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AS FRONTEIRAS DA SOJA

As fronteiras da soja

As fronteiras da soja parecem não ter limites e já adentram a Amazônia e o , além do Centro-Oeste há muito já tomado por ela.

Por Jaime Sautchuck

Tornou-se um dos principais itens das exportações brasileiras, e os principais compradores são justamente a China e o Japão, países onde essa cultura teve origem, milhares de anos atrás.

O pequeno grão se agiganta diante da enorme estrutura que gira em torno da sua produção. São cifras de bilhões de reais por ano, que poderiam ser exponencialmente maiores se a grande parte (75,1%) não fosse vendida como minério, in natura, apenas secado, sem agregar valor algum.

A safra de 2015/2016, colhida em março e abril passados, bateu novo recorde, segundo dados do IBGE, embora tenha havido queda na de milho, trigo e sorgo, por condições climáticas. A soja sozinha representou 48% do total de 206 milhões de toneladas de grãos produzidos nessa temporada.

Desse total, as exportações de soja em grão e de derivados (óleo e farelo) somaram, em 2015, aproximadamente U$ 28 bilhões, quase 20% a mais do que em 2014. Os grãos representam em torno de 15% do total de exportações brasileiras.

São áreas colossais com plantio extensivo, todo mecanizado; pivôs centrais e outros sistemas de irrigação que sugam a água de rios, lagos e subsolo; infraestrutura de transporte por rodovias, ferrovias e rios; portos marítimos modernos; e polêmicas sobre os fortes impactos ambientais disso tudo.

SOJA TROPICAL

O feijão-de-soja – feijão-chinês, feijão-japonês e de vários outros nomes – chegou ao Brasil, aos estados do Sul, especialmente o Paraná, pelas mãos do imigrante nipônico. Inicialmente, este era também seu público consumidor, mas logo virou cultura nacional.

O Japão, onde esse grão é a base de toda a , não tem espaço pra cultivar o tanto que precisa, e havia muita dependência dos Estados Unidos. Por isso, o país fez um acordo com o governo brasileiro e, já na década de 1970, pôs em ação a JICA (Japan International Cooperation Angency), agência que financiou o Prodecer – Programa de do .

Esses recursos financeiros pagaram as pesquisas da Embrapa, empresa estatal de pesquisa. Ela desenvolveu a soja tropical, adaptada ao clima temperado, já que no Brasil o grão só era cultivado em região fria, ou seja, nos estados do Sul. E financiou também produtores rurais dispostos a cultivar esse feijão.

Uma das principais promotoras dessa deslanchada foi a Coopervap – Cooperativa de Produtores do Vale do Rio Paracatu –, abrangendo todo o Sudoeste de . Boa parte dos agricultores foram atraídos nos estados do Sul e, por isso, são conhecidos genericamente por “gaúchos”.

As primeiras plantações, em verdade, foram experimentadas no Sudoeste goiano, especialmente em Rio Verde, Santa Helena e Jataí, e depois se espraiaram pelo país inteiro. Dali, foi um passo pra entrar no Mato Grosso do Sul e em Mato Grosso.

Do Vale do Paracatu, pelo lado Leste, as novas lavouras subiram as encostas e chegaram ao Planalto Central, através de Cristalina, Luziânia e tantos outros municípios de Goiás. Dali, tomaram conta de todo o Norte goiano.

Hoje, a soja já é plantada nas diferentes regiões do país. As áreas mais recentes, que em grande parte eram cobertas de florestas, estão no Norte, nos estados de Rondônia, Tocantins, Maranhão, Pará e até no Acre e em Roraima. No Nordeste, são encontradas principalmente no Piauí e Oeste da Bahia.

Embora pareça ser uma só, há de fato perto de 60 espécies diferentes de soja, adaptadas aos mais diversos tipos de solo, de manejo das lavouras e de uso do feijão. É um trabalho permanente da Embrapa.

ÁGUA VERSUS ENERGIA

Históricos aliados nas políticas oficiais brasileiras, a água e a energia elétrica entram agora em choque, pelo que revelam os debates em andamento nos comitês de bacia que funcionam. Em Goiás, fica clara a contraposição do uso dos recursos hídricos pra agropecuária às barragens que movem usinas hidrelétricas.

O conflito começa por determinações de operadores de hidrelétricas que impedem, com respaldo legal, o uso dos lagos de barragens como reservatório de água pros outros fins. Ou seja, não se pode retirar água desses lagos pra irrigação.

