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KEVIN CARTER: A HISTÓRIA POR TRÁS DE UMA FOTOGRAFIA

Kevin Carter: A história por trás de uma fotografia

A imagem abaixo foi registrada em março de 1993, na aldeia de Ayod, distrito do Estado de Junqali, Sudão do Sul, num centro de alimentação da ONU na África e se chama “Waiting game for sudanese child” (Jogo de espera para crianças sudanesas) e feita pelo fotojornalista Kevin Carter, onde mostra a figura esquelética de um pequeno menino, totalmente desnutrido, vergando-se sobre a terra, esgotado pela fome, enquanto em segundo plano, a figura negra e expectante de um abutre, aguardando a morte da criança.

Na época o Sudão estava arrasado por uma longa guerra civil. Provavelmente você já viu esta fotografia, mas talvez não conheça a história por trás dela. Uma história tão forte e polêmica que prejudicou a carreira do fotógrafo, que passou a ser julgado como desumano.

Kevin Carter relatou que tirou a foto porque esse era o seu “trabalho” e que esperou por cerca de 20 minutos, para que o abutre presente na cena abrisse as asas e assim, a imagem ficaria mais dramática, e os jornais adoravam isso. No fim, ele acabou desistindo e registrou a imagem como a conhecemos, depois disso levantou-se e espantou o animal de perto da criança, que estava ali apenas descansando, aguardando seus pais que tinham ido buscar comida que a ONU estava distribuindo.

Carter sempre desmentiu que se aproveitou da situação, destacando que a criança, Kong Nyong, foi para um abrigo em segurança logo depois do registro. De fato, na foto é possível ver a pulseira de plástico com a inscrição T3 que era usada pela ONU nos lugares onde assistia e alimentava crianças desnutridas. Este fato desmente o mito de que o fotógrafo sul-africano teria abandonado o menor a própria sorte. Mas sim, indiscutivelmente, a cena é chocante! E essa fotografia provou ao mundo a capacidade que se tem de acabar com a vida de uma pessoa. Carter sofreu infinitas críticas e muita pressão da sociedade por conta do registro que fez, ao ponto de ficar atordoado pelo próprio trabalho.

A foto foi vendida para o The New York Times, e publicada pela primeira vez em 26 de março de 1993 e repassada para muitos outros jornais ao redor do mundo. Centenas de pessoas entraram em contato com o Times para perguntar sobre o destino do menino. O jornal informou que não se sabia se o garoto tinha conseguido chegar ao centro da alimentação, porque não tinham maiores informações sobre a fotografia. Na época, o jornal St. Petersburg Times, da Flórida, disse sobre Carter:

O homem ajustando suas lentes para capturar o enquadramento exato daquele sofrimento poderia muito bem ser um predador, um outro urubu na cena.

O que a maioria não sabe é que toda a carreira de Carter foi marcada por imagens pesadas, mesmo assim essa da criança foi a que mais mexeu com sua consciência. O resultado disso tudo foi o suicídio.

kevin carter foto dele mesmo

Em julho de 1994 (pouco mais de dois meses após ter ganho o prêmio Pulitzer de Fotojornalismo pela fotografia), Carter com 33 anos, suicidou-se com monóxido de , dentro de seu próprio carro. Provando o peso que carregava dentro de si, escreveu um recado pouco antes de definir seu triste destino:

Estou deprimido … sem telefone … dinheiro para o aluguel … dinheiro para sustentar as crianças … dinheiro para dívidas … dinheiro! … Estou assombrado pelas vívidas memórias de mortes e cadáveres, de raiva e dor … de morrer de fome ou de crianças feridas, de loucos com dedos no gatilho, muitas vezes policiais, carrascos assassinos … eu tinha que ter ido junto com Ken (Ken Oosterbroek, seu colega fotógrafo que havia falecido há pouco tempo) se eu tivesse a mesma sorte.”

Sua história é retratada no filme de 2010 “The Bang Bang Club”, no (Repórteres de Guerra), onde Carter, foi interpretado pelo ator Taylor Kitsch. Carter era um dos integrantes do chamado Bang-Bang Club, um grupo de quatro amigos, fotojornalistas que se dedicavam a expor ao mundo, o brutal regime do apartheid sul-africano. Em meados dos anos 80, Carter foi o primeiro a fotografar uma execução pública conhecida como necklacing na África do Sul, que é a prática de execução sumária e tortura com um pneu, cheio de gasolina em torno do peito e dos braços da vítima e ateá-lo ao fogo, e ao longo da sua carreira vivenciou incontáveis episódios de em teatros de guerra e de desastre humanitário.

João Silva, um fotojornalista português que mora na África do Sul e que acompanhou Carter no Sudão, deu sua versão para os acontecimentos em uma entrevista com o jornalista e escritor japonês Akio Fujiwara, que depois publicou o livro “The boy who became a postcard” (O Menino que se tornou um cartão-postal).

kevin Carter fotografando na Africa do SulKevin Carter fotografando na África do Sul

De acordo com Silva, Carter e ele viajaram ao Sudão com as Nações Unidas durante a Operação Lifeline Sudan e chegaram ao sudeste do país (atual Sudão do Sul) em 11 de março de 1993. Os oficiais da ONU lhes disseram que iriam parar por 30 minutos (o tempo necessário para distribuir alimentos), de modo que os dois aproveitaram para olhar ao redor e tirar fotos. A ONU começou a distribuir milho e as mulheres da aldeia saíram de suas cabanas de madeira para chegar ao avião. Silva foi à procura de guerrilheiros, enquanto Carter saiu de não mais do que algumas dezenas de metros de perto da aeronave.

Ainda de acordo com Silva, Carter estava muito chocado, pois era a primeira vez que ele tinha visto uma situação de fome extrema e que por isso tirou muitas fotografias das crianças famintas no local. Silva também começou a tirar fotos das crianças no chão, como se estivessem chorando, que não foram publicadas. Os pais das crianças estavam ocupados pegando a comida do avião da ONU, de modo que deixaram seus filhos sozinhos por pouco tempo, enquanto recolhiam os alimentos doados. Esta era a situação do menino registrado na foto de Carter. Um abutre então pousou atrás do garoto. Para ter os dois em foco, Carter se aproximou da cena muito lentamente para não assustar a ave e tirou uma foto a aproximadamente 10 metros de distância. Ele então tirou mais algumas fotos antes de espantar o pássaro.

Dois fotógrafos espanhóis que estavam na mesma área naquela época, José María Luis Arenzana e Luis Davilla, e que não conheciam Carter, mas que viram ele registrando a cena, também tiraram fotos em situação similar.

Kevin Carter Rebecca Hearfield photographing Kevin CarterRebecca Hearfield fotografando Kevin Carter.

 


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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