"Ganhamos": a participação estratégica do Brasil no golpe militar do Chile em 73

“Ganhamos”: a participação estratégica do Brasil no golpe militar do Chile em 73

“Ganhamos”: a participação estratégica do no do Chile em 73

 “Ganhamos”. Com esta palavra o então embaixador da brasileira no Chile, Câmara Canto, comemorou o triunfo do golpe militar de Pinochet, para o qual tanto ele quanto o governo militar do Brasil havia trabalhado intensamente.

Por Emir Sader

Sabia-se dessa participação, mas somente em 2003, às vésperas do 30º aniversário do golpe militar, uma investigação feita pelo jornal chileno La Tercera permitiu reconstituir em detalhes como se deu a estratégica participação brasileira nesse episódio, que reabriu o caso e mereceria investigação e punição para todos os que foram coniventes com a criminosa ação.

O longo artigo, publicado no dia 3 de agosto, chamado “A ajuda secreta dos militares brasileiros”, afirma que o embaixador Antonio Candido da Câmara Canto era conhecido como “o quinto membro da junta (militar) por suas estreitas relações com o governo militar”. Credenciado no Chile entre 1968 e 1975, Câmara Castro estabeleceu estreitas relações com altos membros do Exército e da Marinha e, depois do golpe, foi o primeiro diplomata a reconhecer a Junta Militar de Pinochet, permitindo que a embaixada brasileira coordenasse a entrega de 70 toneladas de remédios e entre os dias 11 e 26 de setembro como “ajuda humanitária” do governo militar brasileiro, além de utilizar seus contatos para fazer gestões para a obtenção de um crédito de 100 milhões de dólares para o Chile.

Câmara Canto chegou a receber do assessor da Junta Militar Álvaro Puga o reconhecimento: “Era um homem do nosso lado”. O embaixador norte-americano no momento do golpe militar, Nathanael Davis, no seu “Os últimos dias de Salvador Allende”, já havia afirmado que o embaixador brasileiro havia tentado em 1973 aproximar a embaixada dos EUA dos planos golpistas. “Num jantar, o embaixador brasileiro me fez uma série de sugestões (que eu não aceitei), para tratar de me levar a uma coordenação entre embaixadas para um planejamento cooperativo e unir esforços no sentido de provocar a queda de Allende”.

Considerado, segundo La Tercera, um exímio cavaleiro e colecionador de arte, Câmara Canto era “profundamente antimarxista”, tendo estabelecido uma grande amizade com o general Sergio Arellano Stark, um militar chave no golpe militar e na repressão posterior. Em setembro de 1975, Câmara Canto deixou seu cargo em Santiago do Chile por razões de . Ao coquetel de despedida compareceu o general Gustavo Leigh, membro da Junta Militar, enquanto uma comissão integrada pelos generais Sergio Arellano Stark e Herman Brady foi deixá-lo no aeroporto, quando partiu do Chile. No ano seguinte, Câmara Canto voltou àquele país em visita privada, tendo sido recebido pelo almirante Toríbio Merino, membro da Junta Militar. Quando morreu, o governo chileno colocou seu nome numa rua do centro de Santiago.

Conta-se nos círculos diplomáticos chilenos que logo depois do golpe, numa conversa informal, Câmara Canto aconselhou um membro da Chancelaria chilena: “Aproveitem agora para fazer o que eu não fiz no meu país: com os esquerdistas, expulsem todos os homossexuais”. Efetivamente, em 1964, diz o jornal chileno, no momento do golpe no Brasil, Câmara Canto havia dirigido uma verdadeira “caça às bruxas”, que investigou 35 funcionários de carreira acusados como subversivos ou homossexuais.

O ex-embaixador dos EUA no Chile Edward Korry declarou em 1977, ao Comitê de Relações Exteriores do Senado norte-americano, que ele “tinha motivos para crer que os brasileiros haviam funcionado como conselheiros dos militares chilenos”, acrescentando: “O apoio técnico e psicológico do golpe chileno proveio do governo do Brasil”. 

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Em 1985, outro ex-embaixador dos EUA no Chile, Nathaniel Davis, afirmou no seu livro que “a conexão brasileira foi confirmada por muitas fontes. La Tercera conseguiu confirmar os rumores de que no final de agosto um emissário civil do almirante Toríbio Merino tomou um avião para São Paulo, disfarçado como se fosse uma viagem de negócios, mas levando uma missão secreta. De sua gestão dependia em grande parte a decisão de realizar o golpe militar no Chile.

A viagem serviu para superar um dos maiores temores dos golpistas chilenos – o de uma divisão das Forças Armadas. Se esta se desse – o temor, por vários antecedentes, era sobretudo em relação ao Exército –, poderia dar chance de intervenção do governo militar peruano de Velasco Alvarado, que se aproveitaria para recuperar os territórios do norte do Chile, tomados do seu país na guerra do Pacífico de 1879, para o que contava com os aviões militares soviéticos comprados pela Aviação do Peru. Os golpistas chilenos apelaram para os serviços de da ditadura brasileira para se certificar desse risco.

