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Aos 35 anos, Projeto Reca é um oásis na sofrida Zona Amacro

PROJETO RECA: UM OÁSIS NA SOFRIDA ZONA AMACRO

Aos 35 anos, Projeto Reca é um oásis na sofrida Zona Amacro

Localizado numa das regiões mais pressionadas pelo agronegócio e sobrevivendo com muita garra, o Projeto RECA completa 35 anos com trezentas famílias cooperadas. Com práticas sustentáveis, a iniciativa proporciona valor e mercado à produção

Por Montezuma Cruz, dos varadouros de Porto Velho

Sem agredir o ambiente, o Projeto RECA (Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado) comemora a resistência da agricultura familiar para o fomento de políticas públicas no distrito de Nova Califórnia, em Porto Velho. Esse momento especial coincide com a expansão desenfreada do plantio de grãos em Rondônia e no Acre, e sob as consequências do maior fumaceiro de queimadas ardendo no ar irrespirável da Amazônia Ocidental Brasileira.

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Sábado, 24 de agosto de 2024: famílias de produtores comemoram a vida do RECA, o mais famoso projeto de reflorestamento econômico da região norte brasileira (Fotos Marcos Jorge Dias)

Os plantios no modelo dos Sistemas Agroflorestais (SAFs) resultam em mais de 40 espécies de árvores e plantas frutíferas a espécies de madeira e medicinais. É uma notável diversidade: bacaba, copaíba, sangue de dragão, rambotã, seringa e outras espécies. Da mesma forma, destaca-se no conhecimento do público consumidor, em menor proporção: abacaxi, acerola, doces, geleias, goiabas, licores e mel.

Na Ponta do Abunã, a vila Nova Califórnia situa-se na área que pode ser chamada “coração da Zona Amacro”, a conturbada tríplice divisa entre os estados do Acre, Rondônia e Amazonas.

Ao norte está o município amazonense de Lábrea, a oeste Acrelândia e ao sul a Bolívia. Junto com as vilas Extrema e Vista Alegre do Abunã constitui um conjunto de pequenos distritos da Capital rondoniense.

A intensa atividade do agronegócio torna a região uma das mais impactadas pelo desmatamento, as queimadas e os conflitos fundiários.

Em meio a um ambiente conflagrado, os agricultores familiares e extrativistas do Projeto RECA resistem mostrando que é possível, sim, manter uma produção agrícola sustentável na Amazônia. Com a recuperação de áreas degradadas e a adoção de SAFs, as famílias agregam valor à sua produção e protegem os roçados contra os efeitos das mudanças climáticas.

Sábado, 24 de agosto de 2024: famílias de produtores comemoram a vida do RECA, o mais famoso projeto de reflorestamento econômico da região norte brasileira (Fotos Marcos Jorge Dias)

Do Acre e de Rondônia até o Rio de Janeiro, alguns mercados já sabem de onde vem o melhor palmito, por exemplo. É o que se vê no Mercado Municipal de Campo Grande (MS), onde os produtos Reca são tão procurados quanto os da Colônia Jamic, tradicional fornecedora regional.

O projeto reúne atualmente trezentas famílias distribuídas em dez grupos de cooperados com ativa participação no plantio, colheita e negócios. A representação dos grupos respeita a liderança e coordenação perlas pessoas, com revezamento a cada dois anos.

Nesse lugar, a conservação ambiental há tempos se tornou a regra número um para pequenos produtores conscientes e cooperativados.

Sérgio Lopes, fundador e produtor, celebra a organização: “O grande sucesso do Reca se dá pela interatividade e pela ocupação do solo (mil hectares) sem impactar a natureza; as pessoas deram conta de fazer a união da ocupação produtiva e empresarial”, ele diz ao Varadouro.

“Tanto funcionou, deu tão certo que não conseguimos atender a todos os contratos de vendas de produtos tão nobres”, assinala Lopes.

“O cupuaçu é um exemplo: obtemos duas mil toneladas por safra, e dele extraímos a manteiga; a linha artesanal de licores e remédios também se destaca.”

No Projeto Reca evitou-se o caos destruidor de terras vizinhas que cederam à expansão da pecuária e da soja. Tudo com inteligência, sem o risco da destrambelhada expansão da monocultura que caracteriza os grãos destinados à exportação. Este é o triste exemplo da antítese do que se faz no Reca, onde a opção pelo extrativismo deu oportunidade de ascensão social a centenas de pessoas.

A Secretaria Estadual de Agricultura em Rondônia possui Câmaras Técnicas do leite, café, carne e de grãos, mas, incrivelmente, nunca decidiu criar a Câmara do Extrativismo. Com isso, perde a cada ano nos segmentos de castanha e do látex.

