A Fome Dilacera (E tritura a dignidade)
Dos meus 37 anos de Brasília, há 18 vivo aqui neste bairro classificado como de classe média alta
Um tanto de gente de nariz em pé. Muita pose. E só pose. Mas um tanto de gente bacana tb. A “humanidade” é assim. Em qualquer parte do mundo.
Nos últimos 3 anos, tenho visto coisas devastadores na porta do mercado que frequento, perto do meu apartamento. Gente, muita gente mesmo, pedindo COMIDA. Uma vez, isso um pouco antes da pandemia, fui surpreendido por uma mulher me pedindo, dentro do mercado, um pacote de arroz. Comprei o arroz e outras coisas pra ela. Ela chorou. E o número de gente foi aumentando.
Tem, tb, muita gente aproveitadora. Alguns conheço de longe. Já sei até os passos. Todo dia estão lá.
Mas agora eles ficam na porta do mercado. Seguram cartazes. São cenas deploráveis.
Hoje, o rapaz da foto carregava esse cartaz. Observei que alguns liam e faziam gestos positivos. Parei e vi algumas pessoas saindo com alguma coisa pra ele, geralmente uma ou duas sacolas. Entregavam, ele agradecia e iam embora.
Mas ninguém quis saber a história dele. Eu fui até o rapaz. Ele me disse que se chama Jonathan, mora em Águas Lindas de Goiás, 50km do nobre Sudoeste. É auxiliar de pedreiro. Ganha, quando consegue obra, 50 reais/dia.
Me disse que é casado, tem uma filha de 1 ano e meio. E que começou a pedir na rua porque a família tem passado fome. “Eu até suporto, mas ver minha filha chorar de fome me enlouquece.” A mulher, segundo ele, é faxineira. Quando consegue uma casa, recebe 120 pelo dia.
Aí, eu vejo gente dizer que este país, que há muito mergulhou num poço sem fundo e na sua mais terrível treva, melhorou. Em quê? Em que área? Em que setor? Eu quero números reais.
E a corrupção? Nunca acabou. Alguns fingem não ver. Só enxergam o que lhes convém. E, antes que me perguntem se sou PTista, eu me apresso em responder, embora não tenha obrigação de explicar nada.
Não, não sou PTista e nunca fui. Não preciso de partido ou sigla para ENXERGAR o outro e sentir o tamanho da sua dor. Eu sempre enxerguei o outro. E sempre quis ouvir a história que tinha (e tem) pra me contar.
Depois de ouvir a história do moço, entrei no mercado e comprei algumas coisas para que, pelo menos por alguns dias, a fome não os dilacere tanto.
Cada um elege o seu “MITO” à sua altura e semelhança. Cada vez mais, eu tenho certeza disso. Definitivamente.
Este país ruiu.
Marcelo Abreu – Cronista da Vida Humana.
Nota da Redação: Texto publicado em 06 de fevereiro de 2022, quando o Brasil estava mergulhado no projeto neoliberal do bolsonarismo. Felizmente, vencido nas urnas, retomamos o projeto de desenvolvimento soberano, social e sustentávell, retirando nosso povo do mapa da fome.