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A anti-política gerou a força da extrema direita

A anti-política gerou a força da extrema direita

A anti-política gerou a força da extrema

A extrema direita veio para ficar. Era um fenômeno marginal, quase folclórico no . Agora ocupa um espaço significativo na política e na sociedade brasileira…

Por Emir Sader

Quando se constituíram na Europa as forças políticas fundamentais, seu reflexo no Brasil, pelo lado da extrema direita, a liderança de Plínio Salgado. No próprio assédio ao Getúlio, na sua ascensão ao poder, ao lado da chamada “intentona comunista”, estava uma tentativa de irrupção política do integralismo, que foi igualmente derrotado.

Em vários momentos surgiram líderes carismáticos de extrema direita – de que o próprio Jânio Quadros era uma tentativa -, que catalisaram momentaneamente descontentamentos e depois desapareceram. Na redemocratização, partidos como o PMDB, o PFL, o PT, o PSDB, davam consistência relativa a um sistema político que emergia da anti-política da .

As disputas eleitorais entre o PSDB e o PT protagonizaram as disputas políticas no espectro institucional instaurado pela nova Constituição brasileira. A limitação mais profunda da redemocratização no Brasil residiu em que ela se limitou ao restabelecimento do sistema político liberal, sem democratizar mais nada no país mais desigual do continente mais desigual.

Os governos do PT avançaram na luta contra as desigualdades sociais e regionais de maneira inédita no país. Pela primeira vez se dava um processo de ascensão social das camadas mais pobres da população e das regiões mais postergadas do país. 

Daí a capacidade do PT de, uma vez eleito para a presidência do Brasil, conseguir se reeleger democraticamente, opondo seu modelo anti-neoliberal ao neoliberal, que os tucanos insistiam em defender, apoiados pelas outras forças da direita.

Esse movimento teve, nas mobilizações de 2013, seu primeiro grande momento de inflexão. Lutas que se iniciaram com mobilizações estudantis contra a alta das tarifas de transporte rapidamente ganharam uma conotação diferente, pela atuação decisiva dos meios de comunicação, que incentivaram e deram destaque às reivindicações contra a política.

Esta tinha lemas que favoreciam essa transformação, como aqueles de “O gigante despertou” – como se nada tivesse ocorrido no país nos 10 anos anteriores –, ou “Contra tudo isso que está  aí” – forma de se opor aos governos do PT. A direita se deu conta de que havia uma outra forma de lutar contra os governos do PT, começando a ensaiar o abandono da disputa eleitoral, em que ela colecionava derrotas. 

Depois da reeleição da Dilma, a direita, de maneira mais decisiva, buscou um atalho para derrubar o PT, cansada dos reveses eleitorais. Foi retomada a onda da anti-política, do anti-partidos, canalizada contra os governos do PT e contra o governo da Dilma, especificamente.

Se valeram das medidas do começo do segundo mandato da Dilma, além das tentativas de questionar a contagem de votos e outras atitudes dos tucanos – perdedores uma vez nas eleições –, para avançar o clima de desestabilização do governo da Dilma, retomando continuidade com os movimentos e os lemas de 2013.

Contaram também com a falta de uma consciência política democrática do povo, que teria levado a, mesmo se discordando do começo do segundo mandato da Dilma, tivesse se mobilizado para defendê-la, porque ela tinha sido reeleita democraticamente para um segundo mandato. O questionamento do mandato dela era um questionamento à democracia, sistema que tinha permitido, pelo voto da maioria, os governos do PT.

Combinando denúncias promovidas pela mídia – contra a corrupção, contra a política, contra uma suposta incompetência da Dilma para gerir a crise econômica, somada à virada do MDB para uma linha golpista e a pautas bomba que implantavam a ingovernabilidade –, com mobilizações de classe média em vários lugares do país, magnificadas pelos meios de comunicação, gestou-se o clima do golpe, mascarado de impeachment, sem nenhum fundamento legal.

O resultado foi a dinâmica política que levou à eleição de um político – até ali marginal – de extrema direita, que tinha mais apoio que os tucanos, que tinham sido enxotados das manifestações da Avenida Paulista. O clima agressivo de ódio aos adversários, assumido nessas manifestações, encontrava no candidato escolhido sua expressão mais aberta. 

O elogio ao golpe, às torturas, sua ao maior torturador ao votar, em cadeia nacional, pelo golpe contra a Dilma consolidava o clima de ódio, de hostilidade à democracia, ao Judiciário, aos meios de comunicação, aos adversários políticos e, particularmente, ao PT.

O processo que levou, do golpe contra a Dilma à eleição do Bolsonaro, passando pela prisão e impedimento do Lula – favorito para ganhar no primeiro turno – de ser candidato, as irregularidades gigantescas na campanha presidencial de extrema direita, toleradas pelo Judiciário, desembocou em um governo de extrema direita no Brasil.

Lula sempre apontou como a crítica da política levava sempre a algo pior do que a política – a alternativas ditatoriais, fascistas, nazistas. Foi o que aconteceu no Brasil.

Os partidos tradicionais – MDB, PSDB – despencaram, levando o sistema político a uma profunda crise de representação, substituídos por políticos aventureiros de extrema direita, livre atiradores, que se projetam pela internet, com todos os drones e fake news possíveis e imagináveis. 

O PT sobreviveu, mesmo atacado sistematicamente ao longo de mais de 10 anos por todos os meios de comunicação, com acusações falsas, porque representava a alternativa democrática, porque tinha na liderança do Lula a afirmação de que havia alternativas para o Brasil. Porque tinha ficado na memória do povo como um tempo muito melhor para todos.

A luta agora é pelo restabelecimento da democracia, pelo resgate de um outro tipo de fazer política, pelo prestígio do PT e do Lula como forças renovadoras de um cenário político tão degradado pela extrema direita e pelos meios de comunicação tradicionais. Uma tarefa enorme, mas da qual depende o futuro do Brasil por toda a primeira metade do século XXI.

 

Emir Sader – Sociólogo. Membro do Conselho Editorial da .

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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