existência humana.
No sentido desse entendimento, a geologia trabalha com as noções de tempo relativo e tempo absoluto. O tempo relativo é aquele que caracteriza a relação entre os eventos, ou seja, se tais eventos foram antecessores ou predecessores de outros. Já a datação absoluta fornece datas específicas para unidades rochosas ou eventos. Essas datas são expressas em anos, tendo sempre como base a data de 1950.
Para as datações absolutas de rochas são utilizados métodos baseados na desintegração radioativa de alguns componentes destas. O método Carbono 14, muito conhecido, tem os mesmos princípios. Entretanto, é somente usado em elementos orgânicos, ou de origem orgânica, por isso é seguro até o parâmetro de 50 mil anos.
Após várias tentativas, foi criada uma escala do tempo geológico, cujas camadas foram definidas pela composição mineralógica, correlação entre as rochas e pela composição fossilífera.
Trata-se de uma escala hierárquica, em que de modo geral os eventos mais antigos estão nos depósitos inferiores e os eventos mais modernos nos depósitos mais recentes. Entretanto, nem sempre a escala se apresenta uniforme, acontecimentos posteriores provocam dobramentos de camadas, diques vulcânicos, orogenismo e outros fatores que têm contribuído para o que se denomina deformação de camadas.
Nessa escala hierárquica, a história da Terra é dividida em unidades de tempo variável. Também não foi desenvolvida só por uma pessoa, mas por vários estudiosos que conseguiram hierarquizar os acontecimentos, sem ainda poderem usar as datações absolutas, porque estas ainda não existiam. Portanto, a escala foi sendo construída ao longo do tempo, baseando-se principalmente no princípio de sucessão das rochas sedimentares.
Após a descoberta da radiatividade, quase no final do século XIX, as datações radiométricas foram acrescentadas à escala do tempo geológico. Mas o problema não foi contornado, pois a maioria das rochas sedimentares não pode ser datada radiometricamente nas intercalações de outros tipos de rochas e, dessa forma, foi paulatinamente construída, através de variadas correlações, a escala temporal que se usa atualmente.
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p style=”text-align: justify;”>Altair Sales Barbosa – Dr. em Antropologia e Geologia do Quaternário pelo Smithsonian Institution, Washington DC. Pesquisador do CNPq. Pesquisador convidado da UniEVANGÉLICA de Anápolis. Sócio Emérito do Instituto Histórico e Geográfi co de Goiás. Membro do Conselho Editorial da Revista Xapuri. Fotos: Acervo Altair Sales Barbosa