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Faixa de Gaza: a fábrica de mortos em série

Faixa de Gaza: a fábrica de mortos em série

“Guerra é isso. A gente volta de lá mais bicho do que gente” (Paulo de Mello Bastos. Tauã. 2003).

Por José Ribamar Freire/Taquiprati

Sirenes costumam tocar para indicar o horário do início de mais um dia de trabalho nas fábricas e nos canteiros de obras. O apito alto e agudo chama os trabalhadores. O formigueiro humano se dirige à linha de montagem. Mas essa é uma indústria sinistra, uma fábrica de mortos em série da Faixa de Gaza, que usa corpos vivos de civis como matéria prima em sua linha de produção em massa. O produto final manufaturado são cadáveres, entre outros, de crianças e jovens inocentes.  

A indústria da morte evidencia que no sistema capitalista esgotado, “as forças produtivas da humanidade pararam de crescer” – como profetizou Leon Trotsky no Programa de Transição aprovado, em 1938, no Congresso de fundação da IV Internacional Socialista, em Paris. Novos progressos técnicos, usados pela indústria bélica para matar, causar sofrimento e privações, não conduzem mais ao crescimento da riqueza material e do bem-estar coletivo.

Indústria da morte

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Quando a forma como a sociedade está organizada já não corresponde mais ao nível das forças produtivas em contínuo avanço, esse é o sinal da agonia de um sistema socioeconômico. Foi assim com as sociedades escravista e feudal e agora com a capitalista, que depende cada vez mais da indústria armamentista trilionária para prolongar sua existência.

Neste caso, as forças produtivas são transformadas em forças destrutivas da humanidade, que matam em série. Segundo relatório do Instituto Internacional de Estudos para a Paz (SIPRI) de Estocolmo, os gastos militares globais, que atingiram níveis recordes, ultrapassaram a marca de US$ 2 trilhões de dólares só no ano de 2021, o equivalente a R$ 10 trilhões de reais.

Nos últimos 85 anos, da fundação da IV Internacional aos dias atuais, se estima em mais de 150 trilhões de dólares o gasto com armas, munições, equipamentos e tecnologia militar, o que  acabaria com a fome e a desigualdade social no planeta se fosse aplicado na indústria da paz.

O mundo mudou, mas em certos aspectos o Programa de Transição guarda uma atualidade espantosa, não pelas tarefas que propõe ao movimento revolucionário, mas porque cantou a pedra, antecipando o que ocorre hoje. Menciona a “catástrofe econômica e militar”, o “incêndio mundial” com “conflitos e explosões sangrentas” cada vez mais frequentes e as “tendências destrutivas e degradantes do capitalismo decadente”.

O desemprego cresce, a crise financeira do Estado mina o sistema monetário e desestrutura os governos tanto democráticos como fascistas – diz o Programacuja atualização só precisa acrescentar que as forças destrutivas não exterminam unicamente seres humanos, mas em nome do lucro depredam o meio ambiente, tocam fogo nas florestas, extinguem espécies animais e vegetais, contaminam os rios, poluem o ar que respiramos. Que o diga Manaus, que respira fumaça 24 horas por dia.

Terrorismo de Estado

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As mortes causadas pelas ações condenáveis do grupo Hamas, que não representa o povo palestino, desencadearam um terrorismo do estado de Israel, com mortes em série da população civil. Até a invasão da Ucrânia por tropas enviadas por Putin ficaram em segundo plano, assim como as mortes diárias de crianças e jovens, quase sempre negros, em várias cidades do Brasil.   

Na Faixa de Gaza, a escalada de assassinatos em massa é dirigida pelo primeiro ministro de Israel,  Benjamin Netanyahu, réu criminal, envolvido em escândalos de corrupção, subornos e fraudes. Ele e sua esposa Sara receberam joias – êpa, de quem a gente lembra? – e outros presentes avaliados em R$198.000,00 em troca de favores a empresários. Ambos passaram a ser investigados pela Polícia de Israel a partir de  2016 e foram denunciados oficialmente em novembro de 2019.

