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CARLOTA PEREIRA DE QUEIROZ: A PRIMEIRA DEPUTADA DO BRASIL

Carlota Pereira de Queiroz: A primeira deputada do Brasil

Enfrentando todo o tipo de oposição, Carlota foi eleita par ao  Congresso em 1934

Por Dimalice Nunes – história de aventuras

Educadora, médica, escritora e . Um currículo invejável para homens do século 21 e praticamente impossível para uma mulher na terceira década do século passado. Carlota Pereira de Queiroz foi a primeira mulher a se eleger deputada federal no Brasil, em 1934.

Era uma mulher feita, mas não por si mesma. Era neta por parte de pai de um proprietário de terras da região de Jundiaí, no interior de São Paulo, membro do PRP, o Partido Republicano Paulista – uma das principais forças na queda da monarquia – e também um dos fundadores do jornal A Província de São Paulo, hoje O Estado de S. Paulo.

Do lado da mãe, um avô líder regional de Lorena, filiado ao Partido Conservador. A mãe, Vicentina de Azevedo Pereira de Queiroz, vinha de uma família extremamente católica, já seu pai, o também político José Pereira de Queiroz, exibia convicções ateístas e anticlericais.

Escola, a saída da cozinha

Carlota sempre estudou em instituições públicas, que então eram elitizadas – o ensino universal só chegaria na era Vargas, em parte pela Constituição de 1934, que ela ajudaria a aprovar. Isso levaria à multiplicação de escolas, mas com menor qualidade. Nesse sistema, ela ganharia o diploma de magistério em 1909 pela Escola Normal da Praça.

A educação infantil era uma das poucas saídas para que quisessem trabalhar. Ensinar sempre foi visto como um trabalho , espécie de extensão das atividades domésticas. Assim, as mulheres da nova classe média urbana encontram no ensino, principalmente o primário, uma possibilidade profissional que não contrariava os padrões morais da época.

Quando se formou professora, a família de Carlota passava por dificuldades financeiras, e essa foi a justificativa para a decisão de trabalhar fora. No entanto, quando as coisas voltaram ao lugar, já era tarde: Carlota estava profundamente envolvida não só com o magistério mas também nas reflexões pedagógicas necessárias para um ensino que pretendia se tornar mais democrático.

Seus estudos sobre educação elementar e os sistemas Froebel e Montessori foram apresentados em congressos internacionais no início dos anos 1920.

A essa altura da vida, já era claro que Carlota não era muito afeita a se limitar aos papéis impostos às mulheres de seu . “Desiludi-me com a carreira de professora. O meio era acanhado, não havia grande futuro, os melhores lugares eram dos homens. Eu aspiro a mais. Deixei o magistério público, continuando a dar aulas particulares para ter certa independência econômica”, escreveu em seu diário. Para ir mais longe, ela teria que contestar os limites impostos às mulheres ou mudar de área. Ela optou pela segunda opção.

Dra. Queiroz

Em 1920, aos 28 anos, Carlota se matriculou na Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo. Em 1923, muda tudo. Vai para o Rio de Janeiro, onde encontra um ambiente menos provinciano. É lá também que ela passa a contar com o apoio e o incentivo de Miguel Couto, um médico de ideias progressistas. A formatura viria em 1926.

O diploma é um feito, mas trabalhar como médica seria um desafio. Estudar não implicava atuar: homens e mulheres podiam estar acostumados com enfermeiras, mas uma mulher dizendo a alguém o que fazer era outra história.Carlota enfrentou abertamente tudo isso: exerceu a medicina até o fim da vida, em diversas instituições, e foi reconhecida tanto na prática quanto na pesquisa.

Especialista em hematologia, foi chefe do laboratório da Clínica Pediátrica da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, do serviço de hematologia da Clínica de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da USP, presidente da Associação Brasileira de Mulheres Médicas, membro da Association Française pour l¿étude du (Associação Francesa para Estudo do Câncer, em tradução livre).

Mônica Raisa Schpun, uma estudiosa da vida de Carlota e pesquisadora em gênero e política, afirma que Carlota sempre aspirou uma dimensão pública e social para suas atividades – isto é, ela queria ser um símbolo, não apenas uma profissional. “Sua atuação não pode ser chamada nem de tímida nem de modesta, como sugerem os estereótipos de altruísmo que envolvem a ação feminina”, afirma, em Carlota Pereira de Queiroz: Uma Mulher na Política.

Uma chance na guerra

Em 9 de julho de 1932 começava em São Paulo a Revolução Constitucionalista, a grande civil Brasileira. São Paulo declarou guerra ao resto do país, com a intenção de mover tropas para o Palácio do Catete e depor Getúlio Vargas, que, acreditavam, era um ditador oportunista que não entregaria sua promessa de – uma Constituição.

É uma mobilização intensa dos paulistas – e, diferente do que se ensina nas escolas, nem de longe restrita às elites. Como já havia acontecido na Europa, na Primeira Guerra, as mulheres encontraram uma brecha para tirar a barriga do tanque.

Por quase três meses, os paulistas lutaram sozinhos contra o governo central. Isso demandou a necessidade indistinta de ajuda. As mulheres, especialmente as da elite, se organizam em frentes filantrópicas e também para o cuidado aos feridos.

A participação de Carlota nos esforços de assistência na Revolução vai além daquela vista nas demais mulheres da elite paulistana. Ela, afinal, exerce uma profissão ainda considerada fora da alçada das mulheres. Admirada pelas demais, inclusive pela Liga das Senhoras Católicas, principal núcleo organizado de filantropia na época, Carlota encontra novas amigas.

