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África: A literatura engajada

África: A literatura engajada dos processos de Independência

Nos anos 1960, os angolanos,  moçambicanos e guineenses lutaram por sua independência do jugo português, o mais longevo dos impérios.  Portugal resistiu de forma sangrenta, depois que outros países alcançaram a independência contra os domínios europeus. Por suas próprias lutas, a África se libertava…

Por Joseph S. Weiss

Muitos autores detestam reduzir as guerras a estatísticas, pois refletem uma análise superficial da realidade. Porém, só para ilustrar, com muita destruição social, essas lutas trouxeram perdas de cerca de 33 mil vidas em Angola, 60 mil em e 12 mil na Guiné-Bissau.

Após a morte de Salazar, ditador de Portugal durante 40 anos, de 1933 a 1972, e a Revolução dos Cravos,  pela democracia em 1974, com o apoio dos militares portugueses contra a guerra, se concretiza a independência dos países africanos. Como resultado, Cabo Verde  e São Tomé e Príncipe também alcançaram a independência.

Durante a guerra fria, os EUA enxergavam as lutas pela independência como ações comunistas, pois tinham apoios da União Soviética, de Cuba e até da China. Ainda no governo militar do General Ernesto Geisel, o divergiu dos EUA.

Em Angola, aonde o Movimento pela Libertação de Angola (MPLA) proclamou a independência, os EUA apoiaram a UNITA, guerrilha de . Como consequência, a Guerra Civil, durou até 2002, onde morreram cerca de 500 mil combatentes, com prejuízos ao país que persistem até hoje. Contra os EUA, o Brasil reconheceu o governo do MPLA no mesmo dia, com o embaixador Ítalo Zappa na chefia do Departamento da África do Itamaraty.

Em Moçambique a guerra civil foi menos sangrenta. Pelos EUA, a CIA queria apoiar a Renamo, guerrilha de direita patrocinada pelos governos brancos da Rodésia e da África do Sul. Por que, então, os americanos em vez de apoiar Renamo, resolveram oferecer ajuda humanitária ao governo da Frelimo, apoiado pelos países comunistas?

Ítalo Zappa foi o primeiro embaixador do Brasil em Moçambique. Há quem diga que foi ele quem convenceu o embaixador dos EUA a tomar essa decisão, mostrando fotos da tortura do Renamo aos presos políticos, apesar de que a história reporta outros fatores.

Assim, a Renamo perdeu a guerra para a Frelimo, concedida no Acordo de Paz em 1992. Desde então, a Frelimo continua ganhando as eleições.

O processo de descolonização foi menor na Guiné, onde os portugueses se mostram incapazes de travar o aumento das hostilidades e reconheceram rapidamente a independência da Guiné-Bissau (1974) e de Cabo Verde (1975).

No mesmo ano, as ilhas de São Tomé e Príncipe acederam igualmente à independência.

africa portalangop.co.ao
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O ENGAJAMENTO DA INTELECTUALIDADE AFRICANA  NESSA BRAVA HISTÓRIA DE LUTA E RESISTÊNCIA

Uma forma de sintetizar as lutas das sociedades luso-africanas é através do conteúdo dos escritos de seus autores e autoras.  Apresenta-se alguns dos exemplos trazidos por Nazareth Soares Fonseca e Terezinha Taborda Moreira, em “Panorama das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa”, publicado em 2007 no Caderno Cespuc de Pesquisa (Serie ensaios, volume 16, páginas 12-69).

Em Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, o escritor africano não podia ficar alheio ao embate da sociedade colonial e a sociedade africana, expressando a tensão existente entre esses dois mundos.

Esse embate foi o impulso gerador de projetos literários, onde essa realidade entra em conflito com a luta para conquistar a independência, evidenciando a dualidade colonialismo/nativismo. Passa-se a produzir literatura em línguas locais com maior profusão, num resgate pela sua .

A produção poética angolana foi marcada pela conscientização pela terra, a gente e as suas origens, a valorização do homem negro africano e de sua cultura, sua capacidade de autodeterminação que antevia um Estado com autoridade e existência próprias.