O argumento central dos gestores de usinas é o de que a maior parte delas opera no limite e, portanto, precisa de todo o líquido dos barramentos para girar suas turbinas.

Os agricultores de todos os portes, que precisam de mananciais pras suas lavouras irrigadas, são prejudicados de várias maneiras pelas barragens.

Mas, neste ponto, surge outra aparente contradição: esses mesmos produtores rurais dependem de energia elétrica pra ativar as máquinas que bombeiam e aspergem água nas plantações.

Para citar um exemplo, grande debate (ou embate) vem sendo travado em torno da hidrelétrica de Batalha, no rio São Marcos, bacia do Paranaíba, na fronteira de Minas e Goiás. É uma usina gerida por Furnas (Eletrobrás), com parcerias privadas.

O reservatório dessa barragem alaga uma área de 13.700 hectares, o que equivale a 685 lotes médios da agricultura familiar. Ao redor da sua lâmina d’água, existem mais de mil propriedades rurais, incluindo 800 famílias em assentamentos de pequenos agricultores.

A produção local de energia de fonte solar, eólica ou usando resíduos das próprias plantações – o bagaço de cana, por exemplo – seria, segundo eles, um caminho bem mais barato e sustentável. Mas pleiteiam ajuda financeira pra isso.

OS PIVÔS CENTRAIS

AS FRONTEIRAS DA SOJA
Foto: Reprodução/Internet

Entra em cena, então, esta figura emblemática das grandes plantações de soja, um polêmico sistema de irrigação de largo uso no Brasil. Se bem operado, é de grande eficiência, pois cria seu próprio regime de chuvas em sua área de abrangência, o que vale a outras lavouras, plantadas no rodízio de culturas.

A quem nunca viu nenhum deles, explico. O pivô central funciona como se fosse uma pessoa em pé, girando no mesmo lugar, com dois longos braços abertos, aspergindo água. Ao longo dessas hastes, espécies de pirâmides, que são tripés com rodas, forçam o movimento circular, em torno do poste central (o ), que puxa e distribui o líquido.

O pivô é regulamentado por lei e precisa de licença ambiental pra ser implantado. O sistema foi inventado e desenvolvido nos EUA, nos anos 1950, e trazido ao Brasil na década de 1980, por fabricantes nacionais, que compraram os direitos e o implantaram inicialmente no estado de .

Um único pivô abrange uma área que vai de 50 a 130 hectares e movimenta um volume de água capaz de abastecer uma cidade de até 5 mil habitantes. Em Cristalina, por exemplo, que é o segundo maior município de Goiás, há mais de 700 pivôs em operação. É só fazer as contas pra se ter uma ideia do tamanho disso.

OS CAMINHOS DA SOJA

O transporte da soja é feito principalmente por rodovias, mas envolve também ferrovias e hidrovias em suas trajetórias aos centros de processamento, armazenamento e exportação. Movimenta com isso a na produção de caminhões, carretas, locomotivas, vagões e barcaças graneleiras.

Grupos de produtores têm silos de armazenagem em suas regiões. Dali, a soja toma o rumo das indústrias ou dos navios transoceânicos. Esses trajetos, ou parte deles, são sempre feitos por rodovias.

As exportações são feitas por portos já tradicionais, como os de Santos (SP) e Paranaguá (PR). Mas há rotas mais recentes que encurtam em milhares de quilômetros a distância até a Europa ou Ásia.

Duas delas estão na Amazônia. Uma interliga a rodovia Belém-Brasília e as ferrovias Norte-Sul e Carajás ao Porto de Itaqui, no Maranhão. Outra leva o grão produzido em Rondônia ao porto da capital, Porto Velho. Dali, desce em barcaças pelo rio Madeira, até bater em Itacoatiara, já no rio Amazonas, onde aguarda os navios que seguirão mundo afora.

Uma barcaça de 200 metros de comprimento por 33 de largura carrega 16 mil toneladas de grãos, carga que ocuparia 600 carretas nas rodovias.

IMPACTOS AMBIENTAIS

Os efeitos da agricultura extensiva sobre o meio ambiente começam com o próprio manejo das terras cultivadas. Enormes áreas são desmatadas em todos os biomas de maneira uniforme, normalmente ignorando por completo a fauna e a flora nativas, com invasão e consequente destruição de veredas e matas ciliares.

