ZEZÉ LEÃO, O LAMPIÃO DO PIAUÍ

ZEZÉ LEÃO, O LAMPIÃO DO PIAUÍ

José de Arêa Leão – vulgo: Zezé Leão, o Lampião do Piauí

José de Arêa Leão – vulgo: Zezé Leão – nasceu em 29 de novembro de 1901 na cidade de Água Branca, região do Médio Parnaíba, centro-norte do Piauí

Por José Gil Barbosa Terceiro/Causos Assustadores do Piaui

Filho de um grande latifundiário da região é integrante de uma das famílias mais tradicionais do estado: a família Arêa Leão.

Seus irmãos, primos, tios, e parentes próximos ocuparam espaços de visibilidade política, compondo assim um ciclo oligárquico em torno do nome Arêa Leão. Desde sua infância morou numa localidade de Água Branca, São Pedro, na qual seu pai era um dos principais proprietários de terra e figura de intocável, autoridade local.

Na Fazenda Paraíso, Município de São Pedro Zezé se criou, recebendo ali uma educação patriarcal e autoritária, típica das famílias poderosas do nordeste de então. Lhe ensinaram que homem pra ser homem tem que ser cabra macho.

Os primeiros referenciais históricos retratam as ações de Zezé Leão ataviadas por aparentes atos de “honradez”. Nesse sentido, citamos como exemplo um momento extremamente marcante para se perceber essa caracterização a sua participação no processo de reorganização política no estado do Piauí com a Revolução de 1930.

A Revolução de 1930 foi um movimento armado, liderado pelos estados do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba, insatisfeitos com o resultado das presidenciais e que resultou em um golpe de Estado, o Golpe de 1930. Em 1929, as lideranças de deram fim  a aliança com os mineiros, conhecida como “política do café-com-leite”, e recomendaram o paulista Júlio Prestes como candidato à presidência da República.

Em contrapartida, o Presidente de Minas Gerais, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada apoiou a candidatura oposicionista do gaúcho Getúlio Vargas. Em março de 1930, foram realizadas as eleições para presidente da República, eleição esta, que deu a vitória ao candidato governista, o então presidente do estado de São Paulo Júlio Prestes.

No entanto, Prestes não tomou posse, em razão do golpe de estado desencadeado a 3 de outubro de 1930, e foi exilado. Getúlio Vargas então, assume a chefia do “Governo Provisório” em 3 de novembro de 1930, data que marca o fim da República Velha e da início as primeiras formas de legislação social e de estímulo ao desenvolvimento industrial.

Getúlio acabou governando o Brasil por 15 anos seguidos (de 1930 até 1945), período dividido em três fases: de 1930 a 1934, como chefe do “Governo Provisório”; de 1934 até 1937 como presidente da república do Governo Constitucional, tendo sido eleito presidente da república pela Assembleia Nacional Constituinte de 1934; e, de 1937 a 1945, como ditador, durante o Estado Novo implantado após um golpe de estado. Voltou a governar o Brasil, um segundo período, quando foi eleito por voto direto, assumindo a presidência da república, por 3 anos e meio: de 31 de janeiro de 1951 até 24 de agosto de 1954, quando se suicidou.

Assim, apesar de idealizada pelos segmentos capilares da Aliança Liberal como proposição ideológica destituir os grupos oligárquicos vigentes no poder e estabelecer um regime democrático e regular em todo país, a Revolução de 1930 em sua prática se caracterizou pela substituição das oligarquias que se encontravam no poder por outros grupos oligárquicos, os quais, encouraçados por um chavão revolucionário, apoiaram o movimento.

No Piauí não ocorreu nenhum deslocamento contrário a essa constatação, havendo, em
práxis, a substituição de uma estrutura oligárquica por outra. 

Foi justamente a oligarquia formada pela família Arêa Leão que se destacou primeiramente nesse processo de transição política, uma vez que o comandante da marinha no Piauí, Humberto de Arêa Leão – tio de Zezé – era um dos líderes da revolução no estado ao lado do ex-governador e presidente da Aliança Liberal no Piauí, Matias Olímpio, e do coronel Vaz Costa.

