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caverna do Xingu

Vandalismo destrói gravuras históricas sobre mito indígena em caverna do Xingu

Vandalismo destrói gravuras históricas sobre mito indígena em caverna do Xingu

Vandalismo destrói gravuras históricas
Um índio Waurá ensinando a mitologia em torno do guerreiro Kamukuwaká a crianças da aldeia usando as gravuras da caverna no Xingu antes do local ser vandalizado | VILSON DE JESUS/DIVULGACAOPEOPLE’S PALACE PROJECTS

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A expedição que visitou a caverna há alguns dias registrou as rochas sem as gravuras | FERDINAND SAUMAREZ SMITH/DIVULGAÇÃO PEOPLE’S PALAC

“É triste. A caverna era como uma escola para nossos filhos, é onde ensinamos a (do nosso ), cantamos músicas e fazemos alguns rituais”, diz o indígena Pirathá Waurá à BBC News Brasil sobre a depredação sofrida na caverna Kamukuwaká, em Paranatinga (MT), às margens do rio Tamitatoala, no Alto Xingu.

O local, para 11 etnias do Xingu e tombado pelo histórico desde 2016, teve parte de suas gravuras apagadas no que a Polícia Militar do Mato Grosso identificou inicialmente como um ato intencional – as figuras estavam gravadas nas rochas da gruta.

Segundo a perícia feita pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em conjunto com policiais, há indícios de que tenha sido usado algum tipo de ferramenta para apagar as gravuras que, em sua maioria, representavam animais. Nem as autoridades, nem os índios waurá sabem dizer quando houve a ação de vandalismo, porque já fazia algum que ninguém visitava o local.

O Iphan já encaminhou ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal um pedido de investigação. Por se tratar de gravura em rocha, não há como precisar a data exata delas, mas pesquisadores, arqueólogos e o Iphan dizem que elas podem ter centenas de anos. Para alguns arqueólogos, os desenhos tinham semelhança com tipos de arte rupestre.

“A caverna é muito importante para o nosso povo. É de lá que nascem nossas tradições, como a música de furar a orelha que usamos quando alguém vira líder, nossas danças, nossas pinturas”, diz Pirathá, que é professor na escola municipal de sua aldeia. Ele explicou à BBC News Brasil o mito do guerreiro Kamukuwaká, que teria existido antes da criação do mundo.

O incidente foi revelado há dez dias por membros da comunidade Waurá durante uma visita à caverna com uma equipe voluntária de assessoria arqueológica e por membros das fundações inglesas sem fins lucrativos Factum e People’s Palace Projects. Na sequência, o Iphan visitou o local e também constatou os danos.

Alguns dos integrantes dessa expedição disseram à BBC News Brasil, sob condição de anonimato, que acreditam haver motivação econômica no ato de vandalismo, já que a caverna fica numa área de interesses agrícolas e ameaça a expansão de uma ferrovia e de uma rodovia. Como ela é tombada, não se pode mexer no local.

Mitologia

Segundo a mitologia dos Waurá, a caverna era o lar do guerreiro Kamukuwaká, por isso ela é sagrada.

De acordo com a indígena Waurá, o guerreiro teria defendido seu povo dos ataques do inimigo Kamo (o Sol), que invejava a beleza de Kamukuwaká. Com a ajuda de pássaros que abriram um buraco no teto da sua casa transformada em pedra por Kamo, Kamukuwaká e sua família escaparam para o céu, segundo a lenda.

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Uma das gravuras apagadas; arqueológos dizem não ser possível precisar a data exata delas, por estarem em rocha | JEAN NUNES/DIVULGAÇÃO PEOPLE’S PALACE PROJECTS

“Na história, o Kamakuwaká é o jovem líder do seu povo. Para ser um grande líder, ele tem que furar orelha junto com seus colegas e pode seguir todas todas as etapas de processos de rituais. Até hoje esses rituais que o Kamukuwaká criou para o povo Waurá e de mais outros povos como Kamayurá, Kuikuro, Mehinako, Aweti, Kalapalo, Yawalapiti, Matipu e Nafukuwá, são seguidos. Para um jovem ser líder de algum povo do Alto Xingu, vai seguir as regras de furação de orelha que o Kamukuwaká criou, as danças, as pinturas, as músicas, por isso que esse local é tão importante para o nosso povo”, diz Pirathá Waurá.

A antropológa Patricia Rodrigues, que acompanhou durante quatro anos os Waurá e atualmente faz doutorado na Universidade Notre Dame, nos , diz que o local também era visitado pela tribo para pedir abundância de peixes no rio, por exemplo.

“É um local de narração de histórias sagradas para eles. Eles fazem uma espécie de reanimação das entidades sagradas e das gravuras. A visita ao local faz parte de um ciclo cosmogônico de renovação”, diz ela.

A pesquisadora também diz que a caverna é considerada um local sagrado de entidades míticas também para os povos Aweti, Bakairi, Kalapalo, Kamaiurá, Kuikuro, Matipu, Mehinako, Nahukuá, Naruvotu, Trumai e Yawalapiti.

A caverna fica dentro de uma propriedade privada e está fora da área de demarcação de território indígena. Para visitar o local, os Waurá precisam fazer viagens de barco que duram de duas a quatro horas, a depender de como está o rio. Por isso, não conseguem ir com muita frequência, diz Pirathá.

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Os waurá costumam fazer o ritual de furar a orelha para se tornar cacique na caverna Kamukuwaká | VILSON DE JESUS/DIVULGAÇÃOPEOPLE’S PALACE PROJECTS

Perto do local, há cachoeiras que são visitadas frequentemente e é comum também ver pescadores. “Existe essa visitação comum no entorno da caverna, mas até então nunca havia sido identificado um impacto dessa maneira. Como ainda não fizemos análise técnica específica, não sabemos se foi uma ação propositada ou decorrente de turismo, de vandalismo.”, diz Flavio Rizzi Claippo, diretor do Centro Nacional de do Iphan.

Calippo diz que algumas gravuras foram preservadas porque estavam encobertas por areia. Segundo ele, agora é preciso esperar um novo relatório técnico para saber quais providências serão tomadas.

Caverna será reproduzida em 3D

A expedição que as entidades britânicas realizaram na caverna Kamukuwaká no início de setembro faz parte de um projeto para ajudar na preservação do local.

Esse projeto irá reproduzir com imagens em 3D a caverna e as gravuras que foram destruídas. A obra será instalada na próxima Bienal de artes de Veneza, em 2019.

ANOTE AÍ

Fonte: BBC Brasil

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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