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A lenda da Dança dos Tangarás

A LENDA DA DANÇA DOS TANGARÁS

A lenda da Dança dos Tangarás

Todas as têm a sua origem na real e são um reflexo do nosso espírito. As florestas estão cheias de abusões e fantasmagorias, criadas pela ideia sempre inventiva de nossos caboclos. Até as danças serviram de pretexto à invenção de uma das lendas mais interessantes do Paraná. Floriu na marinha. Em Guaraquessaba…

Por Luís da Câmara Cascudo

Certa vez, um viajante foi até aquela vila. Sol a pino. Desembarcando da frágil canoa, o canoeiro seguiu abrindo caminho na , por um carreiro ziguezagueante. Reinava em tudo um grande silêncio, o silêncio modorrento da canícula.

O viajante ia atrás admirando a paisagem e a pletora da floresta cerrada. Iam silenciosos, quando de repente o canoeiro parou e fez sinal de cautela ao canoeiro, para que pisasse sem ruído. Que seria?

Pé ante pé, o excursionista veio vindo, veio vindo, e surpreendeu este quadro, para ele inédito: Oito ou nove passarinhos, de cor azulada e crista vermelha, trinavam e bailavam nos galhos de uma árvore quase desfolhada.

Um dos pássaros, o chefe, estava pousado num ramo superior e executava, harmoniosamente, um canto suave, com as penas encrespadas pela volúpia da modulação, a cabeça esticada, o bico entreaberto.

Quando terminou este solo, romperam os outros em coro.

Houve, depois, um descanso rápido, em que os orquestrantes começaram a saltitar, de dois em dois, numa espécie de quadrilha. A um apelo do chefe, retomaram seus lugares.

Recomeçou o chilreio, pondo-se o chefe a bailar, indo e vindo de um galho para outro. Enquanto isto, os bailarinos voavam, cantando, uns por cima dos outros, revezando-se, de modo que os primeiros ficavam atrás dos últimos, e estes atrás dos primeiros. Era um encanto vê-los!…

Curioso, o viajante quis ver mais de perto a dança. Mas fez ruído. E com isso, os pássaros fugiram, de súbito.

– Que passarinhos são estes, indagou o romeiro, apontando para o rumo em que desapareceram.

– O Povo chama de Tangarás – informou o canoeiro – mas pro sinhô eu vô conta: São os fios do Chico Santos.

O viajante não entendeu o resultado daquela revelação e inquiriu:

– Filhos de quem?

– Eu lhe conto o causo – disse o caboclo, acendendo seu cachimbo. Não vê que havia dantes nestes matos uma família de dançadores. Eram os fio do Chico Santos. Que gente pra gostá de dança! Dançavam por nada.

Fandangueavam até nas roça, interrompendo o trabaio. Batiam os tamanco no chão quase toda noite. Uma veis, meu sinhô, távamo na Semana Santa! Pois não é que a rapaziada inventô de fazê um fandango?

E feis. Dançaram inté de manhã. Mas Deus, que vê tudo, castigô os dançarino. E sabe o que feis?

– ?

– Deu a bexiga nos fio do Chico Santos.  E cada um que ia morrendo ia virando passarinho. E agora andam aí cumprindo o seu fado… O meu avô sabia dessa história, por isso nóis nunca dançamo na quaresma.

E concluiu, num longo suspiro de piedade: – Quem mandô eles dançarem na Semana Santa?

Luís da Câmara Cascudo (1898 – 1986) Geografia dos Mitos Brasileiros. 3ª Edição. Editora Global, 2002.

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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