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#EleNão: A manifestação histórica liderada por mulheres no Brasil vista por quatro ângulos

#EleNão: A manifestação histórica liderada por no vista por quatro ângulos

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Manifestação liderada por mulheres lotou Largo da Batata, em São Paulo; para especialista, foi o maior protesto de mulheres na história do Brasil | AFP

A manifestação #EleNão em repúdio ao candidato a presidente Jair Bolsonaro, que se espalhou por cidades brasileiras neste sábado, foi a maior manifestação de mulheres na história do Brasil. Foi também uma das maiores manifestações contra um candidato, independentemente das mulheres. As afirmações são de Céli Regina Jardim Pinto, autora do livro Uma história do feminismo no Brasil e professora do Departamento de História da Universidade Federal do (UFRGS).

O número total de pessoas que participaram das manifestações é incerto – a Polícia Militar não divulgou estimativas de público nas principais cidades, como costumava fazer durante as manifestações pró e contra o impeachment de Dilma Rousseff.

Segundo o G1, 114 cidades tiveram manifestações contrárias a Bolsonaro. Também houve atos em diferentes cidades do mundo, como Nova York, Lisboa, Paris e Londres. As maiores manifestações aconteceram em São Paulo e no Rio de Janeiro. Por imagens aéreas dos atos, cálculos que consideram a área ocupada pelos manifestantes produzem estimativas do número de presentes em uma análise conservadora e não científica: chega-se a cerca de 100 mil pessoas no Largo da Batata, em São Paulo, e 25 mil na Cinelândia, no Rio, no momento de pico.

Não se sabe se a manifestação terá impacto nas eleições. Bolsonaro lidera as pesquisas de intenção de voto, com 28%. Desde o início da campanha, o candidato teve trajetória de crescimento. Tinha 20% no final de agosto, foi para 22%, então 26% – dados do Ibope. Em 18 de setembro, chegou aos 28%, onde estacionou. Também no sábado, ocorreram manifestações de apoio a Bolsonaro, mas em menor escala. Neste domingo, 30, manifestantes a favor do candidato do PSL se reúnem na avenida Paulista, em São Paulo.

A BBC News Brasil destaca abaixo quatro ângulos importantes para entender o #EleNão.

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Mulheres foram às ruas na Cinelândia, no Rio de Janeiro; outros atos foram registrados em 114 cidades | AFP

AFP

1) A maior manifestação de mulheres da história do Brasil

Céli Regina Jardim Pinto, da Federal do Rio Grande do Sul, se debruçou sobre a história do feminismo no Brasil e afirma que o #EleNão de 29 de setembro foi a maior manifestação de mulheres da história do país.

“O feminismo da minha geração era formado por mulheres acadêmicas ou de movimentos sociais. Teve muita influência na Constituição de 1988, mas era muito fechado em um grupo. Ainda por cima, era muito mal visto tanto pela mais conservadora como pela própria esquerda”, explica.

“O que aconteceu agora foi uma popularização do feminismo. Está espraiado na sociedade. Ninguém mais pode dizer que é contra os direitos das mulheres.”

Além disso, o movimento de sábado abraçou pautas que vão muito além do feminismo. “#EleNão virou um significante cheio de significados. Isso é muito importante na luta política. Começou pelas mulheres, porque Bolsonaro disse frases de baixo nível em relação a mulher, e foi englobando muita coisa, como a defesa da e dos direitos humanos”, continua Céli.

Sob a liderança das mulheres, homens também aderiram ao movimento. A estilista Daniela Sabbag, que participou da manifestação no Rio de Janeiro, explica as pautas do #EleNão: “O movimento não é só das mulheres. É um movimento humanitário. A causa é contra o fascismo, o racismo, o esquecimento do que aconteceu na ditadura militar. É a favor da diferença”.

“Nunca houve uma manifestação dessa envergadura contra um candidato. Na história, houve grandes comícios antes das eleições, mas sempre a favor de alguém. É surpreendente como o #EleNão conseguiu juntar tanta gente para se manifestar contra um candidato”, diz Céli.

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AFP
Pesquisas mostram que intenções de voto entre homens e mulheres nestas eleições têm a maior diferença da história

2) Mulheres e homens votam diferente pela primeira vez na história

Os números ajudam a entender o movimento das mulheres nas ruas. Essas são as eleições presidenciais em que homens e mulheres votam de forma mais diferente.

Se dependesse dos homens, Bolsonaro sairia do primeiro turno isolado no primeiro lugar. O ex-capitão do Exército tem 37% da intenção de voto deles. Já se dependesse das mulheres, Bolsonaro terminaria empatado com Fernando Haddad. Entre elas, o militar tem 21%, contra 22% do candidato do PT. Os dados são da última pesquisa Datafolha, divulgada na noite de sexta-feira (28).

Segundo dados levantados pela BBC News Brasil desde o fim da ditadura militar, nunca houve uma diferença tão grande no voto de homens e mulheres.

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REUTERS
Pesquisas mostram que o candidato do PSL é o mais rejeitado pelas mulheres; o voto feminino pode ser decisivo nas eleições

Além de ter menos votos de mulheres, Bolsonaro é mais rejeitado por elas. Ainda segundo o Datafolha, 52% das mulheres dizem que não votam no ex-capitão do Exército de jeito nenhum. Entre os homens, o percentual é de 38%.