 

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Projeto Reca, localizado no coração da Zona Amacro, viabiliza uma produção agrícola de base familiar com a preservação da Floresta Amazônica (Foto: Gleilson Miranda)

PARCERIAS, A GRANDE ALAVANCA

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Júlia Feitoza Dias, de Rio Branco, participou da alegria dos 35 anos do projeto (Foto Jaycelene Brasil)

Não muito distante dali, ao lado de uma rodovia estadual que liga Candeias do Jamari e Itapuã do Oeste ao distrito de Triunfo, uma imensa área de floresta nativa foi derrubada em 2021, abrindo-se no chão arado uma imensidão de soja.

Segundo Lopes, o RECA desenvolveu diversos projetos com parceiros nacionais e internacionais.

“São parcerias, geralmente técnicas, que proporcionam capacitação para melhoria do manejo de SAFs, formação técnica das famílias de agricultores, educação para as crianças, certificações e comercialização.

Tamanha fortaleza de resultados trouxe à região nestes 35 anos de existência visitantes do Brasil e do mundo, desde estudantes de diversos países. “Vieram pesquisar para suas teses acadêmicas de mestrado e doutorado”, diz Lopes.

 

 

 

 

 

 

 

 

QUAL A MISSÃO DO RECA? 

“Ser uma organização social, produtiva e de base familiar comunitária, referência pelo seu jeito de caminhar solidário que promove a sustentabilidade e o bem viver respeitando a sociobiodiversidade da Amazônia. Contribuindo para uma sociedade mais humana e justa.”

Ao longo dos anos, o projeto trouxe para Nova Califórnia o apoio dos seguintes parceiros:

Amigos da Terra
Agência de Cooperação Técnica do Governo Alemão (GIZ)
Banco do Brasil e
Comissão Pastoral da Terra (CPT)
Comitê Católico Contra Fome para o Desenvolvimento no Mundo (CCFD)
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Acre)
Grupo de Pesquisa e Extensão dos Sistemas Agroflorestais do Acre (Pesacre)
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
Movimento Leigo para América Latina (MLA), da Itália
Ministério do Meio Ambiente
Projeto de Desenvolvimento da Amazônia (PDA)

O RECA também se consolida pela incorporação da experiência e dedicação de famílias de agricultores migrantes vindas de diversos municípios brasileiros.

No começo, em 1989, faltava infraestrutura, amparo às famílias pioneiras, quase todas vítimas da malária que incluiu alguns lugares de Rondônia entre os maiores surtos da doença no mundo. Os índices de Ariquemes e Jaru, por exemplo, comparavam-se aos de países africanos.

PRIMEIROS 200 HECTARES

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Bernadete e Sérgio Lopes, fundadores do RECA e também produtores comunitários (Foto Marcos Jorge Dias)

Nos 35 anos, o projeto traz à memória o trabalho de Dom Moacyr Grechi, falecido bispo da antiga Prelazia Acre Purus e arcebispo diocesano de Porto Velho.

A ideia foi levada para ele e sua aceitação possibilitou rapidamente os primeiros passos. “Dom Moacyr nos colocou em contato com o Centro de Estatística Religiosa e Investigação Social, no Rio de Janeiro, e recebemos ajuda na reformulação”, conta Lopes.

Graças ao bispo, o projeto entendeu-se com a instituição católica holandesa CEBEMO (para cofinanciamento de programas de desenvolvimento), e a proposta fora aprovada. Atualmente, a também holandesa Cordaid (organização de ajuda emergencial) dá seu apoio.

E assim foram cultivados os primeiros duzentos hectares de castanha, cupuaçu e pupunha. “Hoje produzimos frutos o ano inteiro”, informa Lopes.

“Com o crescimento das famílias nos sentimos em casa em Nova Califórnia; respeitamos a Amazônia, e isso nos garante a produção o ano todo e a preservação da biodiversidade”, ele acrescenta.

“Ao conhecer o Projeto e a cidade de Nova Califórnia pude instalar uma agência do Beron naquela localidade; na visita, aprendi a respeitar o RECA por sua envergadura social, ambiental e econômica”, lembra-se o ex-presidente do extinto Banco do Estado de Rondônia, Paulo Saldanha.

 

PRODUÇÃO

Processamento de mais de dois milhões de quilos de frutos:

∎ Mais de 450 mil quilos de polpa de cupuaçu
∎ Mais de 180 mil quilos de polpa de açaí
∎ Mais de 100 mil quilos de amêndoas secas de castanha-do-brasil
∎ 10 mil quilos de óleo de castanha-do-brasil
∎ 120 mil quilos de amêndoas de cupuaçu fermentadas e secas
∎ 40 mil quilos de manteiga de cupuaçu
∎ Cerca de 90 mil quilos de palmito de pupunha em conserva
∎ Mais de 30 mil quilos de sementes de pupunha lisa tratadas
∎ Mais 2 mil quilos de óleo de andiroba

CONTATO

Fale com o RECA:
Telefone 1: +55 (69) 3253-1007
Telefone 2: +55 (69) 3253-1046
E-mail: projetoreca@yahoo.com.br
WhatsApp: +55 (69) 98471-0234
Youtube: Projeto Reca

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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