Novo ataque, por 16 horas, contra indígenas Guarani-Kaiowá

Novo ataque, por 16 horas, contra indígenas

Seguranças privados realizam ataque de 16 horas e atiram contra indígenas no MS. Cerca de 180 famílias Guarani e Kaiowá foram atacadas a mando de fazendeiros; 7 indígenas foram feridos

Cerca de 180 famílias Guarani e Kaiowá que habitam áreas retomadas por indígenas nos limites da reserva de Dourados, no Mato Grosso do Sul, foram alvo de violento ataque de seguranças privados.
A ação, que teve início às 23h do dia 2 de janeiro e terminou somente no dia seguinte, 16 horas depois, deixou sete indígenas feridos por tiros de bala de borracha e projéteis de arma de .
Segundo informações do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), três indígenas feridos com tiro no rosto, no tórax, na cabeça e na perna, foram encaminhados ao hospital e, apesar da gravidade dos ferimentos, não correm risco de .
Após o início do ataque, policiais militares e do Departamento de Operações de Fronteira se deslocaram ao local, onde, de acordo com o Cimi, também agiram de forma violenta contra os indígenas.
Um de 12 anos também precisou de socorro médico após perder três dedos da mão esquerda ao manipular uma granada deixada para trás pela polícia. Um segurança particular também ficou ferido.
A recente investida dá continuidade ao aumento da violência contra as famílias Guarani e Kaiowá que se intensificou nos últimos anos. Nesse processo, o uso das empresas de segurança privadas é frequente.
Justamente por conta do envolvimento com os ataques no Mato Grosso do Sul – que culminaram, inclusive, em assassinatos de lideranças indígenas entre 2009 e 2011 –, há dois anos a Justiça Federal mandou fechar a empresa de segurança Gaspem.

Seis ataques em oito meses

Uma comitiva formada por organizações que atuam na região, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), Movimento dos Rurais Sem-Terra (MST), Associação dos Juristas para a Democracia (AJD) e o próprio Cimi, visitaram o local do ataque no dia 8 de janeiro. Os representantes das entidades constataram a existência de cápsulas deflagradas de armas calibre 12.
A comitiva procurou a Defensoria Pública da União (DPU) de Campo Grande, que, nesta sexta-feira (10) solicitou ao governo estadual que requisite o envio da Força Nacional de Segurança Pública.
No ofício, Daniele de Souza Osório, defensora pública regional e coordenadora do Grupo de Trabalho Comunidades Indígenas do órgão, reforça que não restam dúvidas que há risco de novos atos violentos que poderão vitimar crianças e idosos indígenas.
Em entrevista ao  de Fato, a Irmã Joana Aparecida Ortiz, integrante da congregação das Franciscanas de Nossa Senhora Aparecida e colaboradora do Cimi em Dourados, afirma que é a sexta vez que os indígenas que realizam as chamadas retomadas, ocupando territórios, foram atacados nos últimos oito meses.
A Reserva Indígena de Dourados possui a maior concentração de indígenas do país e abrange cerca de 20 mil pessoas, em uma área de apenas 2.600 hectares.
“Essa violência tem acontecido porque ela está em todos os aparatos do . As balas são letais. Não foram pra assustar, mas realmente para matar letais. Os indígenas vivem esse temor todos os dias”, lamenta Ortiz. “Foi o próprio Estado que os colocou em uma situação de violência os arrancando dos espaços onde estavam e os confinando nessas reservas”, denuncia.
Segundo ela, a limitação territorial, a perseguição e a violência dificultam que os indígenas alcancem as condições básicas necessárias para sua sobrevivência.

Governo ruralista

Na última segunda-feira (6), o governo Bolsonaro enviou o ruralista Luiz Antônio Nabhan Garcia, secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, para Dourados.
Inimigo declarado dos povos indígenas e do campo, Nabhan Garcia presidiu por mais de uma década a União Democrática Ruralista (UDR). A associação é acusada de organizar milícias armadas, no final da década de 1980, para prestar serviços de pistolagem a fazendeiros contra os sem-terra.
Assim que chegou à região, o ruralista participou de uma reunião com autoridades públicas estaduais e com representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai). Em entrevista ao portal Campo Grande News, endossou os argumentos e justificativas dos fazendeiros da região ao dizer que “as pessoas precisam entender que ninguém tem direito a invadir propriedades alheias”.
Ao Cimi, o indígena Laurentino Guarani Kaiowá, que vive em uma das áreas retomadas atacadas, refutou a narrativa de Nabhan e dos ruralistas da região.
“Todo dia eles (seguranças) nos provocam, atiram na gente, xingam. Eles estão ali não é só pra vigilância, mas pra tirar indígena da terra. Tão aproveitando que tá todo de festa de ano novo e atacando”, disse Laurentino. Ele complementou ainda que a polícia chegou na sequência, provavelmente acionada pelos próprios seguranças, e corroborou os ataques contra eles.
A exemplo da atuação do secretário, a Irmã Joana Aparecida Ortiz avalia que não há perspectiva de vida digna para os indígenas sob o governo Bolsonaro. Um exemplo é o congelamento do processo de de terras.
“As pessoas que estão assumindo a frente dos organismos responsáveis não tem preparo para trabalhar com a cultura indígena e respeitar o que a prevê. A violência só tende a aumentar porque o interesse do agronegócio é ter o lucro, independente dos meios utilizados”, finaliza a religiosa.

Edição: Rodrigo Chagas

Fonte: Brasil de Fato

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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