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Mulheres Indígenas: Ro’Otsitsina Xavante conta como elas estão se organizando para combater o machismo nas aldeias

Porta-voz do movimento das mulheres indígenas, Ro’Otsitsina Xavante conta como elas estão se organizando para combater o machismo nas aldeias

Dizer que nós mulheres indígenas não enfrentamos violência de gênero é mentira.”

Por: Marina Rossi – elpais

Mulheres indígenas de todo o país sairão em marcha pela primeira vez para chamar a atenção para questões de gênero de seus povos. A decisão foi tomada durante o Acampamento Terra Livre, que terminou na última sexta-feira na capital federal. Elas se juntarão à Marcha das Margaridas, manifestação anual que ocorre todo o mês de agosto em Brasília, liderada por trabalhadoras rurais. “Queremos compor com as Margaridas para mostrar aliança”, contou Ro’Otsitsina Xavante, que, na diversidade do movimento de mulheres indígenas, é uma de suas porta vozes.

Pergunta. Essa será a primeira marcha das mulheres indígenas?

Resposta. Aqui no Brasil, que eu saiba, nunca teve uma marcha. Mas existem várias organizações de mulheres indígenas. Aqui tem a Associação das Guerreiras Indígenas de Rondônia, tem a União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira, tem o Movimento de Mulheres do

P. E quais são as questões pertinentes às mulheres indígenas? O que diferencia o movimento das mulheres do movimento indígena de maneira geral?

R. Algumas organizações de mulheres indígenas, como a Associação das Guerreiras Indígenas de Rondônia, que eu tenho acompanhado, têm como pauta não somente o que já tem no movimento misto, entre homens e mulheres, que é a defesa do território, o direito à saúde e à educação, mas também as especificidades. Por exemplo, a saúde da mulher tem muitas particularidades. Não é só mulher na questão do gênero, mas da mulher desde quando ela é menina, passando pela puberdade. A educação é uma questão em comum com o movimento misto, mas dependendo do povo, pode trazer questões específicas também. Por exemplo, tem povos onde as mulheres casam cedo, com 15, 16 anos. E nem todas permanecem na escola depois que casam. Não que seja proibido estudar, mas porque elas não conseguem conciliar o estudo com a casa e a família. Então como fazer com que essa jovem mulher indígena perceba que ela tem capacidade para fazer tudo? É difícil, mas é o melhor para ela e para a família.

P. Falando sobre casamento de meninas e adolescentes, como conciliar as pautas feministas respeitando os costumes de cada povo?

R. Para nós xavante, por exemplo, o que delimita a idade não é a fase de adolescência como está no Estatuto da Criança e do Adolescente. Se você chegar na minha comunidade e vir uma menina de 14 anos, você pode achar que ela é uma menina, uma adolescente, mas para nós ela já é uma jovem. A gente se divide por grupos etários, que mudam a cada cinco anos. Ninguém vai perguntar quantos anos você tem, mas sim qual o seu grupo etário. Os meninos, por exemplo, quando são eles não têm a orelha furada, depois eles ficam em uma casa de reclusão e é quando tem a perfuração da orelha. Depois disso, não são mais meninos, tampouco adolescentes. São homens. Então ao menos no meu povo, não temos essa classificação de adolescentes.

Mulheres indígenas de todo o país sairão em marcha pela primeira vez para chamar a atenção para questões de gênero de seus povos. A decisão foi tomada durante o Acampamento Terra Livre, que terminou na última sexta-feira na capital federal. Elas se juntarão à Marcha das Margaridas, manifestação anual que ocorre todo o mês de agosto em Brasília, liderada por trabalhadoras rurais. “Queremos compor com as Margaridas para mostrar aliança”, contou Ro’Otsitsina Xavante, que, na diversidade do movimento de mulheres indígenas, é uma de suas porta vozes.

Durante o acampamento, as “parentas”, como elas chamam umas às outras, realizaram uma plenária para debater suas principais demandas. Organizaram-se separadamente por região do país e levaram, ao final, as pautas que pretendem defender. Temas pertinentes ao movimento indígena em geral, como a luta pela proteção e manutenção dos territórios e do meio ambiente, saúde e educação foram consenso entre as regiões e etnias. Já a questão da violência de gênero é uma bandeira que começou a ser fincada, ainda que de maneira mais tímida. “Nós mulheres não somos parte do povo, nós somos o povo”, afirmou Ro’Otsitsina. “Então, violando uma menina, violando uma mulher, você está violando o povo”. Confira os principais trechos da entrevista feita durante o acampamento:

Pergunta. Essa será a primeira marcha das mulheres indígenas?

