Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.
Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.
Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.
Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.
Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.
Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.
Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.
Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.
Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.
Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.
Zezé Weiss
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De Sandra Cohen no G1 via DCM
Há duas semanas, o escritor moçambicano Mia Couto falava ao telefone com um amigo e morador da cidade da Beira quando o ciclone Idai tocou terra firme. A ligação caiu, e Mia só conseguiu restabelecer o contato quatro dias depois para saber que o amigo sobrevivera.
O que ele diz ter pensado inicialmente ser uma ventania passageira transformou-se rapidamente no maior desastre natural ocorrido naquela região, com pelo menos 700 mortos e 1,9 milhão de pessoas atingidas.
Autor da trilogia “Areias do imperador”, entre quase 20 livros publicados, Mia Couto foi particularmente atingido pela tragédia causada pelo Idai: quarta maior cidade do país, a Beira, onde nasceu e de onde saiu aos 17 anos, é a mais afetada pelo ciclone e teve 90% de seu território devastado, com mais de 200 mil desabrigados.
A cidade seria personagem de seu próximo livro. Para isso, Mia, que vive em Maputo, a 1.200 quilômetros de distância, planejava passar um tempo lá para recuperar memórias. Não deu tempo, o Idai chegou antes. O escritor sobrevoou a Beira, nesta quarta-feira, mas o reencontro foi com a destruição de sua cidade natal.
(…)
Você considera satisfatória a resposta do governo brasileiro à tragédia?
Mia Couto: Fiquei espantado com a quantia de 100 mil euros, que foi doada pelo Brasil a Moçambique. Não corresponde à relação histórica e afetiva entre os dois países e ao desejo dos brasileiros de contribuir.
Não posso ser deselegante. É uma contribuição e temos que ser gratos. Mas eu esperava que fosse mais significativa. Timor Leste, outro país de língua portuguesa, deu dez vezes mais e não tem a economia na escala do Brasil, que é uma das maiores do mundo.
Fiquei surpreso de forma negativa com a intervenção do governo brasileiro.
Fonte desta matéria: Diário do Centro do Mundo