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POEMA DA SERINGUEIRA: “A DADIVOSA MÃE CRIATIVA”

Poema da Seringueira: “a dadivosa mãe caritativa”

De seu sonho, há o fascínio de um tesouro/ (…) Tudo afinal é a trama, o engano ledo/De um bruxedo/Da Mãe-da-Mata.

Pereira da (1890-1973)

Lá, na tessitura da floresta primitiva,

Onde os olhos de Deus chegam já tão cansados,

A é a dadivosa mãe caritativa

Dos flagelados,

Dos desesperados

Bandeirantes da fome e da desgraça.

Vede, como é humana! Vede!

Lá está, oferecendo os seios fartos a quem passa,

Maltrapilha e sem nome,

Pela estrada.

– Ela dá de comer a quem tem fome!

– Ela dá de beber a quem tem sede!

Há de ter alma e coração como as boas

E fecundas. Mães carinhosas

Que amamentaram muitos filhos pequeninos.

E as outras árvores, na mata perfumada,

Devem beijar a frança a trifólia benfazeja,

Linda e seivosa irmã das casteloas…

Aos primeiros rubores matutinos

Quando às protofonias de mil vozes

Ferozes,

Sucedem os pizzicatos saltitantes

Dos descantes

Dos pássaros despertos,

A hévea, de folhas alternas, pecioladas,

Digitadas, trifoliadas,

Que a luz equatorial abraça, e afaga, e beija,

Ouve o rumor de passos vigorosos. E escuta.

Anda alguém a tatear nos caminhos incertos

Da mata bruta.

– Quem virá?

– Quem será?

É o seringueiro! É o homem moreno, caldeado

Pelo sol nordestino,

– Misto de trovador e de herói espartano –

Que sofre, dentro da selva, a nostalgia das caatingas.

E contemplando a bruteza dos rios

tem saudade dos “verdes mares bravios”

De sua terra. É o seringueiro,

Que vem chegando para o “corte”,

Vencendo o varadouro emaranhado,

Depois de atravessar igapós e restingas.

Uma faca de mato, um rifle, um machadinho,

Os músculos de aço, o peito forte,

O olhar ligeiro,

Ei-lo que vem trauteando,

De mansinho,

Uma cantiga langorosa do .

E a Árvore-Mãe, então, recebe-o, transfigurada,

Para a glória sensual da martirização.

E abençoa o verdugo seringueiro

Com a mais seráficas das beatitudes.

Ao clarear a manhã, soberbamente nua,

Santamente serena,

Cheia da piedade nazarena

do perdão,

A cada golpe do machadinho certeiro,

A Árvore-deusa do país verdacho dos paludes,

Há de dizer sorrindo,

E de sorrir gemendo

E de gemer cantando:

“Homem! Leva meu leite! A minha seiva é tua!

Ela não vale por uma gota da saudade

Que heroicamente andas carpindo,

Na bruteza cruel destas matas, correndo,

Contra as rudes caudais desses rios, lutando!

Leva a minha vida! é o que te posso dar:

– Meu sangue brancacento, minha e mocidade.

Quero que volte a alegria

À tua face!

E que a fortuna te sorria!

E que a felicidade não seja um bem fugace

No teu lar!…

Fere! E que cada ferida, santificada

Pelo líquido nevado vindo de minhas entranhas,

Seja o manancial da ventura sonhada,

A fonte genetriz das sensações estranhas

Que agitam os teus sentidos,

Na hora angustiada

Dos desalentos, das febres, nos horrores

Do teu abandono

Num pobre tapiri, onde as tristezas e pavores

Povoam de fantasmas o teu sono!…

Fere! E que nunca mais os teus gemidos

Sejam ouvidos!

Que as tigelinhas embutidas no meu tronco fiquem cheias

Do ouro latescente que jorra de minhas veias,

E que, afinal, de tão cheias, transbordem!”

“Oh! Quanto sou feliz, meu filho! – pela alegria

De ver-te a dominar a fereza, a desordem

Hidroflorificada destas zonas,

Onde a brutalidade das coisas circundantes

É um heptacórdio selvagem de beleza e de !…”

… E o rei dos bandeirantes,

O homem moreno e caldeado pelo sol nordestino,

Domador dos sertões palustres do ,

Vai cortando,

Vai golpeando

A miraculosa seringueira abnegada,

A Árvore- martirizada,

Que se entrega para o gozo sofrer, todo o verão,

O seu fadário, o sacrifício muito humano

De ser lanceada

Pelo bem

De alguém.

… E o seringueiro vai pela estrada torcicoleante,

Com a esperança dançando dentro da alma,

E o balde cheio de leite… De ouro!

Vai sonhando com a fortuna. A baixada

Próxima. O retorno à gleba nativa. A vida calma

Do sertão,

Onde ficou, soluçando, uma velhinha de cabelos de prata.

Na face albicremada do látex, a miragem.

E o seringueiro, alucinado, crê.

Na crepitação das chamas

De seu sonho, há o fascínio de um tesouro

Encontrado na selva e a linda imagem

Da felicidade perdida lhe acenando!

Mas, oh! desilusão de uma crença insensata!

Tudo afinal é a trama, o engano ledo

De um bruxedo

Da Mãe-da-Mata.

Fonte: Alma Acreana

Pereira da Silva
Foto: Acervo Jornal Varadouro

“Francisco PEREIRA DA SILVA nasceu em 7 de setembro de 1890, no povoado de Guamaré, município de Macau, no Rio Grande do Norte, mudando-se com a família, ainda menino, para a . Iniciou a vida pública ainda no Acre, ainda território federal, onde foi fiscal de rendas federais no Alto Juruá, diretor do jornal oficial da Prefeitura Federal de Cruzeiro do Sul, Promotor Público interino e Prefeito Municipal de Tarauacá, no período de 1911 a 1921.

Chegou ao Amazonas em 1924, nomeado Secretário da Chefatura de Polícia, cargo que ocupou por pouco tempo. Em 1930 foi aclamado membro da Junta Governativa Revolucionária do Amazonas e, após a extinção desta, nomeado Secretário Geral do Estado, permanecendo no cargo por dois anos, isto é, até 1932, quando entrou em divergência com o Governo do Estado, na fase intervencionista transferindo-se para o Rio de Janeiro, exercendo a advocacia. Pereira da Silva cumpriu quatro legislaturas como Deputado Federal pelo Amazonas.

Foi o idealizador do Projeto da Zona Franca de . Faleceu em 10 de setembro de 1973, aos 83 anos, em Manaus, sendo sepultado no Cemitério São João Batista, túmulo nº 1, quadra 15.”

 

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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