Resposta. Aqui no Brasil, que eu saiba, nunca teve uma marcha. Mas existem várias organizações de mulheres indígenas. Aqui tem a Associação das Guerreiras Indígenas de Rondônia, tem a União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira, tem o Movimento de Mulheres do Xingu…

P. E quais são as questões pertinentes às mulheres indígenas? O que diferencia o movimento das mulheres do movimento indígena de maneira geral?

R. Algumas organizações de mulheres indígenas, como a Associação das Guerreiras Indígenas de Rondônia, que eu tenho acompanhado, têm como pauta não somente o que já tem no movimento misto, entre homens e mulheres, que é a defesa do território, o direito à saúde e à educação, mas também as especificidades. Por exemplo, a saúde da mulher tem muitas particularidades. Não é só mulher na questão do gênero, mas da mulher desde quando ela é menina, passando pela puberdade. A educação é uma questão em comum com o movimento misto, mas dependendo do povo, pode trazer questões específicas também. Por exemplo, tem povos onde as mulheres casam cedo, com 15, 16 anos. E nem todas permanecem na escola depois que casam. Não que seja proibido estudar, mas porque elas não conseguem conciliar o estudo com a casa e a família. Então como fazer com que essa jovem mulher indígena perceba que ela tem capacidade para fazer tudo? É difícil, mas é o melhor para ela e para a família.

P. Falando sobre casamento de meninas e adolescentes, como conciliar as pautas feministas respeitando os costumes de cada povo?

R. Para nós xavante, por exemplo, o que delimita a idade não é a fase de adolescência como está no Estatuto da Criança e do Adolescente. Se você chegar na minha comunidade e vir uma menina de 14 anos, você pode achar que ela é uma menina, uma adolescente, mas para nós ela já é uma jovem. A gente se divide por grupos etários, que mudam a cada cinco anos. Ninguém vai perguntar quantos anos você tem, mas sim qual o seu grupo etário. Os meninos, por exemplo, quando são crianças eles não têm a orelha furada, depois eles ficam em uma casa de reclusão e é quando tem a perfuração da orelha. Depois disso, não são mais meninos, tampouco adolescentes. São homens. Então ao menos no meu povo, não temos essa classificação de adolescentes.

Mulheres indígenas de várias etnias na plenária do Acampamento Terra Livre.
Mulheres indígenas de várias etnias na plenária do Acampamento Terra Livre. L. LANDAU

P. A violência de gênero é uma pauta para as mulheres indígenas?

R. Sim. Dizer que nós mulheres indígenas não enfrentamos violência é mentira. Sim, existe, só que às vezes é uma violência velada. Às vezes camuflada pela própria mulher, às vezes pela família, ou pela liderança. Alguns povos ou algumas organizações de mulheres indígenas conseguem debater com mais consciência. Mas tem povos onde esse assunto é visto como tabu. Uma vez eu escutei uma fala de Elisa Pankararu, uma parente de Pernambuco, e ela falou “violência não foi deixada pelos meus ancestrais. Violência não é uma herança. Isso não pode ser visto como algo normal”. Se isso acontece, a mulher precisa reagir, a família precisa reagir e aquela comunidade também precisa reagir. Elisa, com essa fala, traz à tona a questão da responsabilidade. Nós mulheres não somos parte do povo, nós somos o povo. Então, violando uma menina, violando uma mulher, você está violando o povo. Ou seja, qualquer pessoa que faça mal a mim, que machuque fisicamente ou verbalmente a mim, ou a qualquer mulher, ele está fazendo algo contra o meu povo e a minha .

P. Como é a discussão sobre o papel da mulher na sociedade indígena?

R. Eu acredito que é preciso falar sobre isso. Mas vejo como um processo. A cultura é dinâmica, não é estática. Talvez há 100, 500 anos, quando não existia o assalariado, o estudo fora da aldeia, falar sobre isso seria estranho até. Mas hoje, nós mulheres precisamos ter oportunidades iguais no processo educacional, no conhecimento. Precisamos ter o direito de escolha. Eu tenho 34 anos, não sou casada e não tenho filhos, mas eu tive escolha. Tem meninas que não tem. Mas eu tive escolha não porque eu tive uma personalidade feminina que me inspirasse ou que falasse sobre os meus direitos. Foi por uma personalidade masculina, meu pai. Quando eu tinha 14 anos eu queria namorar, mas meu pai não deixou. Ele disse que eu deveria estudar, trabalhar, ser independente. Ele disse “não quero que você dependa de um homem ou de qualquer pessoa para se vestir, se alimentar. Eu quero a sua independência, pessoal e profissional”. Na época eu achava um absurdo porque todas as minhas irmãs casaram, namoraram e eu nem podia namorar. Hoje eu percebo que meu pai estava com uma mente muito avançada para a época dele.

