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Catástrofe amazônica

Catástrofe amazônica

Mal haviam cessado os efeitos do “La Niña” e o seu reverso, o “El Niño”, começou a operar, invertendo uma situação de seca, do norte da Argentina ao Rio Grande do Sul, para a de tempestades e enchentes; enquanto que, na Amazônia e no Nordeste, as enchentes deram lugar a uma estiagem de intensidade histórica.

Por Márcio Santilli/Mídia Ninja

São fenômenos naturais, decorrentes, respectivamente, do resfriamento e aquecimento excessivo da temperatura das águas do Pacífico Equatorial, que se repetem em intervalos de quatro a sete anos. Foi no contexto de um “El Niño” que ocorreu, em 2010, a maior seca registrada na Região Norte do país. No entanto, os cientistas apontam que, em 2023, os seus efeitos estão sendo agravados pelo aquecimento anormal simultâneo das águas do Atlântico Equatorial, que inibe a formação das chuvas que avançariam pela Amazônia.

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Aquecimento das águas do Pacífico Equatorial durante ‘El Niño’, 3/10/2023 | NOAA / EUA

A temperatura média dos oceanos nunca esteve tão alta. Setembro foi o mês mais quente da história. Nas últimas semanas, o recorde de temperatura em Manaus (AM) foi batido três vezes. O efeito estufa, causado pelo excessivo acúmulo de gases poluentes na atmosfera, está agravando os impactos dos fenômenos climáticos naturais.

Falta tudo

Com o agravamento da estiagem, rios caudalosos estão se reduzindo à condição de córregos, secando lagos, dificultando a navegação e isolando cidades e comunidades. O estado de emergência foi decretado em 42 municípios amazonenses. Centenas de milhares de pessoas estão sendo afetadas. Falta comida e água potável, doentes estão desassistidos, crianças impedidas de chegar às escolas.

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Seca no Rio Amazonas, proximidades de Manaus (AM) | Cadu Gomes / VPR

Milhões de peixes estão morrendo praticamente cozidos. As águas do Lago de Tefé (AM) chegaram aos 40 graus, matando 125 botos. Agora, ele secou e já é possível atravessá-lo a pé ou de moto até a cidade vizinha de Alvarães. Comunidades foram destruídas pelo fenômeno das “terras caídas”, desbarrancamento às margens dos rios provocado por erosões. Outras transferem suas casas, com os próprios braços, para locais mais seguros.

Se a situação não se reverter nas próximas semanas, ficará comprometido o escoamento da produção industrial da Zona Franca de Manaus, o que deve afetar os estoques de eletroeletrônicos para as vendas de natal em outras cidades do país.

Porém, os cientistas preveem que a influência deste “El Niño” vai se estender até meados de 2024, determinando um menor volume no próximo período de chuvas, até a próxima estiagem. Assim, é improvável que a natureza recomponha-se em menos de dois anos, prolongando o sofrimento da população. Por exemplo, como ficarão as milhares de pessoas que vivem da pesca e já estão sendo duramente afetadas?

Falta de visão

Os dirigentes políticos dos estados mais afetados pela seca constatam os seus efeitos imediatos e são instados pela população a reagir. Não dispondo de qualquer estratégia para enfrentar a crise climática, tentam responsabilizar o governo federal, usando como mote as condições intrafegáveis da BR-319, que liga Porto Velho (RO) a Manaus (AM).

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Rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho) precisaria ser reasfaltada para tornar-se transitável, mas projeto deve abrir nova frente de desmatamento em região conservada da Amazônia | Wikipedia

O foco dessa manipulação é o Ministério do Meio Ambiente, que condiciona a inclusão da pavimentação da rodovia no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), que define as prioridades de investimentos em infraestrutura, a medidas de controle do desmatamento e de apoio ao desenvolvimento regional sustentável. Mas a estrada está deteriorada há muitos anos e as obras, em trechos já licenciados, estão paradas devido à má gestão de recursos orçamentários.

Além disso, o óbvio: mesmo que as obras fossem imediatamente retomadas, a sua conclusão exigiria mais tempo do que a duração prevista para o atual “El Niño”. Significa que, independentemente do seu mérito, a discussão sobre a BR-319 não cabe na definição de medidas emergenciais para enfrentar a estiagem em curso.

A dissimulação talvez permita aos dirigentes regionais enganar o seu público por mais algum tempo. Mas é uma atitude que passa ao largo dos problemas, das suas causas, do seu enfrentamento, enquanto os seus autores passam recibo de ignorantes e alienados. O negacionismo de conveniência sofre com o impacto da estiagem.

Fonte: Mídia Ninja      Imagens internas acompanham matéria      Capa: Greenpeace


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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