BRASIL: HOMENS BRANCOS DO 1% MAIS RICO

Cerrado: violações do agronegócio e mineração sobre águas

Tribunal popular analisa violações do agronegócio e mineração sobre águas do Cerrado

Hoje, às 14hs (horário de Brasília), o júri multidisciplinar do Tribunal Permanente dos Povos em Defesa dos Territórios do Cerrado (TPP) fará uma manifestação pública sobre os casos apresentados durante a primeira audiência temática do tribunal, realizada nos dias 30/11 e 01/12. O objetivo do pronunciamento é evidenciar a conexão entre as denúncias relatadas durante a audiência e o crime de ecocídio contra o Cerrado e genocídio cultural de seus povos cometidos por Estados e empresas…

Por Mídia NINJA

O pronunciamento, que será transmitido ao vivo pelo canal do YouTube da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, faz parte dos ritos do TPP e prepara o júri e a para a sentença a ser pronunciada durante a audiência final deliberativa, no segundo semestre de 2022.

6 casos

Durante os dois dias da Audiência Temática das Águas, representantes de seis dos 15 casos denunciados pelo TPP evidenciaram, em seus relatos, a injustiça hídrica e o racismo ambiental causados pela apropriação privada intensiva e contaminação das águas pelo agronegócio e mineração.

No dia 30 de novembro foram apresentados os casos dos Territórios Tradicionais de Fecho de Pasto e Ribeirinhos na Bacia do rio Corrente, no Cerrado baiano, que enfrentam o agronegócio irrigado nos gerais; os casos dos povos indígenas Krahô-Takaywrá e Krahô Kanela, no Araguaia tocantinense, impactados pelo Projeto Rio Formoso de monocultivos irrigados; e o caso dos veredeiros de Januária, norte de Minas Gerais, que enfrentam a degradação ambiental e hídrica promovida por empresas do complexo siderúrgico e florestal.

No dia 1 de dezembro, o júri ouviu depoimentos da Comunidade Ribeirinha Cachoeira do Choro, do município de Curvelo, Minas Gerais, que enfrenta a contaminação do rio com rejeitos da barragem da Mina de Córrego do Feijão, da Vale, que se rompeu em Brumadinho em janeiro de 2019; o júri também ouvirá o testemunho de comunidades Geraizeiras de Vale das Cancelas, norte de Minas Gerais, que estão sob ameaça de perda do território, contaminação e supressão das águas por conta da instalação de um mega empreendimento minerário da empresa Sul Americana de Metais (SAM) na região. Por fim, serão ouvidos os depoimentos da comunidade camponesa de Macaúba, do município de Catalão, Goiás, impactada pela contaminação de suas águas por empreendimentos minerários de nióbio e fosfato da Mosaic Fertilizantes e China Molybdenum Company (CMOC). 

As gravações dos dias de audiência estão disponíveis a seguir:

Dia 1

Dia 2

Próximas audiências

A Audiência das Águas foi a primeira audiência temática da fase instrutória do júri do Tribunal. A segunda acontecerá nos dias 15 e 16 de março de 2022, e terá como tema a Soberania Alimentar e Sociobiodiversidade. O foco dessa audiência serão as denúncias sobre a desestruturação dos sistemas agrícolas tradicionais, o aumento da fome e as ameaças à coletiva em razão da invasão dos territórios, contaminação por agrotóxicos e desmonte das políticas de reforma agrária e de comercialização da produção camponesa.

A terceira e última audiência temática antes da audiência final terá como tema Terra e Território, e acontecerá de 7 a 9 de junho do próximo ano. O foco do evento serão as violações e ameaças ao direito à posse e propriedade da terra/território e ao direito à autodeterminação provocados por processos de desmatamento e grilagem de terras públicas e a imposição de grandes projetos de “desenvolvimento”, ao mesmo tempo em que não avançam processos de titulação de e territórios quilombolas e tradicionais da região.

Para saber mais sobre as atividades, acesse a programação oficial do TPP.

O que é o Tribunal Permanente dos Povos

O TPP é uma instância de tribunal de opinião que procura reconhecer, visibilizar e ampliar as vozes dos povos vítimas de violações de direitos. O Tribunal existe para suprir a de uma jurisdição internacional competente que se pronuncie sobre os casos de violações contra os povos.

O tribunal conta com um júri multidisciplinar, escolhido a cada nova sessão e de acordo com os casos apresentados. Os membros do júri são reconhecidos por sua independência e pela experiência em relação aos temas analisados. São membros da academia, juristas, jornalistas, artistas, lideranças populares e religiosas, entre outros.