De acordo com os estudos de Alcides Nascimento, a Aliança Liberal no Piauí resolveu organizar grupos armados, células de confronto espalhadas estrategicamente por todo o estado. Dessa forma, “estourando a revolução bastava convulsionar o estado, fazendo levantar, em diversos municípios, grupos armados que marchariam sobre a capital.”

O processo ocorreu efetivamente em 04 de outubro de 1930, tendo Humberto de Arêa Leão como interventor e posteriormente governador do estado, e seu irmão, Raimundo de Arêa Leão, como prefeito da capital.

Zezé Leão recebera patente do alto escalão da brigada militar, sendo nomeado capitão dessa brigada. Consequentemente, em janeiro de 1931, ocorreu um cisma interno entre os líderes do movimento, principalmente entre Vaz Costa e Humberto Arêa Leão. Esse conflito de interesses afetou diretamente a oligarquia dos Arêa Leão no poder do estado e, com isso, Zezé foi destituído do cargo.

Praticamente na mesma época, a família Área Leão se envolve em um sangrento conflito, tendo como adversário o Coronel José Liberato – outro grande latifundiário do município de São Pedro (que que depois daria origem a um punhado de cidades como Água Branca, Hugo Napoleão e Miguel Leão – esta última levando o nome de um dos irmãos de Zezé). Segundo o jornalista Arimateia Carvalho, em texto no jornal Meio Norte em 1998,

“A briga entre os Arêa Leão e Liberato pela posse de terras se alastrou por mais de uma década no interior do Estado. Foi o conflito armado que provocou o aparecimento do bando de jagunços, profissionais contratados para executar “serviços” e proteger as fazendas. Zezé Leão e seu bando ficaram famosos por se empregarem a essas ações” (CARVALHO. In: Meio Norte. Teresina, 09 ago.1998).

É nesse período, em que Zezé organiza um bando de jagunços aquartelado na Fazenda Paraíso, que ele começa a ganhar a fama de valentão e cangaceiro. Zezé efetuava constantes ataques organizados aos homens de Liberato, atuando com extrema ousadia e violência. Ainda segundo Arimateia Carvalho,

“As mortes de ambos os lados terminaram em processo na Justiça. O julgamento do coronel José Liberato ocorreu no Tribunal de Justiça que, à época, instalava-se no prédio do hoje Museu do Piauí, em frente à Praça da Bandeira, no centro de Teresina. Liberato era acusado pelos Arêa Leão de homicídio e o evento mobilizou toda a capital.

Os advogados do coronel, Adolfo Alencar (tio do empresário Valter Alencar) e Mário José Batista, também eram brigados, o que provocou uma curiosa defesa: cada profissional usou uma tese. Liberato foi absolvido” (CARVALHO. In: Meio Norte. Teresina, 09 ago.1998).

Francisco das Chagas Oliveira Atanásio entrevistou Antônio Pedro da Silva, filho de um dos empregados de Zezé Leão, tendo este lhe dito sobre o Lampião do Piauí que

“Com os dele ele era bom, não mexia. Agora, se o santo não batia, se
fosse do outro lado, ele não tinha pena. Vivia que nem um cangaceiro, armado, botando gente pra correr, fugindo dum lado pro outro.

Meu pai, que era empregado do pai dele e depois também trabalhou pra ele lá nas terras, nunca faltou com respeito. Mas seu Zezé dava medo, minha mãe mesmo evitava de andar por lá, ainda mais quando ele bebia” (SILVA, 2011 APUD ATANÁSIO, 2013).

De fato, assim parecia ser. Em entrevista a Arimateia Carvalho, o Moaci Madeira Campos informou ter conhecido pessoalmente Zezé Leão. Afirmou que era ele pessoa de fino trato, ressaltando que “o problema era quando ele bebia” (In: Meio Norte. Teresina, 09 ago.1998).

Embriagado ou não, reza a tradição oral em torno do personagem, em dimensões que chegam a ser folclóricas, que, muitas vezes, Zezé Leão era sim metido a valentão, e, tanto afrontava, como não levava desaforo pra casa.

