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Reserva Extrativista: Uma invenção dos povos da floresta

Reserva Extrativista: Uma invenção dos povos da floresta

O Brasil conheceu o conceito de Reserva Extrativista em outubro de 1985, durante o 1o. Encontro Nacional dos Seringueiros, realizado na UnB, em Brasília.

Por Memorial Chico Mendes

Pensada para ser uma espécie de reforma agrária apropriada para os moradores da floresta, a proposta de Reserva Extrativista apresentada em Brasília tinha por objetivo assegurar as condições para que as famílias de seringueiros pudessem permanecer em suas colocações no meio da floresta.
Baseada no modelo das Terras Terras Indígenas, na Reserva Extrativista a terra continua sobre o domínio da União, sendo assegurado o seu usufruto às pessoas e comunidades, a proposta foi apresentada pelo líder seringueiro e sindicalista Chico Mendes durante o I Encontro do CNS em Brasília.
Duas fases podem ser identificadas no processo de construção da proposta. A primeira, de 1985 a 2000, cobre o período no qual o conceito de Reserva Extrativista foi formulado pelos seringueiros e incorporado às políticas de reforma agrária e de meio ambiente. A segunda fase, de 2000 ao presente, é de luta pela criação de novas áreas e pela implementação de programas sociais e econômicos visando a melhoria das condições de vida dos moradores destas áreas.
O Decreto 98.897, de 30 de janeiro de 1990, definiu as Reservas Extrativistas como “espaços territoriais destinados à exploração autossustentável e conservação dos recursos naturais renováveis por população extrativista”. E justificou: “…Os planos de conservação ambiental para a Amazônia não levaram em conta, no passado, a existência de populações locais que habitam a floresta, retirando dela meios para viver, mediante o uso de técnicas não predatórias […] os planos de desenvolvimento não reconheceram, no passado, a contribuição positiva que as populações extrativistas podem dar para a riqueza nacional [….] Este conceito (de Reserva Extrativista)… se distingue de Unidades de Conservação, que preveem atividades de exploração sujeitas a planos de manejo, mas não levam em conta as populações locais, seus direitos, sua organização e sua tradição cultural”.
O artigo 3º do decreto estabelece os elementos que devem estar presentes na criação de cada reserva, entre eles, a caracterização da população destinatária, a população extrativista, qualificada nos seguintes termos: seringueiros, castanheiros e ribeirinhos, fixados em sua grande maioria na região Norte do país, convivendo harmoniosamente com o ecossistema, extraindo de forma economicamente viável e ecologicamente sustentável o que o próprio sistema produz.
A formulação do Decreto procurou refletir na lei a forma tradicional de ocupação do espaço e de uso dos recursos naturais: a não divisão da terra em lotes individuais e o reconhecimento da colocação como unidade de produção familiar, características que se traduziram no art. 4º do decreto: “A exploração autossustentável e a conservação dos recursos naturais será regulada por contrato de concessão real de uso…”
No artigo 5º do decreto, ficou definido que “cabe ao Ibama supervisionar as áreas extrativistas e acompanhar o cumprimento das condições estipuladas no contrato”.
Na mesma ocasião da assinatura do Decreto, o então presidente da República, José Sarney, criou as primeiras quatro Reservas Extrativistas na Amazônia, num total de 2.162.989 hectares. No Acre foram criadas as Resex Chico Mendes e Alto Juruá, em Rondônia, a Resex do Rio Ouro Preto, e no Amapá a Resex do Rio Cajari.
decreto 1990
Em 2000 as Reservas Extrativistas passaram a fazer parte do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), que também criou as Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS).
Definição Legal
O SNUC define Reserva Extrativista como uma área utilizada por populações locais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade
A Reserva de Desenvolvimento Sustentável é definida como uma área natural que abriga populações tradicionais, cuja existência baseia-se em sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais, desenvolvidos ao longo de gerações e adaptados às condições ecológicas locais e que desempenham um papel fundamental na proteção da natureza e na manutenção da diversidade biológica.
Situação atual
Na Amazônia as Reservas Extrativistas e Reservas de Desenvolvimento Sustentável, federais e estaduais, totalizam 92 unidades, cobrem uma área de 24.925910 hectares, representando 4.8% da Amazônia Legal, 19% das UCs da Amazônia e 8% das florestas da região, beneficiando 1.500.000 pessoas.
Mapa Resex-RDS 2009
Contabilizando as áreas sob gestão compartilhada entre comunidades tradicionais e poder público, no formato de unidades de conservação de uso sustentável, tem-se hoje, na Amazônia, um total de 53 Resex, 19 RDS e 179 PAEs, federais e estaduais, que ocupam uma área de aproximadamente 35 milhões de hectares, representando cerca de 7% da Amazônia Legal.
Desafios
Os principais desafios das Reservas Extrativistas e Reservas de Desenvolvimento Sustentável é a implementação, ou seja, o acesso a políticas públicas de desenvolvimento sustentável.  Projetos piloto visando agregação de valor aos produtos da floresta vêm sendo desenvolvidos na maioria das áreas, assim como educação básica e assistência à saúde. Mas não beneficiam todas as famílias e não têm o alcance necessário.
As primeiras políticas públicas em larga escala estão começando a ser implantadas nas Resex com apoio do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), visando o acesso à água com qualidade e ao saneamento (Ver Projeto Sanear Amazônia).

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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