Quando chegou a São Paulo, o emissário – um ex-oficial da Marinha, que depois ocuparia um algo cargo no começo do regime militar – recebeu uma ordem precisa: “Viaje a Brasília, aloje-se em tal hotel e espere que seja contatado”. No dia seguinte, recebeu no hotel o endereço a que deveria se dirigir. Ali foi levado a uma sala onde, ofuscado e sem poder ver as pessoas que estavam na sua frente, foi interrogado sobre sua pessoal, sua família e seus negócios. Quando terminaram de controlar sua , o visitante explicou a urgência dos golpistas chilenos para saber sobre os planos peruanos.

O emissário recebeu a orientação de voltar ao hotel, de não sair dali e aguardar uma resposta. Algumas horas depois, o emissário Toríbio Merino recebeu um telefonema afirmando que não deveriam se preocupar, pois o Peru não interviria. E exigiram que ele retornasse imediatamente ao Chile. Menos de 48 horas depois, Merino recebeu a informação dos serviços de inteligência da ditadura brasileira, o que foi confirmado pelos acontecimentos posteriores.

Quando na tarde de 11 de setembro faziam seu juramento os membros da Junta Militar, presididos por Pinochet na Escola Militar de Santiago do Chile, receberam ali mesmo a visita do embaixador brasileiro Câmara Canto como primeiro representante de um governo estrangeiro a reconhecer a Junta Militar que usurpava o poder.

Quatro ou cinco dias depois do golpe – sempre segundo La Tercera – o emissário que havia vindo ao Brasil se preparava para assumir um alto posto no governo militar, quando recebeu um telefonema. Do outro lado da linha, falava alguém com um forte sotaque alemão. Quando o chileno disse que não se lembrava desse nome, a pessoa lhe respondeu que haviam conversado há pouco em Brasília e que lhe havia feito um favor, em troca do qual pedia agora ele um favor, com urgência.

A pessoa que havia interrogado o emissário chileno estava em Santiago, era um general brasileiro que dominava vários idiomas e que dava o nome Castro, além de apresentar-se como o número dois do SNI. Reuniram-se no Hotel Carrera, no centro da cidade, e o visitante lhe explicou que o governo de Allende havia recebido muitos exilados brasileiros de esquerda, mas que dentre eles havia vários infiltrados do SNI, que atuavam como agentes desse serviço. Alguns deles haviam ficado desaparecidos no momento do golpe chileno, pelo que supunha que estavam detidos. “São homens meus, eu preciso tirá-los daqui”.

O encontro terminou amavelmente, segundo o relato do jornal chileno, com o militar brasileiro sendo colocado em contato com um oficial chileno para que o ajudasse na busca dos agentes infiltrados. Quando se despediu, o militar brasileiro anunciou: “Me disseram que seu governo pediu um empréstimo urgente ao meu país. Pois eu tenho boas notícias para vocês: foi aprovado um credito de 100 milhões de dólares”.

Segundo relato posterior de Toríbio Merino, aquele foi o primeiro dinheiro fresco que chegou à ditadura pinochetista. “Tínhamos dois problemas graves em setembro: os salários do fim do mês e a falta de farinha no país”, disse ele. “Então o embaixador do Brasil, que tinha um parente que trabalhava no Banco de São Paulo (sic), entrou em contato com ele e obteve a possibilidade de conseguir um empréstimo num total de 100 milhões de dólares”.

Segundo o relato de homens próximos a Merino, a visita daquele militar brasileiro teve também um lado público. Quando a Marinha soube da sua presença no país, pediu-lhe que fizesse uma exposição sobre segurança na Academia de Guerra da Armada.

Um mês depois, em outubro, um despacho de inteligência da CIA enviado de Santiago do Chile para Washington dizia: “Presos brasileiros recentemente libertados do Estádio Nacional relataram que enquanto estavam detidos foram interrogados por indivíduos que falavam com fluidez o português e, por isso, supunham que eram oficiais da inteligência brasileira”, conforme o agora divulgado. 

Corriam também versões segundo as quais a ditadura militar brasileira havia dado assessoria e passado técnicas de tortura aos militares chilenos no começo da ditadura – todos processos conhecidos pelo então embaixador brasileiro, chamado “o quinto membro da Junta” de Pinochet.

Emir Sader – Sociólogo. Artigo publicado em https://www.sintrajusc.org.br,  nos 30 anos do golpe militar do Chile, ocorrido em 11/09/1973. Optamos por registrar essa memória histórica neste momento em que o Chile rejeita, em plebiscito nacional, a nova Constituição e mantém a Constituição do Golpe, implantada por Pinochet.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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