Zélia Duncan: Amigo é feito casa que se faz aos poucos

Amigo é Casa – Zélia Duncan

“Amigo é pra ficar, se chegar, se achegar, se abraçar, se beijar, se louvar, bendizer”

Amigo é feito casa que se faz aos poucos

e com paciência pra durar pra sempre

Mas é preciso ter muito tijolo e

preparar reboco, construir tramelas

Usar a sapiência de um João-de-barro

que constrói com a sua residência

há que o alicerce seja muito resistente

que às chuvas e aos ventos possa então a proteger

E há que fincar muito jequitibá

e vigas de jatobá

e adubar o jardim e plantar muita flor toiceiras de resedás

não falte um caramanchão pros idos lembrar

que os cabelos brancos vão surgindo

Que nem mato na roceira

que mal dá pra capinar

e há que ver os pés de manacá

cheínhos de sabiás

sabendo que os rouxinóis vão trazer arrebóis

choro de imaginar!

pra festa da cumieira não faltem os violões!

muito milho ardendo na fogueira

e quentão farto em gengibre

aquecendo os corações

A casa é amizade construída aos poucos

e que a gente quer com beira e tribeira

Com gelosia feita de matéria rara

e altas platibandas, com portão bem largo

que é pra se entrar sorrindo

nas horas incertas

sem fazer alarde, sem causar transtorno

Amigo que é amigo quando quer estar presente

faz-se quase transparente sem deixar-se perceber

Amigo é pra ficar, se chegar, se achegar,

se abraçar, se beijar, se louvar, bendizer

Amigo a gente acolhe, recolhe e agasalha

e oferece lugar pra dormir e comer

Amigo que é amigo não puxa tapete

oferece pra gente o melhor que tem e o que nem tem

quando não tem, finge que tem,

faz o que pode e o seu coração reparte que nem pão.

ZeliaDuncan031 Site Carnavalesco
Zélia Duncan.
Foto: Roberto Setton | Divulgação

BIOGRAFIA DE ZÉLIA DUNCAN

Zélia Cristina Duncan Gonçalves Moreira (Niterói, Rio de Janeiro, 1964). Compositora, cantora e instrumentista. Aos 6 anos de idade, Zélia muda-se com sua família para , onde estuda canto e violão. Estreia em 1981, vencendo um concurso da Sala Funarte e segue com apresentações em casas noturnas. Faz a abertura de shows de Luiz Melodia e participa do Pixinguinha. Em 1987 volta a Niterói e trabalha como locutora da Rádio Fluminense FM e backing vocal. Estuda teatro na Casa das Artes das Laranjeiras e, em 1989, monta o show Zélia Cristina no Caos.

No ano seguinte, lança o disco Outra Luz, que tem a participação de Luiz Melodia. Em 1992, é convidada por Almir Chediak a participar do songbook de Dorival Caymmi cantando Sábado em Copacabana (Carlos Guinle e Dorival Caymmi). Participa também dos songbooks de Edu Lobo, Chico Buarque, Djavan, João Donato, Marcos Valle, Tom Jobim e Francis Hime. Contratada pela gravadora WEA, adota o nome artístico Zélia DuncanEm 1994 lança o álbum Zélia Duncan, com canções como Nos Lençóis desse Reggae, parceria com Christian Oyens, e Catedral, de Tanita Tikaran, versão sua e de Christian Oyens. Lança o disco Intimidade (1996), produzido por Liminha, com canções em parceria com Lucina e Christian Oyens, além de Vou Tirar Você do Dicionário, de Ruiz e Itamar Assumpção. Em seu álbum seguinte, Acesso (1998), traz mais uma canção de Itamar Assumpção, Código de Acesso, Quase sem Querer, de Negrete, Dado Villa-Lobos e Renato Russo.

Beto Vilares produz seu álbum Sortimento (2001), que tem no repertório a parceria com Rita Lee em Desconforto, gravada com Rappin’Hood, Johnny MC e DJ Marco. O disco tem ainda a participação de Nereu e João Parahyba, do Trio Mocotó, Céu e John Ulhoa, do Pato Fu. Este é lançado também ao vivo, Sortimento Vivo, em 2002. Em 2004 lança o disco e DVD Eu Me Transformo em Outras, uma a artistas que a influenciaram, inaugurando seu próprio selo, a Duncan Discos. No ano seguinte, grava Pré-Pós-Tudo-Bossa-Band, com canções como a faixa-título (parceria com Lenine) e Dor Elegante (Paulo Leminski e Itamar Assumpção). Esse disco recebe o Prêmio TIM de 2006, como melhor disco de pop rock, e Zélia Duncan, o de melhor cantora. No mesmo ano, é convidada por Sérgio Dias a integrar Os Mutantes, em uma série de apresentações pelo e pelo exterior, com o show de Londres registrado em CD e DVD Os Mutantes – Live In Barbican Theatre. Em seguida lança o DVD ao vivo de Pré-Pós-Tudo-Bossa-Band e anuncia sua saída dos Mutantes.

Em 2008, faz o show Amigo É Casa, com a cantora Simone, lançado em CD e DVD. Um ano depois, lança o disco Pelo Sabor do Gesto, com a produção de Beto Vilares e John Ulhoa. A canção que dá título ao disco é uma versão de Zélia para As-tu Déjà Aimé?, de Alex Beaupain. Lança o DVD Pelo Sabor do Gesto em Cena, em 2011, com canções do disco anterior e inéditas. Realiza em 2012 o espetáculo músico-teatral Tô Tatiando, baseado na obra do compositor Luiz Tatit, e prepara o projeto Tudo Esclarecido, com músicas de Itamar Assumpção. Tem várias composições gravadas por outros artistas, entre elas Pagu, parceria com Rita Lee, lançada por Rita. A década de 1990 marca também uma série de participações em projetos especiais e tributos como Submarino Verde e Amarelo – The Beatles (Multishow, 1999) e Especial de Milton Nascimento (HBO, 1997).

Fonte: www.enciclopediaitaucultural.org.br 

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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