Mulheres às urnas

O movimento sufragista começou no Brasil em 1910, quando a professora carioca Leolinda Daltro fundou o Partido Republicano Feminino. Em 1922, o mesmo ano da primeira revolta tenentista, a Semana de Arte Moderna e a fundação do Partido Comunista, é fundada a Liga para a Emancipação Internacional da Mulher, pela bióloga Bertha Lutz e a professora Maria Lacerda de Moura.

Uma das promessas da Revolução de 1930 era conceder o voto universal. Em 1931 Getúlio a cumpriu parcialmente, dando voto às mulheres solteiras, viúvas com renda própria ou casadas com a autorização do marido. Grupos feministas continuaram fazendo barulho. Em 1932, Getúlio Vargas assinou o decreto que classificava como eleitor todas as pessoas maiores de 21 anos, sem distinção de gênero.

A Revolução Constitucionalista seria um fiasco militar. Mas seria uma vitória moral, razão por que é chamada “revolução”, não “revolta” ou “guerra civil”: Vargas levou adiante a promessa de criar uma democracia.

Em 1933 aconteceram as eleições para a Assembleia Constituinte. Das 22 cadeiras da bancada paulista, a Chapa Única por São Paulo, dos partidos PRP e PD, elegeria 17 nomes. E entre eles estaria a primeira mulher a assumir um cargo legislativo no Brasil. Carlota ganharia 5 311 votos no primeiro turno e 176 916 no segundo.

A Chapa Única era uma associação de constitucionalistas frustrados, de oposição ao governo Vargas. A de Carlota por meio de 14 associações femininas, ativas na Revolução Constitucionalista, era então uma força suficiente para fazer com que os líderes cedessem.

Carlota seria o único nome feminino a assinar a Constituinte de 1934 ao lado de outros 252 deputados. Após a promulgação, seria eleita novamente, pelo Partido Constitucionalista de São Paulo, e permaneceria na Câmara até seu fim, em 1937, quando Getúlio Vargas fechou o Congresso, no golpe do

Estado Novo

Rebelde conservador

Uma vez constituinte Carlota rejeitou o rótulo de feminista. Dizia apenas defender as causas femininas. Isso irritaria seriamente as suas aliadas de campanha, como Bertha Lutz.

O segundo balde de água fria viria de declarações bairristas. Pouco menos de um mês antes da eleição, ela afirmou: “A minha candidatura (…) não é senão uma nova conquista da mulher bandeirante… Sou depositária dessa conquista, nada mais do que isso.

Procurarei guardá-la, carinhosamente, para mais tarde, quando terminar minha missão, restituí-la à sua verdadeira dona: a mulher paulista. Na Constituinte, espero, observarei diretrizes de intérprete fiel de minhas patrícias”.

São Paulo, o estado que havia iniciado uma guerra civil, não era exatamente querido do resto da país – principalmente com essa conversa de “bandeirante” (veja boxe). Em 1936, Carlota ganharia uma rival no Congresso, na forma de sua ex-aliada Bertha Lutz. Ela se tornaria a segunda congressista brasileira, assumindo um mandato como suplente.

Lutz nasceu em São Paulo, de pais cariocas, e viveu a maior parte da vida no Rio. As divergências se aprofundam quando Carlota se opôs à proposta de Bertha para a criação do Departamento Nacional da Mulher e de que seus cargos fossem preenchidos por mulheres. Cotas eram consideradas sexistas por

Carlota

misoginia escondida

O conservadorismo de Carlota aparecia também em certo decoro. Quando falava sobre sua experiência política, preferia enaltecer o fato de ter sido recebida como uma igual na Câmara, afirmando nunca ter sido alvo de qualquer atitude misógina ou de ações que tentassem diminuí-la. As declarações de pessoas próximas e familiares também reforçam essa ideia, mas pelo menos dois fatos provam que as coisas não eram exatamente assim.

Em 1935, Carlota participou de uma delegação para representar o partido Constitucionalista em Porto Alegre. Ainda que suas declarações tenham sido os panos quentes habituais, em seu diário ela escreveu que seus correligionários se esforçaram o tempo todo para que ela fosse excluída de qualquer atividade relevante. “Acabei por me convencer de que o fim da minha vinda para eles foi apenas decorativo, nunca me consideraram membro da comitiva”, escreveu.

“Tanto assim que era um jantar oferecido pela delegação do pavilhão paulista à comitiva e eu fiquei de fora… Com o tempo, eles hão de aceitar a companhia da mulher e tratá-la como correligionária.” Terminava numa nota de otimismo: “Estamos ainda na primeira geração. Quando elas forem mais numerosas terão de ceder. Eu sofro, mas por uma causa que terá de vencer”.

Em outra ocasião o machismo foi público. O jornal A Manhã publicou uma foto de Carlota com a legenda “Dizem que São Paulo perdeu a revolução por falta de armas, mas estamos vendo que lá havia cada canhão!” O único que ouviria suas queixas seria seu diário. Para Carlota, seria humilhante admitir que havia algo diferente em ser mulher.

“Ela não concordava com as feministas, mas defendeu ideias que não podemos colocar num campo antifeminista”, defende Schpun. “Ela tinha outras preocupações e se permitiu fazer política defendendo aquilo que lhe parecia mais importante.”

A contraditória pioneira, às vezes radical, às vezes tímida, deixara o campo político após o golpe de Vargas. Lançaria livros históricos em paralelo com sua carreira em medicina. Seria como Doutora Carlota Pereira de Queiroz que ela ganharia uma avenida em São Paulo.

Carlota nunca se casou e faleceu em São Paulo em 1982, aos 90 anos. Vivia-se outra ditadura, mas uma que tentava parecer institucional, permitindo eleições para o Congresso. Dava para contar nos dedos das mãos o número de deputadas. Hoje, apenas 10% dos congressistas são mulheres. É uma luta longe de ser vencida.

Sozinha no Congresso de 1932

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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