Povos e comunidades tradicionais: protagonistas do conhecimento

Povos e comunidades tradicionais: protagonistas do conhecimento

Por:Thays Puzzi / assessoria de da Rede Cerrado

“Nem todo conhecimento dá conta de ser guardado em livro”

redecerrado unb2 22A frase da liderança indígena Célia Xakriabá dita durante o II Encontro Narrativas Interculturais e Decoloniais em Educação resume o que foi o encontro que reuniu na de Brasília (UnB), entre os dias 03 a 05 de abril, representantes de povos e comunidades tradicionais, pesquisadores, professores, estudantes e organizações da sociedade civil, entre elas, a Rede Cerrado.

Mostrar a de conhecimentos e culturas historicamente excluídos e invisibilizados pelos processos de colonização do – também refletidos nos bancos universitários – foi o fio condutor dos debates que trouxeram à tona inúmeras experiências de e lutas de representantes de povos e comunidades tradicionais que, mesmo frente as diversas dificuldades, tiveram a oportunidade de ir além. Elas e eles chegaram ao Mestrado em Sustentabilidade junto a Povos e Terras Tradicionais, o Mespt da UnB. Levaram para a universidade a realidade do que é o Brasil, um país que também pertence aos indígenas, , extrativistas, ribeirinhas e ribeirinhos, retireiras e retireiros, geraizeiras e geraizeiros, ciganas e ciganos, pantaneiras e pantaneiros.

“Estar na academia só faz sentido se não arrancarem de nós a nossa identidade”.

Célia, mais uma vez, traduz o sentimento desses povos e comunidades tradicionais que todos os dias lutam para terem seus modos de vida e culturas conservados.

“Me perguntam se no contexto que estamos vivendo não temos medo de sermos ameaçados e de morrer. E eu digo que meu maior medo na vida, de verdade, é continuar viva e não poder dizer quem a gente é”.

Como a primeira mulher indígena da sua comunidade a chegar a um mestrado e a um doutorado, Célia Xakriabá conta que sempre a perguntam qual é o sentimento e ela arremata:

“a gente não é mais importante porque é a primeira ou a segunda. Isso nos dá uma responsabilidade maior de questionar porque em pleno século XXI, só agora nós somos as primeiras”.

O que para muitas pessoas é um processo natural de formação acadêmica, os povos originários levaram quinhentos e tantos anos para começar a acessar. A realidade é compartilhada por outros povos e comunidades tradicionais e é por isso que o processo de descolonização precisa acontecer, também, dentro das universidades. Além da trajetória de vida, Célia relata emocionada sobre as ausências de se doar ao movimento indígena. “As pessoas têm falado sobre a solidão da mulher negra, mas não tem discutido a solidão da mulher indígena”.

redecerrado unb2 9Companheira de sala e luta, Lidiane Taverny conta como chegou ao termo retireira do Araguaia, forma como ela se reconhece. Nascida em uma pequena cidade às margens do rio, o sonho era ir para a cidade grande para estudar em busca do “ perfeito” desenhado nas telas da televisão. Aos 15 anos sai da casa dos pais, vai morar em casa de família em Ceilândia, cidade satélite de Brasília. Em troca de moradia, comida e estudos, era a responsável pelos afazerem domésticos. Depois de presenciar e ficar no meio de um tiroteio, ela decide voltar para a sua comunidade e, desde então, inicia sua trajetória de reconexão com suas origens. Foi nas raízes profundas do seu território bem característicos do Cerrado que Lidiane ganhou fortes galhos que a fizeram ir além.

redecerrado unb2 32O II Encontro Narrativas Interculturais e Decoloniais em Educação não foi composto somente de narrativas autobiográficas, conversatórios trouxeram para os participantes debates sobre diferentes temas, como Território, Identidade e Sustentabilidade: alternativas ao . Experiências do Cerrado trouxeram diversos desafios enfrentados por esses povos e comunidades tradicionais e também mostraram que é possível gerar e garantir um desenvolvimento que não degrade o meio ambiente e promova inclusão e .

Luiz dos Santos Leite, geraizeiro do Oeste Baiano, Abner Mares Costa, da 10envolvimento, e o da Universidade Federal do Oeste Baiano, Valney Dias Rigonato, relataram a experiência da comunidade Cacimbinha que, com apoio do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) por meio do Programa de Pequenos Projetos Ecossociais (PPP-ECOS), puderam realizar a Cartografia Social do território. Tanto a 10envolvimento quanto o ISPN são associados à Rede Cerrado. A quilombola Valéria Porto, também da Bahia, deu ainda mais vida a realidade que ataca, em especial, o MATOPIBA. E Rubem de Almeida, do norte de Minas Gerais, trouxe para os participantes um relato sobre as comunidades geraizeiras.

O Encontro Narrativas Interculturais e Decoloniais em Educação foi promovido pelo Mestrado em Sustentabilidade junto a Povos e Territórios Tradicionais (MESPT), da UnB, pelo Grupo de Pesquisa Educação, Saberes e Decolonialidades, pela Apos Explorações, pela Rede Cerrado e pelo Grupo de Pesquisa Território, Comunidade, Aprendizagem e Ação Coletiva (UV-México).

Assista ao vídeo e veja os principais momentos dos depoimentos:

Para saber mais sobre a história de Estrondo, assista à reportagem produzida pela Repórter Brasil e ao documentário Gerações Geraizeiras, da 10envolvimento.
Confira alguns momentos do encontro
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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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