Mulheres Indígenas: Mapulu, primeira Kamayurá pajé, afirma o protagonismo feminino no Xingu

Primeira pajé mulher dos Kamayurá afirma protagonismo feminino no Xingu

Ganhadora do Prêmio 2018, Mapulu Kamayurá articula projetos para levar centros de informática às aldeias e incentivar venda pela internet de de jovens indígenas no Alto Xingu

Por: Por Clarissa Beretz, do Alto Xingu/DE OLHO NOS RURALISTAS

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Mapulu recebeu o Prêmio Direitos Humanos em Brasília, em 2018. (Foto: MDH)

Ela explica sua visão de mundo e de saúde:

– Tem doença que não precisa de médico. Pajé cura. A gente precisa trabalhar junto. Parteira, enfermeira, médico… do lado do pajé. Médico vai entender trabalho do pajé e pajé vai entender o trabalho do médico”.

Em novembro, a atuação de Mapulu foi reconhecida pelo Ministério dos Direitos Humanos, quando recebeu, na capital federal, um dos prêmios Direitos Humanos 2018. “Ela é o símbolo da mulher indígena forte e atuante, que precisa ser mais visto”, definiu Andreza Colatto, então Secretária Nacional de Políticas para Mulheres, que indicou Mapulu ao prêmio. “Tenho uma enorme admiração por seu trabalho, no cuidado com as crianças e no fortalecimento das mulheres”.

ENCONTRO DE PAJÉS INTEGRARÁ CONHECIMENTOS

Mapulu e seu irmão, o cacique Kotok, integram a Associação Indígena Hiulaya, que realizará em maio um encontro dos pajés, rezadores, raizeiros e parteiras do Alto Xingu, na própria aldeia Kamayurá. A intenção é convocar agentes de saúde e mostrar a eles a importância da integração desses conhecimentos. “Queremos fortalecer o papel social, político e cultural dos pajés”, diz o documento convocatório. “O projeto é essencial para dar continuidade à saúde e ao equilíbrio das comunidades e dos povos do Xingu”.

A atuação e a representatividade de Mapulu abrem caminhos para novos tempos na atuação das mulheres no território xinguano. A opinião dela é considerada pelos caciques. É a única a fumar com os homens e a ter autorização para entrar na casa das flautas sagradas, local de frequência estritamente masculina.

De sorriso largo, risada fácil e olhos rasgados, está sempre disposta e pronta a atender a todos. Só para para conversar nos momentos em que se banha no rio, prepara o beiju, assa o peixe dentro de sua oca ou senta no chão para fazer colares de miçangas. “Antes eu sentia muita vergonha em ser pajé”, diz, rindo e ajeitando os óculos de grau, enquanto termina um colar ao lado do marido Raul, famoso raizeiro da região. “Depois que curei muita gente, agora eu falo e eles me escutam”.

A líder indígena é também é a maior parteira do Alto Xingu. Ela lamenta o número cada vez maior de meninas e mulheres que preferem dar à luz nas cidades próximas do Parque. É o caso de sua nora, grávida de 9 meses, que decidiu parir em Canarana, aos 18 anos. “É escolha dela, eu não falo nada”, diz a parteira. Ela alerta para o fato de que, na cidade, corre-se mais risco de adquirir infecções, dado o número crescente de cesarianas.

‘DAMARES MENTE SOBRE CRIANÇA ADOTADA’, DIZ

O papel político e social exercido por Mapulu também é fundamental. Atualmente, ela articula em Brasília um projeto para levar centros de informática para as aldeias. A intenção é também viabilizar a venda de artesanato de jovens produtoras via internet.

Mapulu se posicionou contra o suposto sequestro da menina Kamayurá pela ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. A denúncia foi publicada no dia 31 de janeiro, pela revista Época. De acordo com depoimentos mostrados na reportagem, Lulu Kamayurá, a “filha adotiva” da ministra, teria sido levada irregularmente da aldeia Ipavu, onde nasceu.

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Mapulu é uma das organizadoras de evento com pajés. (Imagem: Reprodução/YouTube)

“Damares cometeu um grande erro”, avalia. “É mentira dizer que Lulu foi resgatada. Se Damares tivesse visto Lulu em um buraco no chão e retirado ela de lá, podia dizer isso”. A pajé nega as acusações de que a garota teria sido vítima de infanticídio, caso não fosse “salva” pela ministra. Em nota publicada no site do ministério, Damares Alves negou as acusações.

No caminho sagrado da grande sacerdotisa, além de sua filha Mapualu, de 30 anos, duas outras mulheres Kamayurá foram iniciadas como pajés. Outras três estão sendo preparadas. A missão não é fácil: para carregar o reverenciado posto, deverão se privar de relações sexuais por pelo menos um ano e meio, ficar enclausuradas e adotar uma dieta alimentar bastante rígida.

“É difícil, mas sei da importância de curar, devolver a vida à pessoa com risco de ”, orgulha-se a jovem Mapualu. “Quero continuidade ao trabalho de minha mãe, valorizar e manter a cultura viva para o povo Kamayurá. A próxima será minha filha”.

Fonte: https://deolhonosruralistas.com.br/2019/03/12/primeira-paje-mulher-dos-kamayura-afirma-protagonismo-feminino-no-xingu

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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