Assim, as mulheres representam a maior pedra no sapato de Bolsonaro em um possível segundo turno. “Se Bolsonaro conseguir 30% dos votos das mulheres, ele vai precisar de 70% dos votos dos homens para vencer. Fica difícil”, exemplificou o cientista político Bruno Wanderley Reis, da Universidade Federal de , em entrevista para a BBC News Brasil.

A designer Isabela de Oliveira, que também se juntou ao #EleNão no Rio, diz esperar que os protestos de sábado levem mais mulheres a rejeitar Bolsonaro: “Espero que sirva para as pessoas sentirem coragem de lutar contra ele. Porque vejo muitas pessoas pouco politizadas ou resignadas, e vendo essas massas na rua contra ele, espero que possam parar para pensar”.

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REPRODUÇÃO
Torcedores de times rivais se juntaram contra Bolsonaro em manifestação | Esquerda Vascaina/Facebook/Reprodução

3) Manifestação mais à esquerda, mas que englobou todo o espectro político

Para Céli, o movimento #EleNão reuniu principalmente manifestantes de esquerda ou centro-esquerda. “Mas cabem outras bandeiras”, diz ela.

De fato, embora predominassem os simpatizantes da esquerda, diferentes grupos também ocuparam as ruas no sábado: de anarquistas a torcidas organizadas de , evangélicos e “policiais contra o fascismo” – há fotos e vídeos desse último grupo no Rio, em Recife e em Natal. Em São Paulo, uma mulher segurava um cartaz que dizia “sou policial e #elenão me representa”. Outro cartaz dizia: “Frente de Evangélicos pelo de Direito. Ele nunca”.

No Rio, um grupo denominado “Torcedores Pela Democracia” uniu apoiadores de clubes rivais: Vasco, Flamengo e Fluminense, entre outros.

Houve até quem segurasse um cartaz nos protestos que dizia “sou coxinha, mas não sou fascista #elenão”.

No protesto que aconteceu no Rio, a estilista Daniela Sabbag disse ser contrária a Bolsonaro, mas também afirmou não ser eleitora do PT – embora tenha admitido que votará no partido caso tenha que escolher entre Haddad e Bolsonaro no segundo turno.

“Bolsonaro representa tudo que não quero para o Brasil. Além de falar as besteiras que ele fala, é despreparado, age no feudo dele, não tem representatividade”, considera. “O que eu quero é a terceira via. Quero alternância política. Não quero o PT também. Mas não voto nele (Bolsonaro) de jeito nenhum, e voto no PT se tiver que ser.”

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AFP
Grupos de “policiais antifascismo” se juntaram contra Bolsonaro no Rio, onde essa foto foi tirada, Recife e Natal

Jesuine, mestranda em ciência política que aderiu ao movimento no Rio, ressaltou a presença de movimentos e pessoas com perfis muito diversos no protesto – de artistas da Globo a removidos de favelas cariocas.

Para ela, a adesão a Bolsonaro foi uma reação ao crescente engajamento de minorias e sua mobilização contra sexismo, racismo e homofobia. “Estamos vendo um terceiro movimento, com esses grupos reagindo porque estão horrorizados com os valores que ele defende”, diz. “Isso não é um movimento coeso. Mas as pessoas estão juntas para afirmar que não dá para deixar a extrema-direita crescer.”

Céli diz que mesmo com uma composição mais variada de eleitores no #EleNão, o que importa agora é observar como a manifestação vai se refletir na composição dos votos. “Quem foi para a rua não votava no Bolsonaro. A questão é saber como esse movimento refletiu em quem não foi para rua. Tem coisas na política que são bem tradicionais e que pesam muito – primeiro o boca a boca. Qual impacto isso vai ter na intenção de voto?”, questiona.

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AFP
Movimento surgiu nas redes sociais e teve adesão de artistas como

4) Redes sociais foram fundamentais na organização do movimento

O #EleNão saiu das redes sociais para as ruas. A ideia teria surgido no grupo de Facebook Mulheres Unidas Contra Bolsonaro, que tem hoje 3,88 milhões de membros. A partir daí, o movimento se espalhou pelas redes. Mulheres, anônimas e famosas, brasileiras e estrangeiras, começaram a postar a hashtag nas redes sociais – entre elas, a cantora Madonna. Homens também aderiram.

“As redes sociais foram importantes na popularização do feminismo, principalmente o feminismo jovem”, diz Céli.

Essa não foi a primeira vez que as redes sociais impulsionaram movimentos feministas no Brasil. Em março de 2014, surgiu uma das primeiras hashtags feministas nacionais, a #NãoMereçoSerEstuprada. Em 2015, foi a vez de #PrimeiroAssédio e #MeuAmigoSecreto. No final do ano passado, o #MeToo viralizou fora do Brasil e também aportou por aqui.

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Manifestantes se reuniram em Londres e outras cidades da Europa, como Paris e Lisboa, contra Bolsonaro

A diferença é que essas demais campanhas eram movimentos puramente de redes sociais, enquanto o #EleNão convocou protestos em todo o país e foi capaz de reunir mais de 100 mil mulheres.

“Viemos para dizer que estamos aqui, que as mulheres estão unidas. Chegamos a um momento em que todo mundo tem que se unir, independente do partido”, disse Aline Jerê, chef de cozinha, que participou do #EleNão no Rio junto com a namorada.

“Foi um movimento no qual as mulheres, que historicamente são apagadas, tomaram a frente. Estamos mudando isso”, falou a estudante Yuri Rodrigues, uma mulher trans.

ANOTE AÍ

Fonte: 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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