Com a mecanização exagerada, são atingidas as nascentes de cursos d’água de forma letal. Na parte leste da Serra Geral, que divide Goiás e Bahia, em menos de uma década mais de uma dezena de córregos e ribeirões secaram. É apenas um exemplo, pois o fenômeno ocorre em todas as regiões de fronteira agrícola do país.

Ademais, na maioria das fazendas surgidas nas últimas décadas foi abolido o uso de curvas de nível nos terrenos plantados. Assim, as águas de chuvas ou da irrigação levam consigo os próprios solos, assoreando cursos de água, veredas, lagoas e lagos.

No entanto, este acaba sendo apenas um problema, igualado por outros, tão ou mais agressivos, como é o caso dos . O uso indiscriminado de venenos, borrifados por pequenos aviões-tanques, atingem também áreas que não são de cultivo.

Contaminam pastagens e, em consequência, o gado que nelas se alimenta. Também afetam as matas, habitat de mamíferos silvestres, pássaros e outros seres vivos, além dos rios, atingindo o peixe que é também alimento humano. E atingem de igual modo as faixas de domínio de rodovias e núcleos habitacionais, agindo diretamente sobre as pessoas.

Em muitos casos, os produtos borrifados são de uso proibido, já banidos na Europa e nos EUA. São adquiridos de forma ilegal, por contrabando, e os órgãos de controle alegam dificuldades operacionais que prejudicam a punição dos (ir)responsáveis. A Justiça, muitas e muitas vezes, dá ganho de causa ao infrator.

A última grande apreensão de que se tem notícia foi feita pelo Ibama na fronteira de Rondônia com o Amazonas, há quatro anos. Grande parte das quatro toneladas de agrotóxicos apreendidas era do reagente 2,4D, que vinha sendo usado pra desfolhar a floresta, antes do desmate completo.

O detalhe é que este é um dos dois principais componentes do Agente Laranja, que fez atrocidades na Guerra do Vietnã, na década de 1960. A Monsanto, principal responsável por este e outros venenos vendidos no Brasil, paga indenizações e responde a um mundaréu de processos na justiça dos EUA.

Por fim, o novo Código Florestal, implantado pela Lei 12.651/2012, flexibiliza bastante as regras de proteção de florestas e outras vegetações nativas. Essa lei foi aprovada pelo Congresso Nacional, apesar de críticas de entidades ambientalistas e organizações sociais.

A junção de tudo isso provoca, com bastante frequência, o esgotamento de enormes áreas. Estas, quando não recuperadas – até porque custa caro –, são desertificadas, como apontam levantamentos do ICMBio e Ibama em incontáveis pontos do país.

O mais interessante, contudo, é que hoje em dia existe tecnologia capaz de compatibilizar a agropecuária com a preservação ambiental. Basta reduzir a ganância e aumentar a vontade de fazer direito.

MUDANÇAS NA POLÍTICA AGRÁRIA

A extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), como parte dos cortes feitos pelo governo interino de Michel Temer, não é um simples enxugamento da máquina pública, como apresentado. Significa mudanças na política agrária oficial, num caminho ainda não sabido, mas previsível.

O MDA foi criado, no formato que vinha funcionando, em 2003, como resultado de longos anos de experiências de uma pasta destinada a cuidar de tensões e promover o no campo. Sua primeira versão vem do Ministério para Assuntos Fundiários (MEAF), criado em 1982, ainda na ditadura militar.

Em 1985, foi criado o Ministério da Reforma e Desenvolvimento Agrário (Mirad), que passou por mudanças de nomes e atribuições até chegar ao seu formato, agora extinto. Voltou ser uma secretaria do Ministério da Agricultura, uma volta ao passado.

Sua principal função era a de criar assentamentos e dirimir conflitos fundiários, inclusive na Amazônia e em terras indígenas, comunidades tradicionais e quilombolas. E, é claro, apoiar a produção de alimentos, especialmente pela agricultura familiar.

Sua atuação era respaldada por conselhos e outros colegiados que forçavam a participação dos produtores rurais de todos os portes nos debates. E vinha tendo papel importante no ordenamento do uso da terra, de modo a reduzir e até eliminar, em muitos casos, a degradação do ambiente natural.

O rebaixamento hierárquico do ministério, com já anunciada mudança de funções, pode vir a contribuir com a expansão descontrolada da soja. E priorizar a grande propriedade.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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