A LENDA DAS DEZ TRIBOS

A LENDA DAS DEZ TRIBOS

A Lenda das Dez Tribos

Conta uma antiga lenda tapuia, povo indígena que habitou estas terras muito antes dos tupiniquins os expulsarem, que uma anciã, por nome Nhoesembé, que tinha a fama de adivinha, mãe de dez tribos do sul, reuniu as dez filhas para que cada uma tomasse o seu rumo.

Por Pawlo Cidade/O Tabuleiro
A mais velha delas, “Ilhéus”, disse: “Minha filha, tu és a mais bela de suas irmãs, por isso mesmo irás fincar tuas estacas nas bandas do rio Almada ao rio de Contas. Os homens irão te explorar de todas as maneiras, terás vários maridos, um deles sequer irá visitá-la quando a possuíres; nenhum deles te amarás tanto quanto aquele que levará seu nome aos quatro cantos deste planeta. Ele contará a história de seus filhos e de suas filhas.
Alguns dirão que, apesar de linda, és uma mulher maltratada, sem ninguém para te assumir verdadeiramente. A sua ingenuidade e beleza a deixarás por quase quinhentos anos à mercê do provincianismo, presa a costumes arcaicos que a impedirão de se transformar em rainha. Serás, eternamente, a Princesinha do Sul, até que um dia, um príncipe dos alpes a resgate das forças retrógradas e dos exploradores vorazes”.
Depois, se virou para Tabocas e a repreendeu dizendo: “Filha, pare de bancar a planta oca, que de oca você não tem nada. Sei muito bem que andas carregando as coisas de Ilhéus nas madrugadas, oferecendo terras e água que tu tiras do Almada. Se afaste de Ilhéus e vá construir sua vida no comércio. Sua habilidade e esperteza a tornarás próspera e logo abandonarás tua irmã. Irás evoluir no lugar das pedras pretas do Sul para mais tarde seres chamada pelos sergipanos de Itabuna. Esqueça sua irmã mais velha.
Cresça, multiplique-se, evolua!”, em seguida soltou um olhar furioso para os gêmeos Itapira e Itacaré que brincavam sem prestar atenção nas falas da mãe: “Miguel, em breve, os homens não mais te chamarão de Miguel da Barra do Rio de Contas, mas de Itacaré! Cuida bem dos filhos e filhas que terás: Coroinha, Engenhoca, Havaizinho, Jeribucaçu, Piracanga, Ribeira, Resende, Tiririca e tantos outros. Serás amada por muitos, venerada por poucos. Mas tuas praias paradisíacas serão descritas de norte a sul desta terra. Não se preocupe com Itapira, ela vai cuidar bem da agricultura, como todos vocês.
É uma pena que os homens mudarão este nome bonito que tens para chamá-la de ‘aldeia de canoa pequena’, ou melhor, de Ubaitaba. Mas do teu ventre sairão atletas olímpicos que terão orgulho de dizer que nasceram em seu chão”, finalizou.
“Vargito!”, a mãezona gritou para um camacãzinho, filho de um índio Camacã, que Nhoesembé conheceu nas matas e ordenou: “De Vargito, terás o nome do seu pai, Camacã. Desça na direção do extremo sul e estabeleça ali uma das maiores plantações de cacau do mundo. Serás conhecido, depois de sua irmã mais velha, como a terra que mana o fruto do ouro”. E com olhar afetuoso, viu as jovens Guaraci e Pirangi esperando sua vez.
Para a galega de cabelos de fogo a mandou para uma terra quente na esperança de que algum jovem explorador cuidasse com carinho de seus cachos. “Um dia serás, próspera, Guaraci. Por isso mesmo, depois de um tempo a titularão de “Coaraci”. Deverás sempre estar ao lado de Pirangi, até que ela amadureça e se livre daquelas pedras-espinho da beira do rio. Quando estiver no caminho certo, minha adorável Pirangi, que gerarás em teu bandulho um homem de grandes palavras, e serás batizada de Itajuípe”.  
Ansiosa, porque ainda não havia sido citada, Nhoesembé fez questão de deixar Una  por último. Pulou ela e se dirigiu logo a Poxim: “Deixe este seu nome de batismo para um distrito distante. De agora em diante te chamarei de Canavieiras. Quando eu quiser paz e sossego, vou descansar minhas pernas em Atalaia, nadar na boca da barra, bem pertinho do rio das garças e me lavar de lama negra para rejuvenescer minha pele. Espero que seus futuros maridos não se sintam donos de suas terras e queiram se perpetuar de geração a geração em seus aposentos. Seja sempre, Canavieiras!
De repente, um enxame de abelhas sobrevoou a reunião. Era arte de Água Preta, também inquieta, por não ter recebido as palavras de seu destino. Nhoesembé não gostou muito daquela travessura. Ficou furiosa. Deu logo uma dura em Água Preta: “Tinha que ser você, não é Água Preta? Pois saiba que irás para a região das abelhas. Deixarás de ser chamada Água Preta e passará a se chamar Uruçuca! Que também significa, “lugar de abelhas!”, disse. Água Preta deu dois pulos para o ar. Gostou de ter mudado de nome. Afinal, amava demais as abelhas. Restava saber se seus dominadores a cultivariam para sempre.
E por fim, segurou a mão da caçulinha com ternura: “Minha pretinha Una! A terra das pedras escuras, do rio mais escuro, da mata mais fechada. É lá que você florescerá com os estrangeiros que tomarão posse de suas terras. Mas não esqueça que seus filhos são seus verdadeiros herdeiros. Estarás entre Canavieiras e Ilhéus, como um forte elo de ligação fraternal, para que nenhuma de vocês esqueça que saíram do mesmo ventre. Preserve sua fauna, cultive sua flora e conserve seu rio negro sempre limpo. És a menor, apenas em tamanho, mas a maior em hospitalidade e alegria”.  
E assim, Ilhéus, Itabuna, Itacaré, Ubaitaba, Camacã, Coaraci, Itajuípe, Canavieiras, Uruçuca e Una se alojaram em terras tapuias onde floresceram, caíram, se ergueram outra vez e continuam lutando na esperança de cumprirem, um dia, as profecias de Nhoesembé.
Fonte: Redação O Tabuleiro. Capa: Terra A Vista.

Deixe seu comentário

UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

PARCERIAS

CONTATO

logo xapuri

REVISTA