P. Por isso vocês convocaram os homens para que participem também da marcha? É preciso trazer os homens para dentro da discussão?

R. Com certeza. Precisa ter o apoio dos homens. Não adianta falar de Lei Maria da Penha só entre mulheres se o homem não está escutando. Porque a mulher vai estar empoderada, mas o homem vai dizer a ela que ela quer confrontá-lo. Acredito sim que há momentos em que a união é necessária, mas há momentos em que a gente precisa ficar em um espaço de confiança só entre mulheres. Até para poder se abrir sobre determinados assuntos.

P. Você disse que não há um movimento de mulheres entre os xavante. Ao mesmo tempo, você está aqui, em cima desse palco, liderando a plenária hoje.

“Nós mulheres não somos parte do povo, nós somos o povo. Então, violando uma menina, violando uma mulher, você está violando o povo”

R. Há mulheres que se destacam. Eu não me vejo como uma liderança. Me vejo como uma porta-voz. Porque há contextos culturais internos onde para ser líder é preciso passar por alguns processos.

P. E tem uma questão de hierarquia também?

R. Sim. E querendo ou não, tem a ver com uma questão familiar, de casar e ter filhos. E eu não quero ir para o confronto cultural por conta disso. Pelo contrário, cada um tem seu tempo. Eu vivo em dois mundos, o branco e o tradicional. E a gente que vive esse mais para fora, acaba percebendo algumas coisas mais rápido do que quem está o ano todo diretamente na aldeia. Eu preciso então respeitar o tempo do outro, não posso chegar impondo. Por isso não me vejo como uma liderança de fato. Para mim, uma liderança feminina do meu povo é aquela que detém todo o conhecimento familiar de maneira geral, além do conhecimento político e estratégico. Eu tenho esse lado mais político, mas não tenho esse lado mais interno e familiar. Por isso me considero uma porta-voz para aquelas que não falam português. Quando eu chego na aldeia, elas perguntam o que está acontecendo na cidade. Aí eu digo: vamos comigo na próxima reunião. E elas dizem “ah, eu não quero. Mas quando você chegar, me conta?”. Então eu não posso chegar e obrigar, dizer que tem que ir, tem que participar. Ela quer ter , quer saber o que está acontecendo, mas não quer estar participando direto.

P. Uma das principais bandeiras do movimento feminista em todo o mundo é pela descriminalização do aborto. A realidade das mulheres indígenas sobre esse tema é diferente, claro, mas vocês chegam a discutir isso?

R. Pelo que eu tenho acompanhado, não chega a ser uma pauta prioritária.

P. Mas chega a ser debatido?

R. Pelo que eu tenho vivido, deve acontecer, mas não é exposto. Não chega nem a ser uma pauta.

P. Além de saúde, educação e a violência de gênero, o que mais é pauta do movimento feminista indígena?

R. Acredito que a questão territorial. A gente só vai conseguir ter educação e saúde se a gente tiver o nosso território e se tiver a sustentabilidade desse território. Não adianta ter o território demarcado se a gente não tiver para viver nele.

“Dizer que nós mulheres indígenas não enfrentamos violência de gênero é mentira”
L. LANDAUFonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/04/26/politica/1556294406_680039.html?id_externo_rsoc=TW_BR_CM&hootPostID=ff4383a5dc03493d4cccec365d835f5c&fbclid=IwAR3NJpWLO2toOgJubsyMhkFsYXWxzMXSbguPi8s-Rvg8SiqMb6gZ8DmshaoANOTE:  Este site é mantido com a venda de nossas camisetas. É também com a venda de camisetas que apoiamos a luta de movimentos sociais Brasil afora. Ao comprar uma delas, você fortalece um veículo de comunicação independente, você investe na . Visite nossa Loja Solidária: http://xapuri.info/loja-solidaria. Em Formosa, encomendas com Geovana: 61 9 9352 9191. Em Brasília, com Janaina: 61 9 9611 6826.Camiseta Krenak: http://xapuri.info/produto/camiseta-krenak/Krenak 1 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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