Raimundo Conceição Ribeiro, vizinho da família, quando seus parentes próximos moraram em Teresina, contou a Francisco das Chagas Oliveira Atanásio algumas das lendas que envolviam o temível personagem:

Diziam que ele tinha o corpo fechado, também ouvia falar que onde pisava não nascia mais nada. O pessoal dizia que Seu Zezé era tão mal que uma vez ele pegou uma criança pequena, recém-nascida, mole ainda e aparou ela na ponta da faca. Moço, era tanta história que a gente nem sabia mais qual era verdade e qual era mentira (RIBEIRO, 2012 APUD ATANÁSIO, 2013).

Em seu artigo no jornal Meio Norte Arimateia Carvalho também narra alguns causos envolvendo Zezé Leão:

“Conta-se que, no final da tarde, ele sentava-se no alpendre do casarão da fazenda Altamira, em São Pedro, e escrevia seu nome na fachada do imóvel usando o revólver. Embora seja difícil imaginar tamanha destreza com um revólver a ponto de desenhar letras com rajadas de balas, a história correu o Estado e hoje é contada como verdade. 

Em outro episódio, Zezé Leão viu um negro assoviando e perguntou qual era a música. “É Asa Branca”, respondeu o negro. O valentão mandou o rapaz assoviar até inchar os lábios e depois disse para ele ir embora. Quando o negro ia cumprir a ordem, Zezé o matou com sete tiros de revólver”  (CARVALHO. In: Meio Norte. Teresina, 09 ago. 1998).

Mas Zezé parecia respeitar os que mostravam coragem a ele. Ao menos até certo ponto. Guaipuan Vieira, historiador, radialista e , narra uma história envolvendo Zezé Leão que lhe foi contada em Teresina pelo poeta Paulo de Tarso:

Cel. Domingos Gomes de Freitas, que residia em Tauá-CE, tinha um criado que era o responsável pela compra de mantimentos da Casa Grande. (…) certa ocasião, o criado, chegando de viagem, já na entrada do município, fez uma ligeira parada numa venda para beber uma pinga. Ao pagar a dose, foi surpreendido, pois já estava paga. Ele então perguntou ao ono da venda o nome do desconhecido para agradecer. Esse, ouvindo,
respondeu-lhe:
– José de Área Leão: a onça sussuarana das matas do Piauí. 
– E você, quem é, caboclo?
Sem bater pestana, que nem um bom improvisador, informou-lhe:
– Eu sou um cachorro preto da zona do cariri,
acuador de onça sussuarana das matas do Piauí.
E até logo!!!
Zezé baixou a cabeça, bebeu outra pinga e exclamou:
– muito bem!
Um dos seus seguranças indagou-lhe:
– Pega o homem, coronel?!
E Zezé repreendeu:
– Não. Cachorro que acua onça é respeitado (VIEIRA, 2008).

Conta ainda Arimateia Carvalho que “Zezé Leão mandou dois de seus jagunços capturarem no Bairro Vila Operária, numa obra do colégio Leão XIII, dois trabalhadores que haviam fugido da fazenda da família.

Os jagunços levaram os homens à força, alegando que eles tinha saído das terras de Zezé com dívidas. Os dois nunca mais foram vistos” (CARVALHO. In: Meio Norte. Teresina, 09 ago. 1998).

Na década de 1940, a rotina da capital piauiense foi marcada por uma intensa série de atritos, capitaneados pelas principais frentes partidárias locais: a UDN (União Democrática Nacional), o partido da oposição, e o PSD (Partido Social Democrata), o partido da situação no governo.

A relação de animosidade entre tais grupos ganhou proporções tão nebulosas que demarcavam espaços de convívio e diálogos entre os indivíduos. Em meio aos inúmeros conflitos e disputas protagonizados por tais grupos, incêndios criminosos adquiriram notoriedade.

O processo de modernização das capitais brasileiras foi fruto de um discurso político intensamente difundido no Brasil na primeira metade do século XX. A ideia do espaço urbano modernizado inseria-se dentro de uma proposta vigente em vários pólos regionais.

