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13 de maio: Não há o que se comemorar, mas há o que refletir e exigir

13 de maio: Não há o que se comemorar, mas há o que refletir e exigir

Neste 13 de maio, ao invés da princesa, pensemos em Luiz Gama, André Rebouças, José do Patrocínio e tantos negros e negras que lutaram por sua libertação

Imagem: detalhe da capa norte americana de Cumbe, obra do artista e escritor brasileiro Marcelo D’Salete, ganhador de diversos prêmios nacionais e internacionais com suas graphic novels que contam histórias de luta e resistência protagonizadas pelas populações negras escravizadas no Brasil

Por Luanda Julião

Hoje é 13 de maio. Há 131 anos o Brasil assinava a lei Áurea, oficializando a libertação dos escravos.

Lembro que durante a minha infância, na década de 1980, quando eu ainda frequentava a quarta série numa escola pública, eu e minha turma apresentamos uma pequena encenação sobre a abolição dos escravos. É claro que nessa pequena peça a figura engrandecida era a da princesa Isabel. Todas as meninas brancas da minha sala queriam encenar o papel da princesa. E é claro que a garota que tinha a pele mais clara ficava com o papel. Os escravos apareciam como coadjuvantes e não como protagonistas da sua própria alforria. Para o papel dos escravos não havia briga ou discordância. Pelo contrário, a maioria das alunas e alunos pretos e pardos resistiam em representá-los. 

A peça foi apresentada e com ela aprendemos que uma princesa benevolente, generosa, libertou os negros escravizados no Brasil. Era assim também que os livros didáticos nos ensinavam. Não havia uma reflexão crítica sobre a data, nenhuma menção à resistência do Brasil como o último país a libertar os seus escravos, nenhuma referência à Inglaterra, que exigiu e forçou a libertação dos homens e mulheres escravizados, pois era-lhe muito mais rentável trabalhadores assalariados e livres. Sem dúvidas, a escola nos expunha um único discurso: o da elite branca.

Essas encenações unilaterais perseveraram no decorrer dos meus anos escolares. E durante muito tempo nada mudou. As alunas brancas disputavam o papel da princesa. Eu e os outros alunos pretos e pardos encenávamos os escravos libertados. E como sempre, um silêncio pesava sobre a luta da população negra, sobre a sua resistência diante do sistema colonialista e imperial.

 

O que ficava escancarado nessa encenação toda era a ideia de que uma princesa branca havia nos feito um favor. No entanto, sabemos muito bem que não há como falar do Brasil sem falar da importância dos negros (e também dos índios) para a construção desse país. Digo isso hoje, porque muitos anos se passaram para que eu finalmente pudesse compreender que os materiais didáticos da escola introjetavam em mim e nos outros alunos uma imagem preconceituosa e depreciativa sobre os povos e culturas não oriundos do mundo ocidental, pois nos doze anos de minha educação básica, não houve discussão ou debate sobre a importância dos negros (e dos índios) na construção da identidade brasileira.

Hoje sabemos que a narrativa historiográfica foi delineada por um discurso que sempre colocou o branco como herói e o negro como vilão. Por isso que eu acho importante falar sobre o 13 de maio, principalmente nas escolas. Não como uma data para se reverenciar uma princesa ou comemorar algo que na prática não se efetivou de fato: a real cidadania dos negros e negras brasileiros.

Falar no dia 13 de maio é importante para tirarmos os holofotes da princesa e destacarmos a luz, o brilho e a importância de Luiz Gama, André Rebouças, José do Patrocínio e tantos outros homens e mulheres, negros e negras que foram ofuscados e silenciados pelo racismo e machismo dos registros historiográficos.

Hoje olho para o 13 de maio como uma data para emergirmos o protagonismo dos negro em sua própria libertação, pois não se deve esquecer que muito antes de 13 de maio de 1888, a população negra já organizava movimentos de resistência. Entre esses podemos citar as rebeliões nas senzalas, a formação dos quilombos, a revolta dos Malês, a Balaiada, a Sabinada, a Cabanagem. Os negros protagonizaram também a primeira tentativa de independência nesse país, através da formação do Quilombo de Palmares, um estado organizado e independente que durante mais de cem anos manteve-se firme diante dos ataques do colonialismo.

13 de maio é uma data que serve também para relembrarmos que há muito o que lutar, pois embora a lei Áurea tenha oficialmente extinguido a escravidão, ela se eximiu de incluir socialmente e economicamente os negros e negras, deixando-os à margem e à própria sorte. Por isso, não há o que se comemorar, pois a abolição no dia 13 de maio de 1888 não trouxe medidas e soluções eficientes para a integralização dos ex-escravos em nossa sociedade.

131 anos após a assinatura e oficialização da cidadania dos negros e negras, muitos ainda hoje se encontram em condições desiguais em relação à população branca.

13 de maio é portanto uma data para denunciarmos o racismo, a pobreza, a falta de oportunidades e trabalho, a disparidade entre brancos e negros, pois ainda somos minoria no ensino superior, no magistrado, em cargos de liderança, na política, na publicidade, na literatura, no cinema e na ciência. A data serve para relembrarmos que é preciso continuar lutando pela inclusão social e econômica neste país que hoje concentra o maior número de população negra fora do continente africano.

Luanda Julião é Doutoranda em Filosofia Francesa Contemporânea pela Universidade Federal de São Carlos. Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de São Paulo. Professora de História e Filosofia na Escola Estadual Visconde de Itaúna.

Fonte: Justificando 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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