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O curral vermelhou: salvando o Brasil?

O curral vermelhou: salvando o Brasil?

“Vermelhou o curral. 

Meu coração é vermelho (hey, hey, hey!) 

De vermelho vive o coração, ê-ô, ê-ô. 

Tudo é garantido após a rosa avermelhar.”

(Chico da Silva. Toada do Boi Garantido. 1996)

Por José Bessa Freire 

Um deputado federal, com coragem desassombrada, apresentou um Projeto de Lei que pode mudar os destinos do Brasil e deixou no chinelo o governo Lula, que perde tempo com questões menores como Fome Zero, Bolsa Família, Desenrola Brasil, Distribuição de Renda, Minha Casa Minha Vida, Saneamento Básico, Programa Cisterna, Desmatamento Zero, Direitos Humanos, Arcabouço Fiscal, Reforma Tributária e outros afins.

Não é disso que o Brasil precisa, mas de algo relevante que salve o país dos ataques ardilosos de seus inimigos, embora o preço a pagar seja alto. Este Projeto de Lei custou até agora R$ 1.291,556,44 pagos pelo contribuinte ao referido parlamentar, de janeiro a julho, incluindo verbas de gabinete e salários, segundo o Portal Transparência da Câmara dos Deputados, sem contar a economia de aluguel por moradia em imóvel funcional. Mas valeu a pena o investimento.

Afinal, quem é esse deputado e qual o projeto de Lei que protocolou na Câmara?  

LARANJAL DO PSL 

O deputado federal Marcelo Álvaro Antônio, agora em seu terceiro mandato, é um presente de Minas Gerais para o Brasil. Já pertenceu ao RP, PSL e PL, partidos considerados “vixe-vixados” pela oposição. Ministro de Turismo do governo Bolsonaro, foi demitido por desavenças com o gen. Luiz Eduardo Ramos, então Secretário-Geral da Presidência, a quem chamou de “Traíra” e assim reforçou o apelido de “Maria Fofoca” dado ao general por outro ministro.

Na sua despedida, Marcelo reuniu os funcionários do Ministério do Turismo e, sem máscara, em plena pandemia, fez vibrante discurso sobre suas virtudes, porém por galhardia e modéstia não mencionou a cobertura impiedosa da mídia no escândalo conhecido como Laranjal do PSLDizem que ele teria patrocinado candidaturas “laranjas” de mulheres para adubar sua campanha e a do candidato Jair.

Os antipatriotas espalharam com detalhes que Marcelo montou um esquema para desviar verbas públicas dos fundos eleitoral e partidário destinadas a candidaturas femininas, que por lei deviam cumprir a cota mínima de 30% de mulheres. Ele teria usado empresas fantasmas, que depois devolviam a bufunfa para suas contas.

Segundo o COAF, Marcelo movimentou quase R$ 2 milhões em contas bancárias pessoais, de fevereiro de 2018 a janeiro de 2019, o que é “incompatível com o seu patrimônio, capacidade financeira, atividade econômica e ocupação profissional”. Assim, foi indiciado pela Policia Federal e denunciado pelo Ministério Público por crimes de apropriação indébita de recurso eleitoral, caixa 2, associação criminosa e falsidade ideológica.  Perseguição política – ele diz. Sua “inocência será provada nos autos”, como sói acontecer nas fórmulas usadas por advogados.

CUECA VERMELHA 

Foi com este currículo robusto que Marcelo Antônio se credenciou para salvar o Brasil e não deixar que o atual Governo “viole a Constituição Federal”. No Portal da Câmara, ele se intitula “anticomunista, patriota, conservador”, por isso os comunistas bombardearam o seu Projeto de Lei, que proíbe Lula e seus ministros de “usarem a cor vermelha em suas vestimentas”. Afinal, esta cor simboliza algo demasiado potente.

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Charge: divulgação/ Rodrigo Brum

O uso de gravata, calça, meia ou camisa vermelha configurará “crime de responsabilidade”. Embora não esteja explicitado no projeto, certamente a regulamentação da lei irá incluir cuecas, cuja cor será captada por radiação ionizante tipo Raio-X.

É preciso nobreza de espírito para reconhecer o valor de uma lei, capaz de “evitar que o Brasil se transforme numa Venezuela”. Marcelo Antônio se inspirou no gen. Justino Bastos, comandante do III Exército que, numa fogueira pública em Porto Alegre, em 1964, queimou com estardalhaço “O Vermelho e o Negro”, romance de Stendhal escrito em 1827, que o general não leu, mas cujo título não deixa dúvidas: “propaganda comunista e pior ainda da crioulada”.

Marcelo Antônio – esse é o cara – fez uma leitura perspicaz do poema “Os Sinais” de Vicente Guimarães, tio do escritor Guimarães Rosa, publicado nos livros de ensino fundamental:

“Diz o vermelho: ‘perigo’

O verde: ‘pode passar’

O amarelo, nosso amigo

nos aconselha a esperar”.

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Foto: Divulgação

OS SINAIS 

Enquanto os ignorantes e ingênuos acreditam que se trata apenas do ensino das normas de trânsito às crianças, o deputado percebeu o sinal de “alerta” para o perigo comunista. Ele odeia o vermelho, que deve ser retirado das bandeiras de alguns estados brasileiros, incluindo o Amazonas. Sua substituição será pela cor laranja, que ele ama, ou o verde e o amarelo.

Consciente de que os comunistas se infiltraram até na dança do boi, o parlamentar é capaz de protocolar outro projeto, igualmente custoso, para proibir Fafá de Belém de fazer propaganda subliminar ao repetir em seu canto:

A cor do meu batuque

tem o toque vermelho,

vermelhaço, vermelhusco,

vermelhante, vermelhão.”

Projetos como esse não são casos isolados. Recentemente, em maio, dois projetos de Lei Ordinária foram aprovados por unanimidade pela Assembleia Legislativa (ALE-AM), decretando as saudações “Selva” e “A Paz do Senhor Jesus” como patrimônio cultural imaterial do Amazonas.

No caso do “vermelho”, seu autor enfrentou com bravura ofensas nas redes sociais em que foi rotulado de “imbecil”, “idiota”, “babaca” e até de “pascácio”, constrangendo os 26 funcionários de seu Gabinete.

Alguém no facebook lembrou o saudoso Stanislaw Ponte Preta, criador do FEBEAPÁ – Festival da Besteira que Assola o País, que ressuscitou para nos perguntar: Até quando o Brasil vai gastar dinheiro para zombar da nossa inteligência? Até o gado no curral vermelhar?

Quando falei do projeto para meu amigo francês Julien de Mairrá, de passagem pelo Brasil, ele pensou que se tratava de brincadeira. Inspirado no seu xará Sorel, personagem de Stendhal, exclamou:

Ouh là là! Bah dis donc! C´est pas vrai!

Oui, mon cher Julien, c´est vrai. Malheureusemente, il y a pas mal de cons au parlement brésilien.

A nossa “vingança” será que, se o projeto for aprovado, Lula o vetará usando uma caneta bic de cor vermelha. Só de pirraça.

Jose Ribamar BessaJosé Bessa Freire – Sociólogo. Professor Universitário. Jornalista. Escritor. Membro do Conselho Editorial da Revista Xapuri. Suas crônicas são pulicadas, semanalmente, em seu blog.

 

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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