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A flecha que matou Rieli era para todos nós

A flecha que matou o indigenista Rieli Franciscato era para todos nós

Por Márcio Santilli

Foi chocante a notícia de que o Rieli Franciscato, da , foi flechado e morto por índios isolados de Rondônia. Há vários registros passados de eventos similares, mas não me lembro de outro que tenha ocorrido neste século. A partida do Rieli explicita nossa relação profundamente contraditória com os primeiros habitantes da terra.

Rieli era um remanescente dos sertanistas da Funai, com 30 anos de serviços prestados ao . Figura ímpar, respeitado por todos os que conhecem a sua vida de trabalho indigenista, deixa-nos saudades e, principalmente, um sentimento de perda irreparável, pois quase já não há quem se disponha a atuar nessa linha de frente do choque entre outras culturas e a nossa civilização.

É difícil afirmar com precisão que índios flecharam Rieli. Eles saíram da mata, na última sexta feira, e perambularam por um sítio, no município de Seringueiras. Não atacaram a casa, onde permaneceu escondida uma jovem mulher, exploraram os arredores e fugiram quando ouviram o barulho de uma moto que chegava ao local, deixando uma caça defumada e levando uma galinha e um machado. A intenção de troca pode ser entendida como amistosa.

É provável que seja um grupo referido pela Funai como “isolados do Rio Cautário”, que vive na Terra Indígena . Foi dentro dela que Rieli foi flechado, seguindo os rastros deles a partir do sítio visitado. A expedição de Rieli, acompanhado de policiais militares, deve ter sido interpretada pelos índios como se fosse uma retaliação e, então, a atacaram.

Rieli coordenava a frente de contato instalada naquela Terra Indígena. Atuava segundo as diretrizes contemporâneas, que protegem os índios isolados sem forçar o contato direto, respeitando a sua opção pelo isolamento. Porém esses índios não têm como discernir entre um sertanista, que os procuram para protegê-los, de um pistoleiro que pretenda dizimá-los. Qualquer presença “nossa” representa uma grande ameaça.

Isso porque os índios ditos isolados, em Rondônia, estão sendo cercados e caçados. A Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau está invadida por posseiros e madeireiros, mas o governo protela a sua retirada, que está sendo pedida numa ação junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). Os índios estão cercados – e não estritamente isolados – e têm motivos para não subestimar a natureza agressiva dos que os cercam.

A flecha que matou Rieli foi certeira, embora tenha sido equivocada, ao mesmo tempo. Ela não reconheceu o amigo e pretendeu dar um chega para lá na sociedade invasora que lhes pareceu, naquele momento, representada por aquela pessoa. Ela foi atirada contra todos nós e de nós levou o Rieli.

Márcio Santilli, sócio fundador do ISA. Fonte: ISA

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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