Yma Sumac: a donzela escolhida do sol
Zoila Augusta Emperatriz Chavarri Del Castillo nasceu em 13 de setembro de 1922, em Cajamarca, Peru, na aldeia de Ichocan, nos Andes peruanos. Lugarzinho gelado, abençoado, protegido pelas forças do Sol e da Lua a 16 mil pés de altura, equivalentes a quase uns cinco quilômetros. Faleceu em Los Angeles – EUA, aos 86 anos, no dia 1º de novembro de 2008.
Por Iêda Vilas-Bôas
Em homenagem a todos os povos indígenas da América Latina, nestes tempos em que a voz quase não arrisca sair da garganta e, quando sai, vem rouca, às vezes entremeada de um (in)contido choro, exaltamos a figura de Yma Sumac – A princesa Inca, dona de uma voz única e incomparável.
Yma Sumac foi seu pseudônimo Yma Sumac dado por escolha própria e em homenagem a sua mãe Donna Emilia Atahualpa ou Ima Summack, descendente direta do último imperador do Peru, o grande Atahualpa (do quíchua Ataw Wallpa, 1502–1533) o décimo terceiro e último Sapa Inca. Ima Summack significava, na língua quíchua, “linda flor”, e até mesmo “linda garota”.
Yma gostava de explicar essa nobre origem em suas entrevistas. Seu pai era Sixto Chavarri Del Castillo, mestiço, parte espanhola e parte indígena. Por ser uma princesa inca, ela foi criada como uma verdadeira indígena quíchua. Inclusive, há registros oficiais a respeito desse assunto nos arquivos do cônsul peruano em Nova York, de acordo com o Chicago Tribune, consta de uma declaração com o grande selo do Peru, que diz:
“Certifico que, tanto quanto é do meu conhecimento, e de acordo com as afirmações das autoridades sobre a história dos incas e sobre a história peruana em geral, cujos nomes serão fornecidos mediante solicitação, Imma Summack é descendente do Inca, Atahualpa”. Assinado: José Varela y Ária, Cônsul Geral do Peru, 23 de maio de 1946 “.
Conta-se que a voz de Yma Sumac surgiu no festival anual como uma manifestação de louvor o deus Sol, nas montanhas geladas de seu povoado. Foi ali que sua voz de mulher ecoou entoando o tradicional Hino Inca ao Sol, música proibida para ser cantada por mulheres. Encantados, os indígenas viram que uma mulher podia cantá-lo, afinal ela era especial, diferente, era uma voz que saía das entranhas da Terra e alcançava o céu dos passarinhos.
A voz parecia que tinha vindo de outros mundos, os tons eram emocionantes e ecoavam para além do vale. A emoção tomou conta da multidão. Aquela voz representava a materialização da “Voz do Terremoto” e quem cantava era Yma Sumac, descendente do Rei Atahualpa, a mulher mais linda dos Andes. Desde então, Zoila foi conhecida como Yma Sumac – A donzela escolhida do Sol.
A menina cresceu, tornou-se uma cantora lírica e uma notável soprano. Nos anos 1950, foi uma das artistas mais famosas da música exótica internacional. Ela ainda é considerada a maior e melhor soprano de todos os tempos, graças ao mérito de seu enorme alcance vocal que abrangia notas de baixo-barítono ao soprano colatura.
Alcançou, em seu auge, as cinco oitavas de acordo com o Guiness, numa época onde o alcance de um cantor de ópera variava entre 2,5 e 3 oitavas. Quem entende profundamente de música, ou quem abrir seus ouvidos para os sons emitidos por Yma Sumac, irá entender e apreciar este estrondoso alcance vocal. A Princesa Inca teve voz mais incrível e fazia incursões do grave para o agudo, ou vice-versa, com a mesma naturalidade de quem canta canções de ninar. Diziam “ela tem uma pantera e um rouxinol em sua garganta”.
Com seus fartos cabelos negros, olhar esguio e roupas coloridas, levou a cultura peruana inca para os Estados Unidos e lá fincou raízes. Suas apresentações, além de grande teor artístico musical, também eram um verdadeiro show em explosão de cores.
Inicialmente, Yma Sumac cantou nas rádios peruanas e, depois nos EUA, a partir de 1942. Nesse mesmo ano, com apenas 14 anos de idade, ela se casou com o maestro Moises Vivanco, um mestiço de espanhol com indígena quíchua, que era seu empresário, seu parceiro de shows, seu figurinista, seu compositor preferido, seu personal vocal e seu grande amor.
O figurino de Yma Sumac era um espetáculo à parte. Para cada música um figurino específico e muito bonito. Moisés Vivanco também foi grande músico e soube reconhecer e valorizar o dom, a genialidade musical e toda cultura indígena-peruana de Yma Sumac.
