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Francisco Doratioto: Um historiador e os rios

Francisco Doratioto: Um historiador e os rios – Desde criança até a idade adulta, Francisco banhava e arriscava fisgar algum peixe no rio Atibaia, que banha a cidade do mesmo nome, no interior de São Paulo, onde ele nasceu e cresceu. O Atibaia é formador do Piracicaba, que desagua no Tietê, que por sua vez vai bater no Paraná e este ajuda a formar o Rio da Prata, que separa a Argentina do Uruguai até desembocar no Oceano Atlântico

Por Jaime Sautchuk

Pode ser coincidência, mas as águas do Atibaia devem ter contaminado o menino Francisco Fernando Monteoliva Doratioto, que ao virar historiador adotou a História do Rio da Prata como uma de suas três linhas de pesquisa. Na prática, ele dedica sua vida acadêmica ao estudo das muitas histórias dos países da Bacia do Prata e das relações do Brasil com esses vizinhos do Cone Sul.

Dentre os vários trabalhos que já publicou em livro, Francisco Doratioto, como ele é conhecido, pode se orgulhar de ser o autor de um clássico da historiografia nacional. Falo de Maldita Guerra – Nova história da Guerra do Paraguai, obra tida como um marco divisório do entendimento que se tem desse conflito que marcou fundo a História dos países envolvidos, em especial a do Paraguai, o grande perdedor.

Em verdade, a obra foi uma encomenda da editora Companhia das Letras, que conhecia suas pesquisas sobre a região, suas andanças por aquelas águas. Antes, em 1996, ele havia publicado O conflito com o Paraguai: a grande guerra do Brasil (São Paulo, Ática), que dava uma amostra de um novo tratamento desse imbricado tema.

Em outras obras, Doratioto já abordava as relações do Brasil com o Paraguai em diferentes tempos, antes e depois da guerra. Esse foi, aliás, o tema de suas teses de mestrado e doutorado. A primeira se referia ao período do Império (1822–1889), englobando os anos do conflito armado e seu rescaldo, e a segunda ao da República Velha (1889–1930).

Ele sempre fez questão de realçar a possibilidade (ou necessidade) de reconstrução da paz e da amizade entre os povos após períodos belicosos. Cita, com exemplo, as europas que renasceram depois das duas guerras mundiais.

Sobre isso, ele afirma:

– Penso no que ocorreu na Europa, onde Alemanha e França preocuparam-se em entender a I e da II Guerra Mundial a partir da metodologia histórica e não de um nacionalismo pernicioso, mostrando o sofrimento de suas populações e seus soldados e as consequências dessas guerras. Também para nós, na América Meridional, a Guerra do Paraguai deve ser motivo de reflexão que nos permita superar preconceitos e avançar no processo de conhecimento mútuo e de integração regional.

Talvez por essa razão, depois de morar uns tempos na Suíça, na década de 1990, ele se mudou de mala e cuia pra Assunção, a capital de um país amigo chamado Paraguai. Lá, vasculhava arquivos, conversava com pessoas entendidas nos assuntos relacionados às suas pesquisas e formava laços profissionais e de amizade, muitos dos quais mantém até hoje. É membro da Academia Paraguaya de la Historia, por exemplo.

No Brasil, suas pesquisas sempre fluíram com tranquilidade, mesmo nos arquivos militares, que já estavam depositados no Arquivo Nacional, na Biblioteca Nacional e no Instituto Histórico e Geográfico. Estranhamente, porém, foi na abertura das gavetas do Itamaraty que ele encontrou dificuldades, pois foi negado acesso a uma área intitulada “Guerra do Paraguai”.

No final dos anos 1990, esses arquivos foram enfim liberados a pesquisadores. Mas, Doratioto ressalva:

– Pedi e obtive, então, acesso a esse arquivo e fiquei decepcionado, pois não tinha nenhum documento inédito, exceto algumas cartas de Solano López sobre as condições de saúde da tropa paraguaia. É um mistério o motivo porque esse arquivo foi mantido secreto, gerando especulações sobre que informações explosivas ele conteria.

Pra chegar a esse ponto, foi um longo e duro caminho. Filho único de família de vida modesta, ele teve que trabalhar desde muito cedo, num pequeno empório que seus pais mantinham na periferia de Atibaia. Saiu de casa aos 18 anos, pra prosseguir os estudos na capital. Passou no vestibular da Universidade de São Paulo (USP), mas ao mesmo tempo trabalhava pra se sustentar.

Logo no segundo ano da graduação, por concurso, virou escriturário do Instituto de Oceanografia da própria USP. Dois anos depois, resolveu encarar outras salas de aula, como professor do primeiro e segundo graus em escolas paulistanas.

Nas USP, ele fez dois cursos de graduação (História e Ciências Sociais) e alguns depois, em 1986, transferiu-se pra Brasília, de onde nunca mais arredou pé. A principal razão da mudança foi o fato de a Universidade de Brasília (UnB) ser a única que tinha mestrado em História da Política Externa do Brasil. Ali mesmo fez doutorado e então voltou à condição de professor, mas da Universidade Católica (PUC) da capital federal.

Nesse meio tempo, casou-se com uma funcionária de carreira do Ministério das Relações Exteriores, com quem vive ainda hoje. Tiveram dois filhos, já adultos e já encaminhados na vida, um formado em Administração de Empresas, outro, em Direito.

De volta à UnB, agora como professor, atualmente Doratioto dá aulas de História da América e História das Relações Internacionais do Brasil, em cursos de pós-graduação. Ministra essas mesmas disciplinas no curso de formação de diplomatas do Instituto Rio Branco, do Itamaraty.

Ao completar 60 anos de idade, ele prepara mais um livro, de novo sobre o Paraguai, mas desta vez sobre a ditadura do general Alfredo Stroessner, que durou 35 anos (1954 a 1989).

Ele diz que não pretende sair de Brasília, mas, caso tivesse que escolher outro lugar pra morar, optaria por algum estado do Sul, região que mais o atrai. Quem sabe em alguma cidade às margens dos rios Iguaçu ou Uruguai, ambos da Bacia do Prata.

Jaime Sautchuk
Jornalista. Escritor


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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