O ideal de reelaboração do espaço citadino, focado em uma nova perspectiva estética, teria sido incorporado como uma proposta de vanguarda, importada dos ventos europeus, que, do mesmo modo, passava por uma forte tendência de sofisticação da esfera urbana.

Essa proposta ruma ao Brasil no início do século XX como um mecanismo simbólico – dentre outros – elaborado para captar o imaginário social envolto do novo regime, visando evidenciar um cenário de distinção emergente à nação através república.

Os ventos da modernização também ecoaram junto à capital do Piauí, nutrindo, principalmente, uma política de assepsia à cidade. Por esse fato, as casas cobertas de palha – em significativa quantidade não só na periferia, mas também nos setores centrais do núcleo urbano da capital – deveriam ser apagadas da paisagem geral de Teresina para que a mesma pudesse aspirar aos ares de uma cidade modelo no meio norte brasileiro.

A prática incendiária, nesse contexto, para além de uma medida necessária, seria também um dispositivo radical e violento usado para que as casas de palha fossem evaporadas nas cinzas do criminoso.

Alinhadas a tal prática, outras eventualidades vão ocorrendo como atos de “assessoramento” dessa medida: tortura e repressão policial a “falsos” incendiários, mortes de famílias e de crianças recém–nascidas (carbonização) e uma verdadeira guerra de trincheiras político-partidárias entre as principais células rivais no estado – PSD X UDN – que se acusavam publicamente.

Na imprensa, os jornais em que ocorria mais claramente esse confronto de acusações eram o “Diário do Piauí” (endossado pelo PSD) e o jornal “O Piauí” (endossado pela UDN). Notícias de toda ordem – de foro pessoal e público – eram publicadas cotidianamente. 

Os assuntos variavam: iam desde banalidades (traições, bebedeiras, bate-bocas, calotes), até casos mais delicados para a esfera pública (acusação de roubos, assassinatos, tortura a civis, etc).

A relação de animosidade entre esses grupos adquiria uma substantiva intensificação de acordo com a freqüência dos incêndios. Por meio dos jornais supracitados, os partidos se acusavam reciprocamente dos incêndios criminosos que já se alastravam pela cidade.

No auge desse conflito, Zezé Leão aparece como um suposto “mandado” para “silenciar” e “avisar” sobre o eventual perigo que os adversários da oposição – UDN – poderiam sofrer com sua presença.

O jornal “O Piauí”, acusava o governo de organizar os incêndios e de contratar “profissionais”, até mesmo a polícia, para incendiar as casas de palha. Nas manchetes do jornal se noticiava nomes de pessoas ligadas ao governo, casos de perdas eram descritos minuciosamente.

Na madrugada do dia 23 de outubro de 1946, Zezé Leão, acompanhado de Evaristo, Bartolomeu, Chico Preto, Baia, Minas e mais um outro invadiram o jornal O Piauí, localizado na Rua Coelho Rodrigues, nas proximidades do Cine Royal, e destruíram tudo o que encontraram pela frente.

Além de empastelarem o jornal (misturar os tipos), órgão da UDN fundado em 1945 pelo comandante Helvécio Coelho Rodrigues e dirigido pelo ex-governador Eurípides de Aguiar, quebraram móveis e outros equipamentos, espancaram barbaramente o auxiliar de vigia Raimundo Pio e mataram o vigia Miguel Pedro de Sousa, cujo enterro foi transformado em palanque político, um dos maiores já realizados no Estado, pois simbolizava a aos atos da ditadura Vargas. 

À beira da sepultura, os políticos da UDN fizeram discursos inflamados, transformando o vigia Miguel Pedro de Sousa “em herói da democracia e mártir da ”. Passado o momento, o jornal foi recomposto, mas o crime ficou na impunidade e a família das vítimas na miséria.

O jornal “O Combatente”, do Maranhão, mencionou que:

o cangaceiro Zezé Leão teria sido contratado por representantes de um partido político – PSD – para incinerar o jornal o qual empregava, frequentemente, severas críticas e denúncias aos seus representantes que se encontram à frente do governo do estado.