Yma gravou no mínimo 23 canções da música folclórica peruana e indígena. Ela gostava de cantar os cânticos entoados nos rituais aos deuses peruanos, misturando ritmos latinos com pretensas músicas sacerdotais dos incas. Essas gravações foram muito bem recebidas pela Odeon (gravadora que gravou suas primeiras canções).
Em 1946, Yma e Vivanco se mudaram para a cidade de Nova Iorque, formando o Inca Taky Trio, composto por ela, por sua prima Cholita Rivero como contralto e Vivanco no violão. Em 1954, aparece cantando e atuando no filme O Segredo dos Incas (pode ser visto no Netflix).
A voz de Sumac era de notável extensão, que ia de notas de soprano coloratura (um tipo de soprano de ópera que tem a voz mais aguda de todas e é especializado em repertório distinguido por sua agilidade, saltos e alta extensão), até notas típicas de barítono (mais grave). Sua voz se assemelhava, em algumas notas, com a voz masculina intermediária, que se encontra entre as extensões vocais de baixo e tenor.
Por vezes, sua voz era mais grave e aveludada que a dos tenores, com notas graves e cavernosas. Por exigência da Ária ou da canção, tirava da garganta uma voz madura e viril. Sua capacidade vocal era realmente surpreendente no registro superagudo. Yma parecia, sempre, estar cantando com duas vozes. Seu tórax, em si, se constituía em uma caixa de som com potentes amplificadores.
Vários foram os comentários, no meio musical, a respeito de sua fantástica voz. O compositor clássico Virgil Thomson descreveu a voz de Sumac como “ora muito baixa e quente, ora muito alta e semelhante a um pássaro”; (…) “Sua voz é, sem dúvida, bonita e sua técnica vocal é impecável”.
Nossa Princesa Inca cantava de modo dramático e envolvente, soando como o canto dos pássaros. Yma Sumac era afinadíssima, possuidora de técnica vocal impecável. Ninguém, ainda, consegue ouvi-la e ficar imune aos seus sons. Dona de uma voz dócil e potente dava vida ao seu repertório saindo de uma nota musical e entrando em outra sem perder o virtuosismo e o preciosismo musical.
Sua voz causou inveja aos cantores de ópera, na Itália. Yma recebeu elogios da imprensa latino-americana, norte-americana e europeia. A seu respeito disseram:
“A maior revelação do nosso tempo/ Yma Sumac sensibilidade artística domina todo o Brasil com sua voz mágica e divina os problemas do nosso mundo moderno são esquecidos através do magnetismo deste dom fabuloso, que nos vem descendente direto de Atahualpa, o último rei Inca./ Yma Sumac, cantora peruana maravilhosa, introduz um tipo de hipnose, quando ela canta./ A peruana, Yma Sumac, mantém o público congelado com uma fabulosa variedade de quatro oitavas./ Não há voz como essa no mundo da música hoje./ Sua voz tem um alcance maior do que qualquer voz feminina de concerto ou ópera. Ela se eleva na estratosfera acústica ou preenche a profundidade do sub-contralto de tom com igual facilidade. Tais vozes acontecem apenas uma vez em uma geração/ Sua voz é a dos pássaros e do terremoto”.
Yma foi especialista em canções de seus conterrâneos nativos, os indígenas quíchua. Ela cantou o Xtabay, as Choladas, a dança do festival da Lua e a Ataypura (canção dos Andes Altos). Cantou o Accla Taqui (Canto das Donzelas Escolhidas). Essa canção é de certo modo especial, pois falava sobre a decisão das virgens do Sol, que serviam como noviças no templo do Sol por três anos vestidas de branco com guirlandas de ouro em suas cabeças. Depois de três anos, as virgens decidiam se queriam permanecer virgens do Sol para o resto de suas vidas ou receber maridos. Também foi considerada uma excelente cantora de Música Popular.
O Peru é o país de grandes cantores líricos tais como Luigi Alva, o grande tenor rossiniano, e Juan Diego Flórez, outro grande tenor especializado em bel canto; entretanto, a voz de Yma Sumac estava um patamar acima das escolas e da própria escala musical.
A crítica afirma que nunca houve e dificilmente haverá outra Yma Sumac. Sua última apresentação foi em 1988 e ela faleceu em Los Angeles 20 anos depois, em novembro de 2008, com as cordas vocais intactas, tendo trabalhado com sua voz por 55 anos.
Era um portento. E soube, através de seus espetáculos e de sua fenomenal voz elevar e mostrar a cultura, as canções e a religiosidade dos peruanos aos mais distintos cantos do mundo. Mostrou que, a despeito do pensamento comum, a América Latina e os povos indígenas têm uma riqueza cultural enorme, além de arte ímpar, fazendo com que nosso povo, do lado de cá, fosse mais conhecido e respeitado. Salve, eternamente, Yma Sumac!
Iêda Vilas-Boas – Escritora cerratense, especializada em cultural latino-americana. Grande pesquisadora da obra de Cora Coralina. Conselheira da Revista Xapuri. Encantada em 08/04/2022.