No interrogatório policial sobre um dos três casos de corrupção, Netanyahu disse aos investigadores: “Isto é confidencial, não deixem que ninguém saiba disso, está bem?” (Êpa, outra lembrança). Depois disso, apresentou projeto de lei de reforma do Poder Judiciário, já aprovada pelo Parlamento dominado pelo Great Center, que agora pode rejeitar decisões da Suprema Corte com maioria simples de deputados.

Milhares de israelitas saíram às ruas para protestar contra tal decisão, a polícia usou canhões de água, baixou o cacete e efetuou dezenas de prisões de cidadãos que defendiam a democracia, o Estado de Direito e  a separação de Poderes. A luta contra o criminoso de guerra Netanyahu não é só dos palestinos, mas da parte sadia do povo israelita que faz parte do movimento anti-sionista.

Fipilhopó da putapá

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São conhecidas as frases atribuídas a Albert Einstein sobre a guerra, por ele considerada como “o que existe de mais desprezível no mundo”. O exército,  “câncer da civilização deveria desaparecer o mais rápido possível. O militarismo é uma nódoa nas grandes realizações da civilização moderna. Heroísmo encomendado, violência regulamentada, patriotismo arrogante tornam vil e abominável qualquer guerra”.

Essa guerra, com massacre hediondo da população civil da Faixa de Gaza, tem seus soldados nas trincheiras da mídia, cuja cobertura, com raras exceções, reproduz a fala oficial. Alguns voltam para pedir desculpas como a repórter da CNN, Sara Sidner, que viralizou a fake news de bebês decapitados pelo Hamas. Ela reconheceu que Israel não confirmou o relato, lamentou e assumiu que deveria ter sido mais cuidadosa com as suas palavras.

Ataque de Israel se transforma em legítima defesa. Até agora, Jorge Pontual, Eliane Cantanhede e Guga Chacra da Globo News não se desculparam. Para Pontual, o pedido de cessar fogo humanitário em Gaza e a liberação de todos os reféns por parte do Hamas, prejudicava o direito de defesa de Israel. Guga Chacra disse que ao Hamas interessava o massacre de palestinos, porque assim podiam posar de vítimas. E Lili Cantanhede avaliou que o governo Lula sofreu derrota com a não aprovação do cessar-fogo.  

É verdade que nenhum deles agradeceu ao prefeito de Sorocaba, Rodrigo Manga, pela repatriação dos brasileiros ordenado por Lula, ao impedir o uso de matéria-prima verde amarela na fábrica de mortos. Mas também não disseram que Netanyahu é, na avaliação do bairro de Aparecida em Manaus. um fipilhopó daputapá.

– Só as bestas vão pra guerra morrer e os sabidos ficam longe, vendendo tudo caro e enricando – diz o personagem que lutou na Guerra do Paraguai descrito no romance Tauã de Paulo de Mello Bastos (1918-2019) Não haveria guerra se os que decidem fazê-la fossem para a linha de frente.

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Muita gente está envergonhada de pertencer à mesma espécie humana dos criminosos de guerra, diante das atrocidades cometidas, ironicamente, na Terra Santa, berço de um menino que há mais de dois mil anos pregava a paz. Além das mortes de inocentes, o dano maior é que a guerra brutaliza e desumaniza os que dela participam. Sequestra sua humanidade. Transforma assassinos em heróis. 

Vida que segue. Segue? Para quem? Para onde? Qual vida?

P.S. Que Ana, Maia, Vivi, João e Letícia, aniversariantes, possam viver num mundo melhor que o encontrado por seus avós.

 

Jose Ribamar BessaJosé Ribamar Freire – Indigenista. Cronista. Professor. Membro do Conselho Editorial da Revista Xapuri. Matéria publicada em Taquiprati.

 
 
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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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