Elizabeth Ohene: “Por que decidi revelar a dor de um estupro depois de 67 anos”

Elizabeth Ohene: “Por que decidi revelar a dor de um estupro depois de 67 anos”

“Acredito que essa situação persistirá, a menos que estejamos prontos para conversar sobre esses assuntos. Em Gana, há uma grande relutância em falar sobre sexo em geral, a menos que se trate de demonstrar indignação com a homossexualidade.

Parece que existe um consenso geral de que os ganenses não toleram as pessoas LGBT na sua . Uma pesquisa da Pew Research descobriu que apenas 3% da população diz que a homossexualidade deve ser aceita. Há uma forte resistência em admitir pessoas LGBT na nossa sociedade.

A comunidade religiosa está unida e parece haver a suspeita de que a sexual nas escolas primárias não apenas é contra nossa cultura e “não-ganense”, mas uma tentativa de introduzir a homossexualidade em nossa sociedade pela porta dos fundos.

Recentemente, o país entrou em uma verdadeira histeria em massa quando surgiu uma suposta tentativa de introduzir no currículo escolar uma sobre educação sexual. Para acalmar as coisas, foi preciso uma declaração do presidente negando qualquer intenção de lançar algo do tipo.

Mas é difícil suscitar esse sobre o abuso em relacionamentos heterossexuais, especialmente onde o equilíbrio de poder é mais pesado contra a mulher.”

Fonte: 8M Brasil

A proeminente jornalista ganense, colunista da BBC e ex-ministra Elizabeth Ohene escreveu recentemente sobre um abuso sexual que sofreu há mais de 60 anos, quando tinha apenas sete anos de idade. Aqui, ela explica por que decidiu tornar sua dor pública depois de tanto tempo.

Não tenho muita certeza se levei em conta qual seria o efeito de tornar pública minha história sobre ter sido molestada sexualmente na infância.

Na quarta-feira passada, contei essa história na coluna semanal que escrevo para o maior jornal de circulação de Gana, o Daily Graphic.

Sou uma mulher de 74 anos e contei algo que aconteceu 67 anos atrás.

Um dos meus melhores amigos perguntou por que eu escolhi desabafar agora. A história, ele disse, é difícil de ser lida. Portanto, se eu fui capaz de manter segredo por 67 anos, por que eu contei agora, por que não o levei ao meu túmulo?

Qualquer semelhança não é mera coincidência.

Minha história

Elizabeth Ohene posa para foto em jardim
Image caption – Elizabeth Ohene, hoje com 74 anos, compartilhou no maior jornal de seu país os abusos sexuais que sofreu na infância

Não tenho certeza se queria descarregar meu fardo sobre um público desprevenido. Decidi há que tinha a responsabilidade de contar essa história na esperança de que uma jovem em algum lugar pudesse estar protegida de sofrer o que passei.

Talvez eu deva primeiro contar a história e depois tentarei ver se consigo explicar por que a contei.

Em 1952, eu era uma criança feliz de sete anos que morava com minha avó em nossa aldeia. Um dia, um homem, conhecido da família e nosso vizinho, me arrastou para o quarto dele e me molestou sexualmente.

Tenho dificuldade com a terminologia para descrever o que aconteceu. Não posso dizer que sabia o que ele havia feito naquele tempo, não tinha nome para o que ele fez, eu nem sequer tinha um nome para a parte do meu que havia sido violada.

Tudo o que sei é que ele empurrou os dedos muito ásperos e com unhas quebradas na minha vagina.

Não me lembro se ele disse algo. O que trago comigo hoje, 67 anos depois, é o cheiro esmagador de seu corpo e seus dedos ásperos e com unhas quebradas.

Hoje, sei o que ele fez. E uma das frustrações que tenho é que as normas sociais não me permitem descrever exatamente o que aconteceu – tenho que me bastar a dizer que fui violada ou molestada sexualmente.

Na volta, minha avô cuidou de minha saúde, pelo menos a saúde física. Não contei a ela o que havia acontecido. Na manhã seguinte, quando ela estava me dando banho, notou que havia pus saindo da minha vagina. Ela tomou para si que eu tinha uma infecção.