Por meio desse ato, a cúpula pessedista queria silenciar as constantes denúncias feitas sobre a autoria dos incêndios criminosos ocorridos na cidade verde (O Combatente. São Luís, 02 nov. 1946: 03.).

Como que por vingança, em 08 de agosto de 1947, o jornal “O PIAUÍ” publicou uma matéria intitulada “O LAMPIÃO do Piauí. Zezé Leão, uma de crueldade”, na página 02 do periódico.

A fama de Zezé só se espalhava, de modo que, nesse momento, já era conhecido em todo o Piauí. Onde chegava, o homem era temido. A imagem do “valentão” sem limites ganha notoriedade nas mais curiosas histórias e adquire reprodução em distintos registros discursivos.

Outro exemplo desta assertiva é possível de ser notado em meio às produções de um dos maiores trovadores e poetas da popular piauiense na primeira metade do séc. XX: o violeiro da cidade de Altos – ao norte da capital – Zé da Prata, artista famoso por englobar em seu cancioneiro histórias e “causos” envolvendo personalidades famosas da sociedade piauiense.

Em um trabalho de “resgate” dos escritos desse personagem da  local, o pesquisador Carlos Alberto Dias publicou em 2011 a obra “Prata de lei”, uma coletânea com os “causos” e “trovas” de Zé da Prata.

Dentre os escritos, se destaca os versos de um suposto encontro entre Zezé Leão e Zé da Prata. Deste “causo”, conta-se que Zezé Leão teria ido à presença do artista, que entoava sua cantoria e versos a certo público. Sem qualquer cerimônia, Zezé o teria o interrompido e dado a incumbência de improvisar um verso em forma de repente ofendendo todos os presentes, chamando-os de “cornos”.

Constrangido com a situação, Zé da Prata se fez hesitante alegando que as pessoas ali poderiam se afrontar. Zezé então insistiu veementemente, já demonstrando certa irritação com o cantador, que, já sabendo da fama do valentão, decidiu improvisar o inusitado pedido, lançando as seguintes palavras ao público:

Se mandar cantar, eu canto;
Pois eu sou improvisador.
Pois aqui só não é corno.
Seu Zezé e o cantador;
O resto tudo tem chifre
Seja lá quem ele for. (ZÉ DA PRATA apud DIAS, 2011: 34)

Ao término dos versos, Zezé Leão demonstrou insatisfação por Zé da Prata não seguir fielmente sua incumbência e ter isentado ele mesmo e o valentão de serem cornos.

Em seguida, Zezé deu um ultimato ao cantador dizendo que dessa vez deveria chamar a todos os presentes, inclusive eles dois, de cornos em seus versos. E assim o cantador o fez:

Aqui só existe corno,
Corno vai, corno vem;
Quem tá chamando aqui é corno
Quem tá mandado é corno também
E se gritar: pega o corno
Aqui não fica ninguém (ZÉ DA PRATA apud DIAS, 2011: 34)

Fala-se que após o recitar dessas palavras Zezé Leão o cumprimentou, pagou uma cachaça e a partir daquele momento alimentou grande amizade com o cantador.

Em 1° de Outubro de 1953 Zezé se envolve em mais um homicídio.  O capitão da PM reformado Francisco das Chagas Batista Wanderley, bebia dentro do Bar Imperial, de seu Cazuza, na Rua Paissandu, onde hoje é o Cartório Djalma Veloso.

Ao perceber a passagem de Zezé-Leão, o chamou. Depois de uma ligeira conversa, lembrou-lhe que em certa ocasião tinha-o prendido. Zezé, calmamente, embora entrecortado do insulto, perguntou-lhe se ia demorar no bar. Ele, ufano de autoridade, respondeu-lhe que sim. Zezé, enfatizou:

-Voltarei logo.

