E agora, como vou vencer na vida?

E agora, como vou vencer na vida?

Por Francisco Paulo Falbo Gontijo – Paulinho MPB

O último fim de semana registrou, pela primeira vez na história, a queda do Cruzeiro para a série B do Campeonato Brasileiro de Futebol.

Entre os torcedores do time mineiro, reações extremas, que iam de desolação à revolta. Câmeras de TV registraram prantos homéricos e a humana, que pensávamos mais primitiva, revelando o vandalismo e a barbárie ali contidos. numa quebradeira irracional e generalizada.

Pouca diferença faria dizer àquela massa de torcedores que tudo bem, que é só um esporte, que ninguém morreu, que segunda-feira todos trabalhariam normalmente, ainda que, ao invés de ser rebaixado, seu time tivesse sido campeão mundial. Tal reação, infelizmente, não é exclusividade do torcedor cruzeirense.É algo peculiar no brasileiro, em sua maioria.

disse: “- Miserável país aquele que não tem heróis. Miserável país aquele que precisa de heróis!”

O que leva um ser humano a revoltar-se com uma derrota esportiva alheia? A resposta talvez fosse: uma vida insignificante, em que a glória não me chega por uma vitória pessoal.

Envolto em tragédias que me moldaram enquanto homem, fui criando força e num grupo social maior que eu próprio e, através das conquistas deste, consigo realizar-me. Sinto-me parte de algo grande, maior que a mim mesmo, melhor- penso eu – que o prognóstico que minha realidade pode vir a ofertar-me.

Meu time levou meu dinheiro, meus sonhos, meus risos, minhas lágrimas, minha esperança de ser vencedor. E agora, vindo de onde vim, estando onde estou, no país em que vivo, para onde irei? O que farei? O que será de mim? Como vou suportar o que os meus inimigos dirão? COMO VOU VENCER NA VIDA???

 

Assim, esse mesmo sujeito há de buscar um novo herói, um novo acima de sua insignificante condição para realizar-se outra vez. O fará na , o fará no discurso de gênero, de raça, de religião.

Não existo enquanto indivíduo, hei de ser então um sujeito social. Assim é o brasileiro. Assim é boa parte da raça humana.

Hannah Arendt nos diz, em As Origens do Totalitarismo que “O que é desconcertante no sucesso do totalitarismo é o verdadeiro altruísmo de seus adeptos. É compreensível que as convicções de um nazista ou bolchevista não sejam abaladas por crimes cometidos contra os inimigos do movimento; mas o fato espantoso é que ele não vacila quando o monstro começa a devorar os próprios filhos, nem mesmo quando ele próprio se torna vítima da opressão, quando é incriminado e condenado, quando é expulso do partido e enviado para um campo de concentração ou de trabalhos forçados. Pelo contrário: para o assombro de todo o mundo civilizado, estará disposto a colaborar com a própria condenação e tramar a própria sentença de morte, contanto que seu status  como membro do movimento permaneça intacto.”

Esse sujeito, cuja vida mal daria um cordel. sente a necessidade premente de inserir-se no andar de cima, ainda que seja tão somente no discurso, mantendo com fidelidade canina a retórica daquele cuja situação por que passa é causador, mas que, não obstante, ainda assim, junto ao grupo algoz busca pertencimento, aceitação. Busca, autofagicamente, lamber a mão que o agride. Tal atitude já foi estudada clinicamente e denominada Síndrome de Estocolmo – diagnóstico comumente dado à pessoa que desenvolve afeição, dependência, empatia pelo agressor. Foi elaborada e tratada a partir de um caso concreto de uma refém que juntou-se aos sequestradores em um assalto a banco, na Suécia, em 1974.

nos dizia que “Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor”. Presenciamos isso em abusadores que foram abusados, agressores que foram agredidos, delatores que foram delatados, acusadores que foram acusados, assaltantes que foram assaltados, etc… É quase como se presenciássemos a incoerência de um negro na KU KLUX KLAN, um judeu nazista, ou um latifundiário comunista (São Francisco não entra nessa conta). A despeito disso, presenciamos ao longo da história recente do , a proliferação de capitães do mato, vociferando contra os seus, dando tiro nos próprios pés, se autoproclamando policiais  dos costumes – não raramente, valendo-se de discursos opostos às próprias práticas, colocando-se, creem, acima de qualquer suspeita pela simples retórica que sustentam.

É impressionante como alguns atores sociais se chocam com a fome. Como muitos se chocam com um travesti, mas não com índios sendo assassinados. Se chocam com algumas facadas e nem tanto com outras balas perdidas matando crianças inocentes. Como sofrer por um bichinho de estimação morto e não se incomodar com uma família de imigrantes vizinhos que desfalece de fome ou com a nossa floresta em chamas?

Que discurso é esse que herdamos do colonizador medieval – ou do conquistador antigo – em que precisamos desqualificar o outro para legitimar todos os males que a ele infringimos? Quem será mesmo o selvagem? Existem realmente eleitos, para que isso se justifique???

Nietzsche defendia o eterno retorno tudo o que está acontecendo, já aconteceu e vai acontecer novamente. Marx dizia que “A história se repete a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”. Não há nada de novo na onda que presenciamos no mundo e, sobretudo, no Brasil atual. Já ocorreu, mais de uma vez, em mais de um lugar. Já conhecemos os resultados. Ao menos quem se interessa por história, genocídios, guerras, o império da ignorância e da tragédia humana nasceram, antes, em conceitos e discursos. Inclusive uma famosa crucificação.

Como tantas pessoas se dizem cristãs, mas não se comovem com o sofrimento alheio, chegando a ser, para alguns, um fascinante  teatro dos vampiros a tragédia alheia? Por que tenho a incômoda percepção de que poucas pessoas entenderam, de verdade, a mensagem de Jesus e ainda assim, ostentam para praticar tudo aquilo que ele condenava?

Por que aquilo que nos difere tem sido tão mais importante do que aquilo que nos une? Por tudo aquilo que não trouxemos e tampouco levaremos tem tido importância tão exacerbada em detrimento daquilo que é realmente é nosso único tesouro nessa vida – o amor? Quando percebermos que viemos todos do mesmo lugar e iremos, também, todos, para esse mesmíssimo lugar, talvez seja tarde demais. Percebamos que somos todos um só: eu, tu, ele, nós, vós, eles, o meio em que vivemos, tudo que noas rodeia…

Depois de muitos anos meditando, cheguei à conclusão sobre qual seria o sentido da vida: a Paz. Não existe paz sem amor. Que saibamos sofrer pelo que vale a pena, lutar pelo que vale a pena, quebrar o que vale a pena, brigar contra o que vale a pena. O somos nós e  há nele provisão pra todos nós. Só está mal distribuída. Desse desequilíbrio surgem a , a violência, a fome, a intolerância,o sofrimento, a morte e tudo mais o que aprendemos a banalizar. Sobra paixão e falta compaixão. Sobra paixão e falta amor. Sejamos menos passionais e amemos mais. Não queiramos ter razão Queiramos ter paz. Não existe paz sem amor. Não existe salvação fora do amor. E o amor é inclusivo, jamis foi ou será excludente. “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. Não sou eu quem está dizendo.

Paulinho MPB – 10/12/2019

Fonte: Arquivo Pessoal

 

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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