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Por que o medo da Sustentabilidade?

Por que o medo da Sustentabilidade?

Por: Arison Jardim

O Acre e o Brasil passam a seguir, a partir de 2019, um novo projeto político, em que o agronegócio é visto como salvação econômica. Nada de novo, nada de errado. Ao mesmo tempo, os dois governos, estadual e federal, bradam um discurso de que as leis ambientais e fiscalização são rigorosas e atrapalham empresários e produtores. Para amenizar, endossam que não é preciso desmatar nenhuma árvore para produzir mais.

Fica aí o questionamento: por que, então, o desmatamento no Brasil cresceu vertiginosamente nos últimos dois anos? Na Amazônia, inclusive, tivemos em 2017 o maior índice de desmate em uma década. Como será daqui para a frente? Por que o medo tão grande da sustentabilidade?

Dois apontamentos podem ser feitos para nos ajudar a entender como serão os próximos quatro anos de gestão, tanto lá quanto cá. Um alerta surge quando vemos três dos maiores produtores de monoculturas e exemplos do agronegócio brasileiro declararem calamidade financeira. Mato Grosso e Goiás começaram 2019 expondo o caos em suas contas públicas se encontram. Em 2016, o Rio Grande do Sul enfrentou o mesmo problema.

Engana-se quem acha que a produção diminuiu. No período aproximado de dez anos, a área de produção de soja no Centro-Oeste brasileiro mais que dobrou, saindo de 7,2 milhões de hectares, em 2006, para 14,5 milhões de hectares, em 2017. Os municípios que possuem propriedades com mais de 100 mil hectares de monocultura de soja passaram de 27 para 58, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A produção cresceu e mesmo assim os gigantes do agronegócio se encontram em calamidade financeira. Ora, para onde está indo esse capital que deveria ser revertido às contas públicas de cada estado? Para os trabalhadores que não é!

Dos 19 milhões dos postos de trabalho gerados pela agropecuária, 11,5 milhões são gerados pela agricultura familiar, conforme estudo feito pelo Cepea/Esalq (Centro de Estudos de Economia Agrícola da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz de Piracicaba, SP) em 2016. A pesquisa demonstra, mais uma vez, a total incongruência do discurso do agronegócio como salvação para a economia.

Perceba que algo realmente está errado nessa lógica. Goiás, por exemplo, em 2015, movimentou R$ 120 milhões com o agronegócio, subindo para R$ 273 milhões em 2016, e caindo no ano passado, com R$ 191 milhões, entretanto, a exportação agrícola do estado é crescente. Como explicar? Bem, uma coisa é certa, o cidadão goiano provavelmente não partilha das benesses de se viver em um local com larga escala produtiva.

Por outro lado, temos a questão da sustentabilidade, o valor dos serviços ambientais e a realidade que é o aquecimento global. Há, atualmente, projeções que em um mundo com 4ºC acima da Era Pré-industrial (previsto para 2100, se nosso padrão de emissão de gases de efeito estufa persistir), crianças abaixo de 10 anos e idosos com mais de 60 terão um maior índice de doenças respiratórias e de outros tipos. Isto já serve de alerta para termos, enquanto habitantes do planeta Terra, maior prudência com nossos recursos naturais.

Estudos recentes apontam a necessidade de se relacionar desenvolvimento com sustentabilidade. Em 2017, um Grupo de Trabalho da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) criou a Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES). A iniciativa resultou no Diagnóstico Brasileiro de Biodiversidade e serviços ecossistêmicos – trabalho que agrega à discussão do desenvolvimento sustentável pesquisas sobre a biodiversidade brasileira e sua relação com diversos setores.

Segundo o professor doutor em Ecologia e um dos coordenadores geral da BPBES, Fabio Sacarano, o conhecimento pode pautar a construção de uma política nacional para o desenvolvimento. “O Brasil tem em área de pecuária improdutiva quase a mesma quantidade que tem de área dedicada ao agronegócio. Isso significa dizer que, com políticas fundiárias adequadas, poderíamos no mínimo dobrar a produção agropecuária do país sem cortar uma árvore sequer.”

O que Fabio nos aponta é a possibilidade real e matemática de ampliar a produção sem que seja necessário desmatar. Os sistemas agroflorestais são exemplos claros de como recuperar solo para a produção. A conservação da biodiversidade é essencial para o cultivo diversas culturas.

A análise da BPBES, das 141 culturas agrícolas analisadas no país, 85 dependem de polinização por animais. Cerca de 80 famílias e 469 espécies de plantas são cultivadas em sistemas agroflorestais. Mais de 245 espécies da flora brasileira são base de produtos cosméticos e farmacêuticos e, ao menos, 36 espécies botânicas nativas possuem registro fitoterápicos.

Logo, falar em sustentabilidade é sim falar em desenvolvimento, é buscar o crescimento econômico e justiça social. A plataforma nos mostra ainda que, historicamente a substituição da floresta por atividades agropastoris não resulta em um aumento significativo do Indíce de Desenvolvimento Humano (IDH). Ao contrário, os moradores dessas áreas acabam abandonando suas propriedades, o que resulta no aumento do êxodo rural.

No Acre de antes, em que a floresta foi explorada por seringalistas e, posteriormente, derrubada para a criação de gado, o êxodo rural, o genocídio de culturas indígenas, o assassinato de lideranças sindicalistas era realidade constante e impiedosa.

Hoje, o mundo caminha para um novo modelo econômico, que valoriza a diversidade de culturas e impulsiona mercados de emissão zero de carbono. Já no Acre, o novo governador eleito, que durante a eleição disse que daria uma enxada e um terçado para o Imac – órgão de fiscalização para crimes ambientais – e iria anistiar multas, parece insistir em voltar para um passado de exploração nada inteligente.

Arison Jardim foto pessoal

ANOTE:

Arison Jardim – Jornalista socioambiental

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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