Em questão de 20 minutos, o lúgubre estúpido, armado com um revólver 38, mudava o ritmo da cidade. A rádio Pioneira, que funcionava na rua Senador Teodoro Pacheco, divulgou, em primeira mão, o acontecimento em reportagem exemplar de Carlos Said. No dia seguinte, as manchetes dos principais jornais: “ZEZÉ-LEÃO MATA CAPITÃO WANDERLEY E FOGE.”

Durante o julgamento, transmitido ao vivo pela Rádio Difusora de Teresina, emissora dos Diários Associados, a cidade praticamente parou por dois dias. Um jovem Petrônio Portella, aceitou acusar  Zezé, quando outros correram da raia, e, com isso, passou a ser a atração da capital e, principalmente, do interior. Todos queriam saber quem era aquele jovem advogado que tinha a audácia de enfrentar Zezé Leão.

Petrônio Portella, revelando excelente presença de espírito, ironizava os advogados de defesa, o professor A. Tito Filho (filho do desembargador José de Arimathéa Tito, um dos ícones do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí) e Santos Rocha.

Petrônio Portella não conseguiu levá-lo à pena máxima, mas obteve condenação de 15 anos de prisão, o suficiente para dar-lhe a aura de advogado corajoso, que não temia as consequências de acusar aquele que havia sido, durante todo o tempo, protegido pelas oligarquias e que vivera na impunidade.

Antes de executada a pena, no dia 28 de outubro de 1956, aos 55 anos, Zezé Leão foi assassinado pelo sargento Milão, em Água Branca. Dona Olinda, esposa do valentão, que ficara impressionada com a destemida atuação de Petrônio Portella, quando do julgamento do marido pela morte do capitão Wanderley, chegou a convidá-lo para atuar contra o matador, mas ele não chegou a trabalhar no caso.

O folclore que cerca Zezé Leão é tão grande que até mesmo quanto a sua morte a tradição oral apresenta diversas versões, todas horríveis. Segundo Arimateia Carvalho, narra a tradição popular que “Zezé teve as duas orelhas arrancadas e penduradas num cercado, antes de ser morto, em 1956. Mas a versão oficial não registra o fato (CARVALHO. In: Meio Norte. Teresina, 09 ago.1998).

O dramaturgo, advogado e escritor Zé Afonso, estudioso da década de 1940 no Piauí, em entrevista cedida a Francisco Chagas O. Atanásio, “refaz” a narrativa que ouviu de uma parente próxima ao personagem a respeito de um suposto ocorrido em certa ocasião:

…Ela contava uma cena que achou muito terrível: quando mataram ele, em uma emboscada, trouxeram e jogaram o corpo dele em frente ao lugar que hoje é o Centro de Artesanato. Então uma mãe veio com um garfo pra furar os olhos dele.

A coisa que ele tinha de mais bonito eram os olhos. Tinha olhos belíssimos, verdes ou azuis, eu não sei dizer ao certo…. e essa mãe, que ele tinha matado o filho, foi lá furar os olhos dele de raiva…

No cemitério São José, toda vez que colocam os olhos no Zezé Leão, alguém vai lá e tira. Lá na sepultura dele. Se pintarem alguém vai lá e raspa… (AFONSO, 2013 APUD ATANÁSIO, 2013).

Ainda do texto de Arimateia Carvalho, extrai-se  a seguinte versão:

No Cemitério São José, na zona Norte de Teresina, os coveiros mais antigos relatam a fama de valentão de Zezé. Passando 42 anos de sua morte, o “Lampião do Piauí” sobrevive em episódios impressionantes, sejam verídicos ou fantasiosos.

De acordo com um deles, não foi a polícia que matou Zezé. Ele teria sido assassinado por um caboclo e só então os militares se apossaram de seu corpo (CARVALHO. In: Meio Norte. Teresina, 09 ago. 1998).

Entre fatos, mitos e lendas, Zezé Leão se mostra uma figura que, ultrapassando os limites da existência histórica e física de um ser humano, se perpetua no imaginário popular piauiense até hoje. O ex-capitão da Brigada Militar, que foi casado com dona Olinda, tem muitos herdeiros vivos, entre filhos, netos, bisnetos e sobrinhos. A maioria não gosta de falar do passado.

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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