Ela não me perguntou se alguma coisa tinha acontecido, simplesmente começou a cuidar de mim. Pode ser que ela não tenha imaginado que algo de ruim pudesse ter acontecido com sua neta favorita.

Anos depois, quando eu era adulta e tentava entender o ocorrido, essa foi a conclusão a que cheguei. Era o cenário mais fácil.

Houve uma outra ocasião, aos 11 anos. Fui estuprada violentamente e pelo mesmo homem.

Aí está, consegui falar.

Não posso dizer que compreendi melhor o segundo episódio, mas a carga foi maior e eu acho que estive mais perto do que agora chamaria de trauma psicológico.

Mas suponho que seja justo dizer que sobrevivi e não acho que tenha ficado irremediavelmente ferida por essas experiências.

Fiz o que seria considerado um sucesso razoável da minha vida como jornalista, escritora e uma funcionária do governo. Tenho 74 anos e, se eu morrer hoje, no cenário ganense, meu obituário teria um título como “Celebração da Vida”.

Em outras palavras, seria considerado que levei uma vida plena.

Então, me perguntaram, por que falar agora desse assunto desagradável e sujo?

Sinto fortemente que há uma aceitação escandalosa do abuso sexual de em nossa sociedade. As meninas, especialmente, correm o risco diante de homens adultos. Não é um assunto sobre o qual estamos dispostos a falar.

Recentemente, houve tentativas de combater os abusos, mas a tarefa é árdua. Se uma criança é violada e alguém corajoso ousa denunciar o caso, ela sofre muita pressão da policia para retirar a denúncia e “resolver o assunto em casa”.

Se você persistir na tentativa de processar o molestador, corre o risco de ser excluído da família. Assim, pouquíssimos casos como esses chegam ao tribunal ou são processados ​​com sucesso.

Temo que outras crianças de sete e até três anos estejam sendo submetidas ao que experimentei há tanto tempo.

Indignação com a homossexualidade, mas não com os abusos

Acredito que essa situação persistirá, a menos que estejamos prontos para conversar sobre esses assuntos. Em Gana, há uma grande relutância em falar sobre sexo em geral, a menos que se trate de demonstrar indignação com a homossexualidade.

Parece que existe um consenso geral de que os ganenses não toleram as pessoas LGBT na sua sociedade. Uma pesquisa da Pew Research descobriu que apenas 3% da população diz que a homossexualidade deve ser aceita. Há uma forte resistência em admitir pessoas LGBT na nossa sociedade.

A comunidade religiosa está unida e parece haver a suspeita de que a educação sexual nas escolas primárias não apenas é contra nossa cultura e “não-ganense”, mas uma tentativa de introduzir a homossexualidade em nossa sociedade pela porta dos fundos.

Recentemente, o país entrou em uma verdadeira histeria em massa quando surgiu uma suposta tentativa de introduzir no currículo escolar uma disciplina sobre educação sexual. Para acalmar as coisas, foi preciso uma declaração do presidente negando qualquer intenção de lançar algo do tipo.

Mas é difícil suscitar esse debate sobre o abuso em relacionamentos heterossexuais, especialmente onde o equilíbrio de poder é mais pesado contra a mulher.

Se eu ajudei, irei para o túmulo feliz

A reação até agora a minha história foi arrebatora. Todo está desconfortável. É uma história desconfortável e contá-la é desconfortável – e não me surpreendo se a for desconfortável.

Alguns disseram que sou corajosa por ter tornado pública a história. Levei 67 anos para juntar coragem e, portanto, não tenho certeza sobre a bravura.

Alguns disseram que é injusto despejar tanta poeira no espaço público. Não tenho nenhum comentário sobre isso.

Muitas pessoas, principalmente , me agradeceram e disseram que isso lhes deu coragem para lidar com seus próprios demônios pessoais. Sinto-me plena de humildade.

Se isso levar a uma maior abertura para falar sobre práticas sexuais e der força às crianças para lidar com o abuso, iria para o túmulo como uma mulher feliz.

Fonte: BBC

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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