A poesia era marcada pelo protesto anticolonial, sem deixar de ser humanista e social. Agostinho Neto, Viriato da Cruz e Mário Antônio concentraram nessa temática, enquanto evocaram e invocaram a “mãe pátria”, da “terra grande” da África, a identidade, a fraternidade, a terra angolana como pátria de todos – negros, brancos e mestiços — como também a alienação do branco nascido e criado em Angola.

Muito presente é a retratação da social que assola a sociedade angolana durante a luta armada, o dilaceramento de Angola, país mutilado pela miséria e pela guerra que experimenta, por mais de duas décadas, os pesadelos da guerra civil.

Pepetela assume a função social da literatura, com alusão à perversa divisão de renda e de direitos, com uma revisão melancólica da utopia revolucionária do panorama do pós independência angolano. Expõe ainda as armações necessárias à sustentação dos negócios gerenciados por aventureiros de várias nacionalidades durante o longo período do comércio de escravos.

Orlando Mendes é considerado o primeiro romancista moçambicano por sua crítica em relação às estruturas coloniais e pela abordagem do drama de um mulato em choque com a sociedade de brancos e de negros, minada pela presença do europeu, onde se confronta a marginalização.

Na poesia de José Craveirinha vamos encontrar negritude, cultural, social, política, prisão e a tradição oral.

escreve sobre a profunda crise econômica e cultural que acompanha o cotidiano  da sociedade moçambicana, sobre a  instabilidade na qual está mergulhado o povo de Moçambique, sobre as  injustiças como consequência de um étnico, da subserviência perante o estrangeiro.

Escreve também sobre  a perplexidade face às rápidas mudanças sociais, sobre o  desrespeito pelos valores tradicionais, sobre a  despersonalização e da miséria, como também do mundo dos vivos e dos mortos, dos feitiços e do sobrenatural, da ausência de valores éticos e morais, da perda da memória e da dignidade humana, e dos desajustes econômicos e culturais vividos no país.

A literatura da Guiné-Bissau reflete os caminhos da emancipação bem como o estado emocional dos guineenses ante o que se considera traição dos ideais revolucionários por parte dos dirigentes. Faz eco aos anseios e às preocupações da elite intelectual urbana, inconformada com a situação política e social do país no momento presente.

Abdulai Sila, fundador da ficção guineense, não se restringe à simples constatação do desastre em que resultou a libertação do jugo colonialista, nem se detém apenas na retratação das mazelas do povo guineense, mas procura e denuncia os responsáveis pelos problemas.

O romancista Filinto de Barros desenvolve sua análise do momento por que passava a Guiné-Bissau, pondo o dedo nas feridas abertas pelos seus próprios correligionários, além de introduzir o leitor no mundo mágico e mítico africano. Informa, como ativo participante, sobre a gestação da independência e seus resultados, e ousa confessar o lado podre da gloriosa luta pela libertação nacional, desmontando mitos patrióticos.

A problemática da identidade cabo-verdiana está presente na poesia de Corsino Fortes, onde povo tomou conta da sua terra e do seu destino. Usa o crioulo em muitos poemas pois a fala, anterior à escrita, é o grande sinal da liberdade.

Constrói o isolamento do arquipélago de Cabo Verde com a migração, a expressão da necessidade de deixar as ilhas, seja por causa do clima inóspito, seja porque é no exterior que o futuro pode ser conquistado, às vezes ilusoriamente.

Orlanda Amarilis também explora os diferentes matizes da temática da insularidade – o exílio, a diáspora, a solidão — além de observar, com olhos muito ternos, o dia-a-dia das mulheres, o compadrio, a carência, a seca e a ausência dos homens.

Alda do Espírito Santo, poetisa de São Tomé e Príncipe, tem a diferença racial e a exploração colonial como pano de fundo. Seu livro “É nosso o solo sagrado da terra: poesia de protesto e luta” se caracteriza por uma grande dose de combatividade e pela descrição sensível da vida dos habitantes de seu país.

Outros poetas mantêm a temática da luta contra o colonialismo, a exploração dos negros nas plantações, a consciência da diferença que a cor provoca e a alienação.

ANOTE AÍ:

Como fonte básica da história política, foi consultada Walace Ferreira, no N°4, Vol. II, Revista Acadêmica de Relações Internacionais, A África na Política Externa Brasileira: Análise de Distanciamentos e Aproximações entre as Décadas de 1950 a 1980.

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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