Na sessão sobre o Cerrado, compõem o júri o espanhol Antoni Pigrau Solé, professor de direito internacional público; a jurista e ex-vice procuradora geral da República Deborah Duprat; o bispo da Diocese de Brejo (MA) Dom José Valdeci; a jornalista Eliane Brum; a socióloga venezuelana Rosa Acevedo Marin; a jornalista e pesquisadora uruguaia do Grupo ETC Silvia Ribeiro; e a portuguesa Teresa Almeida Cravo, professora de relações internacionais. O jurista francês Philippe Texier também compõe o júri, e é o atual presidente do TPP. A vice-presidente é a deputada federal Luiza Erundina (PSOL).

As sentenças proferidas pelo júri do TPP não têm aplicação dentro do sistema jurídico formal do país em que é realizado. Um governante ou dirigente de uma empresa que sejam considerados culpados por um crime pelo júri do Tribunal não poderá ser preso, por exemplo.

Ainda assim, as sentenças proferidas pelo TPP são de extrema importância para os sistemas de justiça nacionais e internacionais, e para a opinião pública de uma forma geral, uma vez que expõem os vazios e limites do sistema internacional de proteção dos e, assim, pressiona para sua evolução.

“O que está na base do Tribunal do Cerrado é o entendimento de que os povos têm autonomia para construir historicamente suas formas próprias de relação com a , suas concepções de Justiça, e por isso seus direitos não são apenas aqueles reconhecidos pelo e não podem depender somente da institucionalidade para serem legítimos. Nesse sentido, o Tribunal do Cerrado afirma, ao reconhecer os povos como construtores dos seus direitos, que a justiça brota da terra”, diz Valéria Pereira Santos, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), entidade membro da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado.

História do Tribunal

Entre 1966 e 1967, o filósofo britânico Bertrand Russell, juntamente com o filósofo francês Jean-Paul Sartre e o jurista italiano Lelio Basso, organizaram em Estocolmo (Suécia) e em Roskilde (Dinamarca) um evento que ficou conhecido como Tribunal Internacional de Crimes de Guerra, ou Tribunal Russell, e que serviu para investigar os crimes de guerra cometidos pelos Estados Unidos no Vietnã. Fizeram parte do tribunal o escritor Julio Cortázar, o ex-presidente do México Lázaro Cárdenas, a escritora e filósofa Simone de Beauvoir, e outras dezenas de personalidades de diferentes países e áreas de conhecimento.

Entre 1973 e 1976 foi realizado o Tribunal Russel II, que investigou as violações de direitos humanos nas ditaduras latino americanas, entre elas a do Brasil. O segundo tribunal teve sessões em Roma (Itália) e Bruxelas (Bélgica).

O Tribunal Permanente dos Povos (TPP) nasceu em Bolonha (Itália), em 1976, para dar continuidade aos tribunais Russell I e II. O jurista Lelio Basso, que foi membro e relator dos dois primeiros tribunais, propôs a transformação do evento em uma instituição permanente que pudesse ouvir e amplificar as vozes dos povos vítimas de violações dos direitos presentes na Declaração Universal dos Direitos dos Povos – também conhecida como Carta de Argel – publicada em 1976. A Declaração, elaborada em um momento histórico de prevalência de Estados de exceção na América Latina, reconhece os povos como titulares de direitos, e como sendo estes sempre os mais marginalizados no direito internacional.

Transformações e o crime de ecocídio

Desde seu início há 45 anos, o TPP já realizou cerca de 50 sessões internacionais que representam um verdadeiro testemunho dos temas mais prementes deste último meio século, acompanhando as transformações e lutas da era pós-colonial, o avanço do neocolonialismo econômico e a globalização. Nestas sessões, foram investigadas violações trabalhistas, megaempreendimentos, , mineração transnacional, livre comércio, violações a direitos de jovens e , guerras e genocídios.

Em seu documento mais recente, o Estatuto de 2018, o TPP atualiza a Carta de Argel como consequência dessas transformações e define o crime de Ecocídio como sendo “o dano grave, a destruição ou a perda de um ou mais em um território determinado, seja por causas humanas ou por outras causas, cujo impacto provoca uma severa diminuição dos benefícios ambientais dos quais gozavam os habitantes do referido território.”

Deixe seu comentário

UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

PARCERIAS

CONTATO

logo xapuri

REVISTA