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A Amazônia e o presidente do Brasil

A Amazônia e Bolsonaro

Por: Lúcio Flávio Pinto /Amazônia Real 

No dia 14, o então ministro-chefe da secretaria geral da presidência da república, Gustavo Bebianno, chegaria à Amazônia na companhia dos ministros do meio ambiente (Ricardo Salles) e da ministra da mulher, família e direitos humanos (Damares Alves). Eles viriam atestar a prioridade dada à Amazônia pelo governo Bolsonaro. Os governadores da região foram convidados para a viagem pela área que seria o centro dessa nova incursão: a margem esquerda do rio Amazonas, a menos ocupada e menos alterada da imensa fronteira amazônica.

A abertura da nova fronteira seria induzida por três obras de infraestrutura. A primeira seria o prolongamento da BR-163 (Cuiabá-Santarém) até a fronteira com o Suriname, bifurcando-se para a Guiana (ex-Inglesa) e a Guiana Francesa, abrindo acesso ao litoral marítimo próximo ao Caribe. Seria retomada a construção da hidrelétrica de Cachoeira Porteira, no rio Trombetas, no Pará; e uma ponte e um novo porto em Óbidos, o ponto – em território paraense – em que o Amazonas é mais estreito, com menos de dois quilômetros de largura.

Na prática, seria dar dinamismo ao Projeto Calha Norte, criado em 1985 pelo presidente José Sarney, como uma das suas primeiras medidas após o fim do ciclo militar. A iniciativa teria coerência com a marca militarista de Bolsonaro, inspirada na corrida à Amazônia a partir dos anos 1970 com a política de integração nacional, sob o lema “integrar para não entregar” a região aos estrangeiros, que a estariam cobiçando.

Causou surpresa a decisão tomada, mas ninguém duvidou das credenciais de Bebianno para organizar a viagem, que começaria no Pará. Além de trabalhar no Palácio do Planalto, como secretário-geral da presidência, ele tinha sob a sua jurisdição a Secretaria de Assuntos Estratégicos. Dois dias antes da data marcada, porém, a viagem foi cancelada, sob a alegação de que os ministros haviam disso convocados à última hora para uma reunião em Brasília. Uma nova data seria anunciada oportunamente.

Só com a revelação da gravação das conversas do presidente com o ministro, por Whatsapp, é que se teve acesso à verdadeira história. Num dos áudios, Bolsonaro inquire Bebianno: “Gustavo, uma pergunta: ‘Jair Bolsonaro decidiu enviar para a Amazônia’? Não tô entendendo. Quem tá patrocinando essa ida para a Amazônia? Quem tá sendo o cabeça dessa viagem à Amazônia?”.

“Essa missão não vai ser realizada. Conversei com o Ricardo Salles. Ela tava chateado que tinha muita coisa pra fazer e está entendendo como missão minha. Conversei com a Damares. A mesma coisa. Agora eu não quero que vocês viagem porque… Vocês criam a expectativa de uma obra. Daí vai ficar o povo todo me cobrando. Isso pode ser feito quando nós acharmos que vai ter recurso, o orçamento é nosso, vai ser aprovado, etc. Então essa viagem não se realizará, Ok?”, encerrou o presidente.

Fica a dúvida: qual o enredo verdadeiro? O de Bebianno ou o de Bolsonaro? Onde e como a Amazônia entra nessa história escrita por linhas tortas?

ANOTE:

Nota do Autor: A imagem que abre este artigo mostra a BR 163 (Cuiabá/Santarém), a primeira obra que seria prolongamento até a fronteira com o Suriname pelo governo Bolsonaro, mas que está em área do avanço de desmatamento da floresta amazônica (Foto: Mácio Ferreira/AG. Pará/2017) 

Lúcio Flávio Pinto é jornalista desde 1966. Sociólogo formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1973. Editor do Jornal Pessoal, publicação alternativa que circula em Belém (PA) desde 1987. Autor de mais de 20 livros sobre a Amazônia, entre eles, Guerra Amazônica, Jornalismo na linha de tiro e Contra o Poder. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace. Em 2005 recebeu o prêmio anual do Comittee for Jornalists Protection (CPJ), em Nova York, pela defesa da Amazônia e dos direitos humanos. Lúcio Flávio é o único jornalista brasileiro eleito entre os 100 heróis da liberdade de imprensa, pela organização internacional Repórteres Sem Fronteiras em 2014. Acesse o novo site do jornalista aqui www.lucioflaviopinto.com.

Fontehttp://amazoniareal.com.br/amazonia-e-bolsonaro/

Título da Matéria: Por uma decisão editorial, não usamos o nome do presidente do Brasil nas capas dos posts de nossas matérias.

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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